Sete Brasil e o Crime de Lesa-Patria: Risco Sistêmico

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Sete Brasil e o Crime de Lesa-Patria: Risco Sistêmico
// Cidadania & Cultura

Sete Brasil

Um risco sistêmico atinge até tese acadêmica! A Operação Lava-Jato respingou até sobre a minha hipótese otimista a respeito do futuro do Capitalismo de Estado Neocorporativista (CEN) no Brasil! Terei de defendê-la, na próxima semana, perante uma banca julgadora no Concurso para Professor Titular do IE-UNICAMP.

Inevitavelmente, algum membro da banca me perguntará: “E agora, Fernando? A realidade falseou sua visão sistêmica prospectiva?”

Poderei, humildemente, responder: “A Ciência se faz assim: levanta-se uma hipótese para ser falseada… Depois disso, levanta outra, sacode a poeira… e dá a volta por cima!” 🙂

Mas, antes, terei de examinar se o projeto de exploração do petróleo em águas profundas, abaixo da camada do pré-sal, sofrerá apenas um atraso, dada “a vida em suspenso de todos os envolvidos na cadeia produtiva do petróleo no País”: a própria Petrobras, seus fornecedores, seus sócios, enfim, um risco sistêmico generalizado. Além disso, há:

  1. a conjuntura de queda de preços do hidrocarboneto e
  2. a tendência histórica de queda no custo de investir em energia alternativa (solar, eólica, etanol, biodiesel, etc.), devido ao ganho de escala com absorção gradativa de nova tecnologia.

Cabe, então, examinar a situação de uma das empresas símbolos do CEN aqui instalado: a Sete Brasil. Nela estão associados os quatro pilares desse capitalismo: capitais de origem estatal, trabalhista, privada nacional e estrangeira.

A Sete Brasil foi criada em 2011 para retirar do balanço da Petrobras o peso de carregar 29 sondas de perfuração do pré-sal. A empresa, na prática, funciona como um financiamento de projeto, em que bancos e fundos de pensão entraram comprando ações ou fazendo empréstimos para viabilizar a construção das sondas. A Petrobras manteve 5% da companhia e os outros 95% estão dentro de um fundo de participações (FIP), cujos cotistas são os bancos BTG Pactual (o maior deles, com pouco mais de 25%), Santander e Bradesco, os fundos de pensão Petros, Funcef, Valia e Previ, o fundo FI-FGTS, a empresa de investimento em energia EIG, além de Luce Venture Capital, Lakeshore e a própria estatal de petróleo.

Os bancos Itaú BBA, Caixa, Banco do Brasil, Citi e Standard Chartered, Sumitomo e Scotiabank (além de Bradesco e Santander que entraram com ações e dívida), fizeram empréstimos-ponte à empresa, enquanto os recursos do BNDES e do Fundo da Marinha Mercante não são liberados. No total, os acionistas já entraram com R$ 8,3 bilhões, enquanto os empréstimos somaram US$ 4,6 bilhões.

A empresa vive grave crise financeira, muito agravada pelo inferno-astral que tomou conta da Petrobras com a operação Lava-Jato da Polícia Federal. Parte do problema pode se resolver com a liberação, pelo BNDES, de empréstimo à companhia. Desavenças entre Petrobras e BNDES sobre o contrato de operação das sondas, que a petroleira se recusava a assinar, vêm bloqueando a liberação dos recursos, destinados a financiar a fabricação dos equipamentos.

Se resolvidas as questões financeiras e operacionais, restará ainda saber se e como a Lava-Jato respingará nos contratos fechados entre os estaleiros e a Petrobrás, antes da criação da Sete Brasil.

Os sócios financeiros da Sete Brasil, criada para gerenciar a construção de sondas de perfuração de petróleo e alugá-las à Petrobras para exploração do pré-sal, querem pedir ao governo um perdão (“waiver”) para que a empresa possa arrendar plataformas no mercado internacional enquanto as suas próprias não ficam prontas.

