Cria do lavajatismo, Operação Greenfield segue se arrastando na Justiça

A parcialidade, a ambição político-financeira e as veleidades do ex-juiz Sergio Moro e da força-tarefa do Ministério Público de Curitiba estão expostas em praça pública, apesar de as viúvas do lavajatismo se negarem a admitir. Uma a uma, as condenações da Lava Jato baseadas em delações colhidas sob coação, convicções de PowerPoint e teses mal-ajambradas têm caído por terra nos tribunais superiores. Moro e o procurador Deltan Dallagnol passaram de “heróis” nacionais a párias, execrados no mundo jurídico e desprezados pela classe política, que, no auge do delírio de poder, pretendiam submeter a sua vontade. A operação morreu afogada na poça das próprias ilegalidades, mas espalhou “filhotes” ainda não devidamente enquadrados às normas do Estado de Direito.

A mais “rebelde” das crias da Lava Jato é a Operação Greenfield, lançada em 2016 pelo Ministério Público do Distrito Federal para investigar supostas irregularidades na gestão dos fundos de pensão das estatais. Ao fim de oito anos, a investigação redundou em frágeis peças de acusação produzidas pela equipe coordenada pelo procurador Anselmo Henrique Lopes e em nenhuma condenação. As denúncias aceitas nem sequer tiveram julgamento e medidas cautelares permanecem em aberto. Para os investigados, trata-se, no entanto, de um pesadelo. A maioria é mantida no limbo da suspeição, com bens bloqueados, passaportes retidos e limitações ao pleno exercício dos direitos civis. O ímpeto inicial da Greenfield, anabolizada pela histeria coletiva provocada pelo processo-mãe em Curitiba, levou à citação de 110 ­indivíduos e empresas, além de 40 conduções coercitivas e sete prisões temporárias.

Realizada na esteira da CPI dos Fundos de Pensão instalada um ano antes pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em uma estratégia para subjugar o governo de Dilma Rousseff, a Greenfield desdobrou-se em dez processos que miravam, nas palavras da acusação, “os diretores ligados ao PT” nos quatro maiores fundos de pensão do País: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios). Em 2019, um grupo de 26 dirigentes das fundações foi denunciado por gestão fraudulenta e aportes temerários em investimentos, o que teria resultado em um “rombo”, jamais especificado nos autos, de 8 bilhões de reais. Entre os inicialmente citados, nomes próximos ao Partido dos Trabalhadores como Guilherme Lacerda, da Funcef, Wagner Pinheiro, da Petros, e Sérgio Rosa, da Previ. Esse último acabaria excluído da lista de réus.

Prejuízo. A Previ, maior fundo de pensão do País, esteve na mira. A Sete Brasil acabou sufocada pela fúria persecutória – Imagem: Redes sociais

Um dos denunciados, Luiz Philippe Torelly, ex-dirigente da Funcef, define como incomensurável o prejuízo causado pela operação. “A perda financeira pessoal é possível contabilizar, mas o dano moral, a perda da credibilidade após os 60 anos e décadas de vida pública, isso não tem como reverter.” O arquiteto lamenta a maneira como teve a vida exposta ao longo do processo: “Além das matérias jornalísticas que associaram meu nome à má gestão, tive os sigilos bancário e telefônico quebrados. Embora soubessem que eu não guardava nada, promoveram duas batidas policiais na minha casa, com truculência e na frente dos meus filhos”.

Os réus da Greenfield permanecem esquecidos, acredita Torelly, pelo fato de a operação, ao contrário da Lava Jato, não ter “a figura do Lula nem uma Vaza Jato”, episódio do vazamento das conversas no aplicativo Telegram entre Moro e os integrantes da força-tarefa. “Havia uma plêiade de gente muito importante no alvo da Lava Jato. Os indiciados na Greenfield, em sua maioria, eram funcionários da Petrobras e da Caixa, sem projeção pública nacional.”

Nesses oito anos, o depoimento do ex-diretor da Funcef só foi tomado uma vez e de modo suspeito. “Fui recebido pelo procurador Anselmo e por uma ­delegada da Polícia Federal. Manifestei minha intenção de prestar depoimento para me declarar inocente das acusações, mas o procurador me perguntou se eu estava lá para fazer uma delação. Respondi que não, pois não havia cometido nenhum ilícito, mas o procurador retrucou que, se eu não fizesse um acordo de delação, ele também não colheria meu depoimento.”

Especialista em Direito Político e Econômico e advogada de dez ex-dirigentes da Petros e da Funcef citados na Greenfield, Renata Mollo diz restar claro no processo que nunca houve qualquer irregularidade na gestão dos investimentos investigados. “Alguns não performaram da forma como esperado em razão de mudanças nos cenários micro e macroeconômico nacional e internacional. Outros tantos nem sequer causaram prejuízos aos fundos de pensão, foram honrados nos exatos termos contratados.” Apesar das evidências, a tese do “rombo bilionário”, alimentada por parte da mídia, ganhou corpo e alma nos próprios fundos de pensão nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Um dos réus, que prefere não revelar o nome, conta que o clima de perseguição política criou um “apagão da caneta”, com técnicos temerosos de “assumir a paternidade de investimentos que pudessem vir a ser considerados criminosos”, o que resultou em perdas de boas oportunidades para os fundos.

