“O déficit voltou em 2012 e de lá para cá temos registrado perdas”
Yuno Silva Repórter
O futuro dos planos de Previdência Complementar administrados pela Fundação dos Economiários Federais (Funcef). que assiste aposentados e pensionistas da Caixa, está em xeque. Após acumular perdas na última década, ao aplicar recursos em negócios considerados de alto risco, a nova diretoria da Funcef resolveu adotar medidas mais cautelosas para evitar o crescimento descontrolado do déficit nas reservas do terceiro maior fundo de pensão do Brasil – atrás do Previ (Banco do Brasil) e do Petros (Petrobras). Esses três fundos, junto com o Postalis (dos Correios), abasteceram a política do Governo Federal de investimentos a longo prazo nas áreas de habitação e infraestrutura.
“Os Fundos foram utilizados pelo Governo Federal como agentes de fomento, e todos amargaram sérios prejuízos. É um dinheiro fácil para se acessar”, disse Délvio Joaquim Lopes de Brito, diretor de Benefícios da atual gestão da Funcef, que em 2017 completa 40 anos de existência.
A Fundação registrou perdas ao investir, por exemplo, em negócios do grupo J & F. controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. O fundo de pensão da Caixa também perdeu com negócios firmados com construtoras como OdebrechL OAS, Sete Brasil. ‘A grande maioria das empresas mencionadas na Operação Lava Jato têm negócios com a Funcef”, informou Délvio Brito. Ele lembrou que em setembro de 2016, Polícia Federal e Ministério Público Federal deflagraram a Operação Greenfield, que investiga justamente desvios de recursos de fundos de pensão, bancos públicos e estatais.
A Funcef já equacionou R$ 8 bilhões do déficit R$ 2 bilhões apurados em 2014 e outros R$ 6 bilhões em 2015, mas o acumulado pode chegar a quase R$ 20 bilhões. Há mais de um ano, e pelos próximos 17 anos, todos os aposentados, pensionistas e pessoal ainda na ativa irão pagar uma taxa mensal de 10,64% sobre os benefícios recebidos. Porém, esse valor vai aumentar até o fim do ano quando um novo plano de equacionamento for definido.
“Além da Caixa perder os recursos investidos, os assistidos da Funcef ainda estão sendo chamados para cobrir os prejuízos”, criticou Délvio, que esteve em Natal no último dia 10 de agosto, ao lado de Max Mauran Pantoja da Costa, também diretor da Funcef da área de Planejamento e Controladoria, para apresentar a situação aos funcionários da Caixa e assistidos da Funcef no Rio Grande do Norte.
“Quando assumimos a diretoria da Funcef em 2014, começamos a incomodar os diretores indicados pela Caixa ao exigir mais transparência. Nossa intenção é, ao manter os participantes informados, evitar que problemas como esses voltem a acontecer. Estamos levando esse recado para todo o Brasil”.
A boa notícia, garante Délvio, é que a tendência de queda dá sinais de ter sido revertida: saiu de um déficit de R$ 6 bilhões registrados no último balanço consolidado, para um saldo negativo de R$ 700 milhões no primeiro semestre deste ano. “Poderemos ter surpresas agradáveis nesse segundo semestre”, adiantou o diretor de Benefícios da Fundação, que concedeu a seguinte entrevista:
Qual o motivo da visita de diretores da Funcef a Natal?
A Fundação administra mais de um plano, e de acordo com a legislação o déficit contabilizado deve ser coberto (equacionado) por um método de paridade entre a patrocinadora (Caixa) e os assistidos da Funcef. Por isso, estamos viajando o País para apresentar um diagnóstico da situação aos participantes do fundo, mostrando a origem e os porquês desse déficit; e de que forma estamos trabalhando para atenuar a situação e recuperar os recursos perdidos.
E onde os problemas foram identificados?
Basicamente os problemas estão acontecendo no plano original da Funcef (RegReplan), nosso maior patrimônio, que em 2006 foi subdividido entre Saldado e Não-Saldado. Na época, quem saldou, definiu o valor do benefício e por quanto tempo receberia de acordo com a reserva de cada um. Até então, as pessoas se aposentavam com um valor médio calculado sobre os últimos doze salários.
O equacionamento é diferente para cada tipo de plano?
Sim, o Saldado Já fez dois equacionamentos: há mais de um ano estão pagando 2.78% do benefício mensal recebido (para cobrir o déficit de Ri 2 bilhões apurado em 2014); mais 7.86% referente ao equacionamento de 2015 (sobre outros Ri 6 bilhões de déficit). Somando as duas taxas temos 10,64%, já cobrados sobre o benefício mensal de aposentados, pensionistas; e ganhos do pessoal da ativa, que foi sobretaxado. Essa cobrança irá perdurar pelos próximos pouco mais de 17 anos, e o índice vai aumentar até o fim do ano com o terceiro equacionamento que precisamos aprovar.
E no caso do plano Não-Saldado?
Nessa modalidade temos outra situação: será necessário negociar a paridade entre os assistidos e a Caixa, que questiona a paridade com base em um entendimento que a Previc (órgão de fiscalização) teve sobre uma contribuição criada em 1977 que, tecnicamente, nunca foi considerada normal – aquela contribuição que a pessoa paga para formar as reservas necessárias para receber o benefício no futuro. Ao considerar, a paridade (50% – 50%) que contempla o Saldado fica desigual para o Não-Saldado, um grupo pequeno de 6 mil pessoas, que não passaram pelo processo de saldamento em 2006. Essa é a discussão que temos no momento.