A autorização, a ser concedida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), seria necessária porque as sondas do pré- sal, destinadas para uso em águas ultraprofundas, devem ser construídas por estaleiros instalados no país e obedecer a um alto percentual de conteúdo nacional. A maior parte das sondas encomendadas pela Sete Brasil a cinco estaleiros está com a fabricação atrasada, o que impede que a empresa se torne operacional e agrava sua situação financeira.

Tal proposta precisaria da concordância da Petrobras para ir adiante, mas até agora os bancos não conseguiram negociar esse tema com a sócia estatal. A Petrobras negou a intenção de concordar com o pedido de perdão. “A Petrobras espera que a Sete Brasil cumpra com o prazo e com o conteúdo local contratados“, informou a empresa, por email. Segundo a petroleira brasileira, “as sete primeiras sondas foram contratadas para iniciar operação até o fim de 2016, sendo uma em 2015 (maio) e o restante em 2016 (uma em março, duas em julho, duas em agosto e uma em novembro). As seis primeiras com conteúdo local de 55 % e a última com conteúdo local de 60 %.”

Um pedido de “waiver” em relação ao conteúdo nacional é politicamente complicado. Essa foi uma bandeira levantada pelo ex-presidente Lula e defendida pela presidente Dilma Rousseff. Com a economia doméstica em baixa, o atrito com sindicatos causado pela importação das sondas, ainda que temporária, seria ainda maior.

“O problema da Sete Brasil é de fácil solução. Com a queda do preço do petróleo, o mundo vive uma situação de excesso de sondas e escassez de contratos de exploração. A Sete deve ser a única empresa no mundo que vive a situação oposta, não tem sondas e tem um contrato de longo prazo com a Petrobrás”, argumenta um executivo que defende a proposta.

Os sócios avaliam que, com a grande oferta de plataformas no mercado internacional, a Sete Brasil conseguiria arrendá-las a um bom preço, com ganhos que poderiam ser divididos com a Petrobras. “Essa solução não mudaria o programa de conteúdo nacional, não atrasaria o projeto e reduziria custos”, defende o executivo. Há quem questione, entretanto, se a solução provisória não poderia acabar se tornando definitiva.

No total, a Sete Brasil tem uma frota de 29 sondas encomendadas. Treze delas serão construídas por estaleiros de controle estrangeiro, o Brasfels (seis) e o Jurong Aracruz (sete) e não preocupam a companhia porque estão adiantadas. O problema dos atrasos se concentram nos estaleiros controlados por empreiteiras brasileiras, que não estão prontos e, pior, tiveram suas controladoras envolvidas também na Lava-Jato. O Estaleiro Enseada, responsável por seis sondas, tem entre seus sócios a Odebrecht, a OAS e a UTC, enquanto o Atlântico Sul, com sete sondas a entregar, é controlado por Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. No caso desses dois, a Sete Brasil considera que a situação é contornável.

O maior problema é o estaleiro Rio Grande (ERG2), com três sondas, do grupo Engevix. A avaliação é que, nesse caso, é praticamente impossível recuperar o atraso e o ideal seria substituir o estaleiro por outro fornecedor.

A dificuldade financeira vivida por estaleiros que têm contratos com a Sete Brasil, além dos efeitos diretos da Operação Lava-Jato no caixa de empresas investigadas, levaram os acionistas da Enseada Indústria Naval (Odebrecht, OAS, UTC e Kawasaki) a estudar um rearranjo societário para o estaleiro.

Diferentes ideias são discutidas. Como resultado da negociação, um novo sócio pode ser chamado para fazer um aporte na empresa e dois acionistas — OAS e UTC — podem ser diluídos ou até mesmo sair do projeto. Mas o avanço nas negociações depende de um empréstimo a ser liberado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à Sete Brasil, o principal cliente da Enseada.

O estaleiro da Enseada, que está sendo construído em Maragojipe (na Bahia), sofreu mudanças no cronograma. O empreendimento tinha previsão original de ser terminado no começo de 2015. No entanto, a própria companhia informa que ele tem atualmente apenas 82% das obras finalizadas. Para a construção, a empresa já assinou no passado contrato para receber R$ 1 bilhão do Fundo de Marinha Mercante (FMM).

