Marcação de títulos na curva retoma autonomia de entidades e exige aplicação respon sável

A Resolução CNPC nº 61/2024 foi uma das grandes conquistas do setor de previdência complementar o ano passado, ao autorizar o registro de títulos públicos federais na categoria “títulos mantidos até o vencimento”, ou seja, marcados na curva, para planos de Contribuição Definida (CD) e Contribuição Variável (CV) das EFPC.

Até então, a norma permitia a marcação na curva dos títulos públicos apenas para os planos de Benefício Definido (BD). A mudança, contudo, exige aplicação prática e responsável da norma, dando maior autonomia às EFPCs desde que aliada à governança robusta, documentação técnica e foco no longo prazo.

Para tratar do tema, a Abrapp realizou, na última terça-feira, 10 de junho, um webinar com especialistas. Além de mostrar as aplicações das normas, o debate foi unânime em reforçar a importância das entidades em educar seus participantes, especialmente nos planos CD, para o entendimento da marcação de títulos, da aderência ao ALM e da transparência nas decisões.

Ao lado de outras conquistas como a inscrição automática, o PGA e a Reforma Tributária, a medida é resultado de um diálogo técnico, reforçando a “crescente maturidade do sistema de previdência complementar fechado no país”, conforme expôs o Diretor-Presidente da Abrapp, Devanir Silva, na abertura do webinar.

Ele enfatizou que a possibilidade de marcação na curva não é inédita, mas sua reintrodução reflete “confiança das autoridades regulatórias, na governança, na qualidade dos controles e na capacidade de autorregulação das entidades fechadas”.

Um ponto central da nova resolução é a flexibilidade: cada entidade poderá decidir se e quando utilizar a marcação na curva, de acordo com seu perfil, estratégia e estrutura. “Essa liberdade é importante, pois reconhece as diferenças entre os planos, respeitando a autonomia das entidades e a diversidade do nosso sistema”, afirmou.

A aplicação prática da norma retoma a importância da gestão de ativos orientada pelo passivo a partir de análises da relação entre os investimentos dos planos e seus compromissos, que são os pagamentos de benefícios.

Fabrício Krapf, Diretor de Serviços Atuariais e Sócio-líder das Práticas de Aposentadoria e Consultoria Financeira da Mirador, explica que não se trata de ser contra ou a favor da marcação a mercado ou na curva, mas sim sobre o espaço para a reflexão de longo prazo que a resolução cria, já que passivo previdenciário não é só a obrigação legal, mas também a expectativa de renda do participante.

Por isso, ele defende que o foco das entidades deve estar na capacidade de pagar benefícios no longo prazo, e não na valorização momentânea de ativos, sendo que a marcação a mercado pode distorcer o comportamento do investidor, levando a decisões precipitadas. “Investidores que acompanham frequentemente seus investimentos tendem a tomar decisões mais conservadoras”, disse durante o webinar.

Nesse caso, a educação financeira e previdenciária entra mais uma vez como ferramenta essencial para explicar aos participantes a volatilidade dos investimentos. “Muitas vezes o participante não consegue ter essa percepção de uma possível perda no curto prazo que pode ser compensada por rentabilidades que vão gerar uma renda maior para ele no futuro”, reforçou Krapf.

Considerada pelo especialista como um marco regulatório que estimula a maturidade técnica do setor, a resolução permite que a gestão de planos CD evolua para além do acompanhamento de saldos.

Por isso, Krapf enfatiza a necessidade de olhar para esses planos com lentes de passivo, considerando como os participantes esperam utilizar os recursos e quais estratégias de investimento maximizam renda futura com segurança adequada. Para ele, o desafio agora é operacionalizar essa mudança de mentalidade, superando resistências comportamentais e estruturais.

Processo decisório – Além do foco no participante, as entidades devem estar atentas ao processo decisório para justificar a marcação na curva, sendo este bem embasado e não apenas construído em preferências subjetivas.