Renata Mollo, advogada de vários acusados, vê indícios de lawfare

Segundo essa mesma fonte, durante o período bolsonarista, o ambiente de perseguição foi estimulado “de cima”, por intermédio da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão responsável pela supervisão dos fundos de pensão. Mollo relata que em determinado momento a Greenfield passou a ser fomentada pelos próprios fundos, que adotaram um modelo de sindicâncias internas com o intuito de alimentar as peças de acusação do Ministério Público. Ao mesmo tempo, diz a advogada, dirigentes bolsonaristas alteraram os estatutos das fundações, de forma a cercear as defesas dos ex-dirigentes. “Há documentos que comprovam que o ingresso de um determinado fundo de pensão na condição de assistente técnico de acusação estava condicionado pelos representantes do MPF à interrupção do custeio das defesas dos ex-dirigentes. É evidente a comunhão de esforços dos fundos de pensão, da Previc e do MPF com vistas à aniquilação do direito de defesa dessas pessoas, o que, para nós, configura prática de lawfare.”

Por conta da participação direta dos trabalhadores na gestão de carteiras de investimento bilionárias, os quatro maiores fundos de pensão brasileiros sempre provocaram os instintos mais primitivos na turma da Faria Lima. Ex-deputado federal e ministro nos governos de Lula e Dilma, Ricardo Berzoini afirma que não deveria ser assim, pois a previdência complementar fechada é de suma importância nas sociedades modernas. “Os países desenvolvidos, e mesmo aqueles de renda média, constituíram no pós-Guerra relevantes poupanças previdenciárias geridas por representações paritárias entre os trabalhadores e os empregadores. Os recursos dos fundos de pensão são fontes importantes para sustentar investimentos produtivos, especialmente aqueles de infraestrutura, que têm fluxo de caixa estável e de longo prazo.” No Brasil, o setor responde por, aproximadamente, 12% do PIB, “mas esse porcentual já foi maior, superior a 16%. O montante atual, de cerca de 1,2 trilhão de reais, está predominantemente alocado em renda fixa e em títulos do Tesouro Nacional. Em outras economias há uma mescla maior de alocação”.

Da mesma forma que a Lava Jato levou à lona as empreiteiras e inibiu os projetos da Petrobras, as consequências da ­Greenfield refletem-se até hoje nas fundações. Alguns problemas persistentes, diz Berzoini, também contribuem. “A taxa de juros elevada limita a disposição de aplicação em renda variável e em projetos de infraestrutura. Além disso, a criminalização sistemática da atuação dos fundos, especialmente daqueles ligados a empresas estatais, criou barreiras para que os atuais gestores invistam em projetos econômicos de alta relevância para o Brasil”.

A criminalização, diz o ex-deputado, é a principal barreira à destinação de parte dos recursos administrados pelos quatro maiores fundos em projetos rentáveis e relevantes para o desenvolvimento nacional. “Esta situação ainda não gera problemas no pagamento das aposentadorias por causa dos juros elevados que temos. Mas os fundos terão, obrigatoriamente, de buscar alternativas para preservar seus patrimônios e alocar partes de seus recursos financeiros para projetos mais rentáveis do que a taxa básica de juros.”

Pelourinho. Rosa, Lacerda e Torelly foram expostos em praça pública – Imagem: Redes sociais e Valter Campanato/Agência Brasil

Greenfield é o termo em inglês utilizado pelo mercado para designar investimentos em projetos ou empresas nascentes. Entre os investimentos realizados pelos fundos de pensão e classificados como temerários pelo Ministério Público estão as participações na usina de Belo Monte, em parceria com a Eletronorte, na Cevix, ao lado da Engevix para a construção ou aquisição de pequenas centrais hidrelétricas, na Invepar, parceria com a OAS em obras no metrô do Rio de Janeiro e no Aeroporto de Guarulhos, e a Sete Brasil, criada no primeiro governo Lula para construir sondas e embarcações.

Para Mollo, após oito anos, é natural a ansiedade dos envolvidos para que tudo se conclua o mais brevemente. “Contudo, compreendemos as dificuldades enfrentadas pelo magistrado e pelos servidores vinculados à condução desses processos. Quando da deflagração da ­Greenfield, uma das estratégias adotadas pelo Ministério Público, com a anuência do juiz Vallisney de Souza Oliveira, foi o desmembramento da operação em dezenas de processos, ainda que os fatos discutidos fossem idênticos. Isso gerou uma situação anômala, pois cada processo caminhou em um ritmo diferente. Há casos em que, até o início de outubro, ainda nem haviam sido citados os réus.”

A advogada diz perceber, nos últimos dois anos, uma movimentação maior nos processos, especialmente naqueles em que ainda não havia sido iniciada a fase de instrução. “Dois casos foram sentenciados mediante a concessão de ­habeas corpus de ofício, antes mesmo do encerramento da instrução, ante a flagrante fragilidade das teses de acusação. E há outros em que houve a concessão de ­habeas corpus pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nesse cenário, estamos confiantes na conclusão dos processos de forma favorável aos nossos clientes em um período razoável.” •

Publicado na edição n° 1333 de CartaCapital, em 23 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘No limbo’

https://www.cartacapital.com.br/politica/no-limbo/