Apesar de o estaleiro não estar terminado, foram demitidos mil funcionários das obras entre dezembro e janeiro. Segundo a Enseada, a medida serviu justamente para “readequar” o ajuste do efetivo após o replanejamento da obra. “Apesar de reconhecer o período de dificuldade enfrentando pela indústria naval brasileira, a empresa segue com sua operação industrial na Bahia para fabricação das seis sondas de perfuração para exploração do pré-sal”, informou a Enseada ao ser questionada sobre as demissões.

No passado, a empresa também tinha intenção de conquistar novos contratos.

A Enseada encontra dificuldades, principalmente porque não recebe da Sete Brasil. O estaleiro, onde foram feitas as demissão, é justamente aquele onde serão produzidas as encomendas de US$ 4,8 bilhões feitas pela companhia. São seis navios-sonda para o pré-sal. Um dos navios, batizado de Ondina, está em construção e tinha previsão (até há poucos meses) de ser entregue em 2016. O último, chamado de Comandatuba, era previsto para 2020. Quatro destes navios serão operados pela Odebrecht Óleo e Gás. Os outros dois seriam operados pela Etesco /OAS.

Por conta das investigações da Operação Lava-Jato, o BNDES tem segurado repasses de financiamento à Sete Brasil (cujos acionistas são Petros, Previ, Funcef, Valia, Santander, Bradesco, BTG Pactual, Petrobras, EIG Global Energy Partners, Lakeshore, Luce Venture Capital e o fundo FI-FGTS).

O BNDES aprovou, em janeiro do ano de 2014, financiamento de R$ 8,8 bilhões para a Sete Brasil. A contratação da operação – passo seguinte no trâmite do BNDES, e anterior às liberações – foi autorizada recentemente em reunião de diretoria. A assinatura da contratação em si, no entanto, ainda não ocorreu. Fontes não confirmam o valor que deve ser contratado. Mesmo que o banco já tenha aprovado a quantia de R$ 8,8 bilhões, ele pode fazer diferentes contratos para liberar o total de recursos.

A Sete Brasil informou que tem atualmente 17 sondas em produção nos estaleiros. Uma delas, a Urca, já ultrapassou 85% do status de construção. “Duas delas estão previstas para ser entregues este ano, e as demais a partir de 2016, conforme o cronograma original”, informou a empresa por meio da assessoria de imprensa.

“Em relação ao processo de financiamento, o BNDES aprovou em dezembro de 2013 uma linha de crédito de longo prazo, atualmente destinada a financiar às oito primeiras sondas do portfólio, no valor de US$ 3,1 bilhões. Esse processo está em fase de elaboração das minutas contratuais, etapa complexa e que requer um tempo maior para sua conclusão, e encontra-se em vias de ser liberado”, continua a nota da companhia.

“A Sete Brasil segue atuando também para a obtenção de linhas de financiamento de curto prazo, de modo a suprir as demandas financeiras que exigem desembolsos imediatos”, destacou a empresa na nota.

O empréstimo, no valor de R$ 8,8 bilhões, foi aprovado em janeiro do ano de 2014, mas até agora não foi contratado. Fontes afirmam que o BNDES não deve transferir todo o valor aprovado de uma vez só. Mas não revelam, entretanto, qual seria a quantia a ser liberada agora, talvez US$ 3 bilhões.

A diretoria do banco aprovou a contratação do empréstimo em meados de janeiro deste ano (2015), mas não foi assinada porque foram exigidos outros documentos da empresa. Em função da situação delicada da Sete Brasil, que já não consegue mais honrar compromissos com fornecedores, o empréstimo deve sair.

A discussão gira em torno de o que seria pior: a interrupção da operação ou a continuação desta, com outras consequências futuras. Parece que, por enquanto, o direcionamento é dar continuidade à operação.