Qual o valor total do déficit?
O acumulado total, somando com o que já está equacionado (R$ 8 bilhões), chega a quase R$ 20 bilhões. O valor a ser equacionamento no plano a ser aprovado até o fim deste ano, pode variar entre R$ 5.5 bilhões (o mínimo permitido por lei) e R$ 9 bilhões (o déficit total). Temos mais R$ 1 bilhão para o primeiro equacionamento do Não-Saldado. No momento, estamos em negociação com a Caixa sobre a questão da paridade.
Como a Funcef acumulou esses prejuízos?
Antes é importante frisar que esse déficit não foi gerado apenas por investimentos que deram errado, temos obrigações judiciais de quase R$ 2,5 bilhões – um passivo trabalhista gerado a partir de processos movidos por funcionários contra a Caixa, mas que causa um reflexo imediato no fundo. Outros conflitos trabalhistas ainda geraram mais R$ 12 bilhões, uma bomba relógio que a legislação ainda não me obriga a contabilizar. O vemos é a Funcef assumindo prejuízos trabalhistas gerados pela Caixa, que deveria se responsabilizar integralmente pelos valores. E quando esse prejuízo reflete na Funcef, toda a coletividade paga.
E quanto aos investimentos perdidos em negócios de risco?
Temos uma diretoria formada por seis pessoas: três diretores indicados pela Caixa (dois deles presos durante a Operação Greenfield), e três diretores eleitos pelos associados – Délvio. Max. e Antônio Augusto de Miranda e Souza, diretor de Administração. O presidente também é indicado pelo banco. A questão é que a Caixa tem interesse na permanência dessa assimetria, dessa maneira que muitos negócios foram fechados – por isso temos jogado duro para constranger e evitar novos contratos. Porém, em muitas ocasiões, a atuação comercial da Caixa passou por cima da Funcef, que fechou negócios (com recursos do fundo) não muito cartesianos. A atual gestão rompeu esse ciclo em 2014.
Onde estão esses investimentos?
Muitos negócios que deram problemas são investimentos nas áreas de infraestrutura, habitação, óleo e gás, e tudo mais que esteve na pauta do Governo Federai tendo a Caixa como agente financeiro.
A partir de quando o acúmulo desses déficits começou a aparecer?
O primeiro déficit consolidado pela Funcef foi identificado em 2001. Depois disso voltou a aparecer em 2012, e de lá para cá todos os anos temos registrado perdas. A partir de 2008, ano da crise, enquanto toda a economia estava se fechando para os fundos de investimentos (negócios de alto risco), a Funcef entrou para valer nesse mercado. Tivemos casos emblemáticos nesse período, como o investimento na Gradiente: a empresa já estava em situação de pré-falência, mesmo assim a Fundação entrou com R$ 17 milhões e só há dois, três anos é que conseguimos sair do negócio por R$ 1. O sistema vive uma crise grande, e a Funcef adotou estratégias erradas de investir em empresas de capital de risco sem liquidez. Quase todos os negócios que os fundos se envolveram deram prejuizo.
Além da Gradiente, que outras empresas receberam investimentos da Funcef?
Construtoras como a Odebrecht. OAS. Sete Brasil, a cadeia de óleo e gás, e a grande maioria das empresas mencionadas na Operação Lava Jato possuem contratos com a Funcef. Os fundos de pensão atrelados a empresas estatais como Funcef (com patrimônio de R$ 60 bilhões), Petros (Petrobras, R$ 80 bilhões, que está para fechar o primeiro plano de equacionamento). Previ (Banco do Brasil R$ 180 bilhões), e Postalis (Correios, R$ 6 bilhões) foram utilizados pelo Governo Federal como agentes de fomento da política governamental e agora estão todos amargando sérios prejuízos. Os recursos utilizados em investimentos de longo prazo, como habitação e infraestrutura, são oriundos do FGTS e do saldo da previdência complementar. É um dinheiro fácil para o Governo Federal utilizar, na época não existiam mecanismos de controle e fiscalização.
Onde entra o grupo J & F nesse contexto?
Nesse período a Funcef fechou negócios perniciosos com o grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que controla a JBS/Friboi entre outras marcas. Em 2016, tivemos um prejuízo de quase R$ 2 bilhões nos contratos firmados com a J & F (decorrentes de investimentos feitos em 2008). Em outros países, esses tipos de negócios são mais comuns, mas no Brasil são ensaios, medidas experimentais que envolveram os fundos de pensão.
Que outras consequências atingem os fundos de previdência complementar?
Vivemos um momento singular: uma das principais medidas que o atual Governo Federal tomou foi fechar o Ministério da Previdência e atrelar ao Ministério da Fazenda – que é comandado por banqueiros. Há um conflito de interesses muito grande entre a previdência complementar e a previdência aberta; e sabemos que há todo um projeto dessa gestão para desmontar os fundos de pensão ao estimular, e incentivar, um produto explorado por bancos e seguradoras que só visam o lucro. Estão querendo que as pessoas migrem e passem a dar lucro para os bancos privados, sem estímulo nem incentivo para o crescimento da previdência complementar, prova disso é o crescimento meteórico da previdência aberta.
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/o-da-ficit-voltou-em-2012-e-de-la-para-ca-temos-registrado-perdas/389753