Guilherme Benites, sócio e Diretor Técnico da Aditus Consultoria Financeira, defende o uso de ferramentas de ALM para garantir que os fluxos de ativos estejam casados com os passivos dos planos e sugeriu que o comitê de investimentos das EFPC se manifeste formalmente, com apoio técnico da área atuarial e de estudos.

O consultor lembra que a norma é facultativa, ou seja, algumas entidades podem optar por não utilizá-la quando o benefício potencial é pequeno em relação ao esforço de implementação. Essa percepção se faz com base em estudos, conforme explicou durante o webinar, considerando as especificidades de cada plano e a natureza de seus participantes.

Para ele, a atuação conjunta entre atuários e a área de investimentos é essencial para a correta interpretação dos estudos e sua tradução em estratégias efetivas. “O estudo atuarial vai ajudar a determinar qual é o valor máximo da estratégia, que, via de regra, é o valor que determinada marcação poderia ser implementada”, explicou.

Benites ressalta que a dinâmica de cada plano, como idade, maturidade, rotatividade, e recebimento de contribuições, afeta diretamente a estratégia de investimento. Por exemplo, planos novos, que recebem mais do que pagam, podem investir mais na curva, mas essa parcela tende a se diluir com o tempo.

Já planos com alta rotatividade devem tomar cuidado com a liquidez, pois podem sofrer saídas repentinas. Além disso, planos com perfis (conservador, moderado, agressivo) permitem que participantes migrem entre eles, o que pode comprometer a estabilidade da carteira de ativos marcados na curva.

O consultor ressalta que a prática comum tem sido aplicar o mesmo percentual de papéis na curva em todos os perfis, para evitar distorções ou movimentações forçadas nos ativos. “Esses estudos devem entrar no radar das entidades, como o ALM entrou, periodicamente de acordo com a particularidade de cada entidade”, pontuou.

Requisitos para marcação de títulos na curva – O novo normativo busca alinhar as práticas contábeis brasileiras aos padrões internacionais, preservar a autonomia da governança das EFPCs e responder a evidências do encurtamento das carteiras dos planos CD. Mas vem também acompanhado de requisitos que devem ser seguidos para garantir que a decisão seja baseada em critérios técnicos.

O Coordenador-Geral de Normas de Investimento, Claudemiro Correia Quintal Junior, destaca que após a vedação da marcação na curva para planos CD, observou-se um encurtamento das carteiras, com aumento das operações compromissadas e perda de oportunidades de alongamento dos investimentos.

Isso acabou por induzir decisões de investimento que não necessariamente refletiam a estratégia de longo prazo dos planos, comprometendo até a realização de estudos de ALM. “A marcação ao mercado trouxe uma volatilidade artificial aos resultados, incompatível com a natureza previdenciária dos planos, especialmente dos CDs”, disse durante o webinar.

Em seguida, ele apresentou os critérios para marcação de títulos na curva, de acordo com a Resolução CNPC nº 61/2024:

  • O título deve ter prazo superior a cinco anos;
  • A EFPC deve comprovar capacidade financeira e intenção de manter o título até o vencimento;
  • A decisão precisa passar por todas as instâncias de governança da entidade;
  • A norma prevê a reclassificação de títulos adquiridos até 31/12/2024, que pode ser feita até 31/12/2026, desde que respeitados os critérios técnicos.

Ele destaca que a Previc espera registros formais, como notas explicativas, atas, estudos de ALM e pareceres técnicos, para que as alterações sejam feitas, reforçando que a mudança busca restabelecer o caráter previdenciário de longo prazo dos investimentos, ao mesmo tempo em que introduz critérios técnicos e de governança sólidos para garantir segurança e alinhamento regulatório.

https://blog.abrapp.org.br/blog/marcacao-de-titulos-na-curva-retoma-autonomia-de-entidades-e-exige-aplicacao-responsavel/


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