Outro cliente da Enseada é a Petrobras, que contratou a conversão dos cascos de quatro navios petroleiros para uso da estatal no pré-sal da Bacia de Santos — um investimento de US$ 1,7 bilhão. Nesse caso, no entanto, os relatos são que os pagamentos seguem o fluxo programado e os trabalhos continuam sem maiores dificuldades.

Além da situação da Sete Brasil, os sócios da Enseada são encorajados a pensar em uma solução por causa do caixa das acionistas, que estão sendo investigadas. A OAS está alavancada e já deixou de pagar credores. Relatório recente da Fitch Ratings mostra que a empresa tinha R$ 2,4 bilhões em caixa na metade de 2014, e precisaria usar mais do que a metade disso (R$ 1,5 bilhão) para pagar dívidas de curto prazo. Além das obrigações financeiras, as companhias também precisam manter suas operações em andamento – o que reduz o fôlego. No caso da OAS, recuperação judicial e venda de ativos são medidas em análise.

Além desse, há o caso da Jurong: especificamente, a Sete Brasil disse que também continua buscando novas linhas de financiamento de curto prazo. O objetivo é suprir as demandas financeiras que exigem desembolsos imediatos, informou a empresa por meio de nota. O programa de construção de 29 sondas implica em um investimento a ordem de US$ 25 bilhões.

“O plano de financiamento do negócio prevê, além de injeção de capital dos acionistas, a obtenção destas linhas de crédito”, afirmou a companhia. “A Sete Brasil está o tempo todo em negociação com os estaleiros.”

Em dezembro de 2011, a Jurong, empresa naval de Singapura, deu início às obras de seu primeiro estaleiro na América do Sul. O local escolhido foi Aracruz, a uma hora de Vitória. Trata-se de um projeto orçado em US$ 1 bilhão, dos quais US$ 700 milhões aproximadamente já foram investidos.

A Jurong – que faz parte do grupo Sembcorp Marine, empresa de capital aberto que tem como controlador indireto o governo de Singapura – tem dois contratos no Brasil:

  • um para a construção de duas plataformas flutuantes para a Petrobras, para operarem no campo de Tupi, e
  • outro, muito maior, com a Sete Brasil, para a construção de sete navios-sonda.

Os dois contratos somam US$ 6,3 bilhões.

Os navios-sonda fazem parte de um lote de 29 navios encomendados pela Sete Brasil e serão usados pela Petrobras nos trabalhos de perfuração na camada do pré-sal. Dos 29, o primeiro, com conteúdo nacional, a ser entregue deve ser o Arpoador, da Jurong. A previsão é início do segundo semestre de 2015.

Mas as coisas começaram a sair dos planos da multinacional no fim do ano passado. O casco do navio, montado em Singapura – com partes feitas no Brasil – está desde novembro em águas brasileiras, mas a Marinha ainda não o liberou para ser levado a Aracruz onde a montagem será finalizada.

Sobre a demora para a liberação do casco do navio da Jurong para que este atraque em Aracruz, no Espírito Santo, a Marinha afirmou que o estaleiro “está instalado em uma área onde não há profundidade suficiente para a passagem de navios”. E que para que navios passem sem o risco de encalhes ou derramamento de óleo, são exigidas a dragagem da área da área, a medição da profundidade e a homologação desta medição e o balizamento do trajeto dos navios. A Jurong afirma que a profundidade já é mais do que suficiente para a passagem no navio.

“A Marinha continua a empreender todos os esforços para que, em curto prazo, a embarcação possa chegar ao seu destino.”

Nesse cenário contaminado pelas investigações, que afetam a Petrobras, a Sete Brasil deixou de pagar à Jurong. Martin Cheah, de 49 anos, presidente do Estaleiro Jurong de Aracruz e presidente da empresa para a América do Sul, admite que pode recorrer à Justiça para receber a dívida, demitir funcionários e reduzir o ritmo das obras. Diz ainda que, por conta da Lava-Jato, a matriz do grupo tem dificuldades para captar recursos adicionais para o empreendimento e que o sucesso da Jurong no país depende da Petrobras.

Cheah, que é de Singapura e está no país desde os anos 90, recebeu o Valor (05/02/15) no estaleiro. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual é o reflexo para a Jurong do não pagamento da Sete Brasil?

Martin Cheah: O fato de a Sete não pagar há 60 dias é um problema sério. É uma coisa preocupante. Nosso contrato com a Sete Brasil é de nove anos. São sete navios. Se a Sete conseguir um empréstimo-ponte, eu espero que daqui a 30 dias eles nos paguem. Mas não tenho certeza.

Valor: Quando vocês assinaram os contratos, o negócio parecia ter esses riscos?

Cheah: Se você me perguntasse dois anos atrás, quando nós assinamos esse contrato, eu diria que era bom [levantando os dois polegares], que o contrato era seguro, porque tinha a Petrobras, tinha vários bancos, que esse contrato é superconfiável, que podemos fazer um investimento pesado. O que dava segurança para a gente, na época, era a Petrobras ter assinado termo de longo prazo de afretamento [dos navios-sonda encomendados pela Sete]. Mas, hoje, não sei. Se o preço do petróleo continuar caindo, se a Lava-Jato continuar afetando a confiança, a Sete vai conseguir financiamento por mais sete ou oito anos para essas sondas? Qualquer um se pergunta isso. E o preço do petróleo é preocupante porque dessa vez a queda não é só por causa da demanda. Lógico, a demanda da China e da Europa caiu, e afetou o preço, mas tem outro ponto, a redução dos custos do “shale gas” dos EUA. Então, tem esses dois ataques.

Valor: Qual é o valor do atraso do pagamento da Sete Brasil?

Cheah: São cerca de US$ 70 milhões. Mas a Sete é esperta. Algumas obras eles não vieram medir ainda. Então eles ainda não reconhecem. As obras que eles reconhecem são US$ 70 milhões. [uma estimativa da Jurong aponta que ao todo, considerando as obras prontas mas ainda não medidas, seriam já R$ 200 milhões a receber].

Valor: Como a matriz, em Singapura, está reagindo?

Cheah: Eles estão muito preocupados. Estão perguntado qual é o cenário aqui no Brasil, se a Sete vai conseguir financiamento. É difícil, eu acredito, que os bancos internacionais emprestem dinheiro. Por várias razões. Tem a queda do petróleo e o rating do Brasil está caindo muito. Não há muita confiança.

Valor: O contrato dá direito de a empresa recorrer à Justiça depois de quanto tempo?

Cheah: Passados os 60 dias, entramos com pedido de suspensão do contrato. Ou seja, parar de trabalhar. Demos um prazo para negociar, um prazo de 30 dias. Mas, depois de 60 dias, temos o direito contratual de parar de trabalhar.

Valor: Já pararam?
Cheah: Mandamos uma carta informando que estamos parando alguma coisa. Valor: Depois disso, qual pode ser o próximo passo da Jurong?

Cheah: Entrar na Justiça e pedir o dinheiro que eles estão devendo. Ninguém mais pode ficar esperando. Vamos esperar até quando? Temos despesas todos os dias. Temos fornecedores para pagar. Compramos vários equipamentos. Cada navio custa US$ 300 milhões, US$ 400 milhões. Não pagamos tudo de uma vez, a matéria- prima, os trabalhos de montagem. Cada etapa que eles [fornecedores] vão cumprindo, nós temos de pagar. Mas como fazer isso se não estamos recebendo.

Valor: A matriz tem enviado mais recursos para compensar o atraso da Sete Brasil?

Cheah: Sim, claro.

Valor: E quanto fôlego mais a empresa tem?

Cheah: Está quase acabando, não tem mais muito fôlego.

Valor: Qual é a alternativa para a Jurong?

Cheah: Podemos parar um pouco. Suspender a obra. Vamos tomar o pior cenário: a Sete não respeita o contrato. Temos de fazer uma suspensão em obras não essenciais. Eu não tenho esse quadro ainda, mas alguma coisa vamos ter de parar.

Valor: Demissões?
Cheah: Com certeza teremos de demitir.

Valor: Sobre a Lava­Jato, que impactos o senhor vê que ainda podem surgir sobre a Petrobras e sobre o setor de petróleo e gás?

Cheah: Não quero comentar sobre a Lava-Jato. É um tema sensível. Mas se tudo for verdade, acho que no longo prazo é bom para o país e para a Petrobras, para que a empresa tenha mais governança. Para que as pessoas façam as coisas direito. No longo prazo é muito bom, só que eu tenho preocupações no curto prazo. Deve atrapalhar nossa obra, já contratada, e afetar outros possíveis contratos.

Valor: A Jurong mudou sua previsão de faturamento por conta da situação criada com a Lava­Jato?

Cheah: Ainda não mudamos. Porque essa situação é recente. Vamos ver como ficam as coisas até fim de março, que é quando vamos definir uma nova projeção trimestral e ver se o nosso plano de negócios ainda é viável.

Valor: O Brasil até agora se revelou um bom ou um mau negócio para a Jurong?
Cheah: Este ano é que vamos saber porque é quando vamos começar a trabalhar. Mas este começo não está sendo dos melhores, por causa do atraso desses dois meses.

Valor: Como tem sido fazer negócios diante dos desdobramentos da Lava­Jato?

Cheah: Estamos muito preocupados. Sobre a Lava-Jato, todo dia tenho de responder e-mails para o nosso “board” em Singapura. Somos empresa de capital aberto e por isso sempre temos de ter um bom entendimento com os investidores. Temos vários acionistas, incluindo bancos e fundos de investimento. Então, esses bancos têm enviado e-mails perguntando como está a situação, qual a minha ideia, o que eu vou fazer, qual é o plano B, plano C. Todos estão preocupados. A gente sempre tem conversas com investidores. A gente está sob lupa.

Valor: O que mais preocupa é a descoberta de um esquema de corrupção?

Cheah: Essa é uma questão criminal. Se tem uma pessoa que deu dinheiro para alguém, ela deve ser presa. Mas a questão é a sobrevivência da empresa [Petrobras]. Isso é que é mais sério. E como a questão está afetando nosso investimento aqui, que é de US$ 1 bilhão? Como vamos devolver dinheiro aos acionistas? São questões muito mais sérias.

Valor: Desses US$ 1 bilhão, quanto já foi investido efetivamente?

Cheah: US$ 700 milhões.

Valor: A empresa está buscando recursos em bancos internacionais?

Cheah: Nossa matriz está negociando esses recursos.

Valor: A situação da Petrobras dificulta essas conversas com bancos sobre novas captações?

Cheah: Dificulta sim. Afeta seriamente. É uma questão simples. Como a empresa vai devolver dinheiro? Qualquer empresa que seja? Porque há um projeto, há um contrato com um cliente. No nosso caso, nosso cliente, no fim do dia, é a Petrobras. A Petrobras está perdendo grau de investimento. Ela não consegue publicar balanço. O preço do petróleo está caindo e a empresa tem ainda problemas de governança. O rating do Brasil também está caindo. Esse projeto da Jurong está ligada diretamente com o futuro da Petrobras. Há dois anos, um banco tinha 90% de certeza de que não haveria problemas em emprestar R$ 100 milhões. Hoje, dá para ter essa confiança? Não. Então, já está afetando a nossa empresa. Os bancos estão segurando.

Valor: Qual é o seu plano B?

Cheah: Nosso plano B é a matriz entrar com dinheiro. Claro há um limite. O limite é se os pagamentos não são feitos, ai o cenário fica muito ruim. Fazer o quê? Não tem segredo: demitir, parar, pensar o que fazer. A gente precisa que a economia fique forte, que nosso cliente fique forte.

Leia mais: Futuro da Indústria do Petróleo e da Construção Naval e Offshore no Brasil

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