Conselho Institucional do MPF anula em definitivo desconto de R$ 6,8 bilhões à J&F

O colegiado já tinha suspendido o desconto em setembro do ano passado, em caráter liminar. Agora, decidiu anulá-lo de vez ao julgar o mérito da questão.

De acordo com a decisão, cabe ao procurador original do caso, Carlos Henrique Martins Lima, conduzir toda e qualquer negociação – e não à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

O desconto de 65,7% concedido por Albo na multa – que sairia de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,5 bilhões – provocou uma crise no Ministério Público no fim da gestão de Augusto Aras. O caso foi revelado pela equipe da coluna.

“Não é redundante lembrar que a autoridade signatária do acordo de leniência é o seu promotor natural, o procurador da República de instância instância”, frisou o relator do caso, o subprocurador Paulo Vasconcelos Jacobina.

A subprocuradora Maria Iraneide Facchini considerou o desconto bilionário “um episódio lamentável”. “Esperemos que não se repita na casa”, afirmou a conselheira.

O acordo de leniência da J&F foi fechado em 2017 no âmbito da Operação Greenfield, que investigou fraudes em investimentos capitaneados por fundos de pensão de estatais.

Conforme os termos acertados pelo grupo com o MPF na época, o compromisso original era dividir o valor de R$ 10,3 bilhões em quatro partes de R$ 1,75 bilhão e distribuir o dinheiro entre BNDES, União, Funcef e à Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social), mais duas cotas de R$ 500 milhões, uma para a Caixa Econômica Federal e outra para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).

Com o desconto de Ronaldo Albo, o valor cairia de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,5 bilhões, e somente a União receberia o dinheiro, deixando BNDES, Funcef, Petros e Caixa sem mais nenhum centavo.

Na reclamação julgada pelo Conselho Institucional do MPF, o procurador Carlos Henrique Martins Lima, responsável pelo caso na primeira instância, argumentou que o desconto bilionário, concedido de forma unilateral por Ronaldo Albo, não só foi decidido com “manifesta ilegalidade”, como “poderá ocasionar prejuízos irreversíveis” ao cumprimento do acordo de leniência.

Martins Lima já tinha negado a revisão no valor da multa, pedida pela J&F, em abril de 2022. Mesmo assim, a empresa recorreu à 5ª Câmara, e em junho do ano passado o então presidente Ronaldo Albo “tratorou” o voto de dois colegas contrários à revisão e impôs a sua vontade, atendendo aos interesses do grupo.

Em setembro do ano passado, após a crise provocada pela decisão de Albo, o conselho suspendeu o desconto em caráter liminar.

Ainda assim, no mês passado, o juiz Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, provocou uma nova reviravolta no caso ao decidir “ressuscitar” o desconto também em caráter liminar – e sem considerar a decisão do colegiado do MPF.

A decisão atendeu a um pedido que o time de advogados da J&F, capitaneado pelo diretor jurídico Francisco de Assis e Silva, apresentou durante uma audiência de cinco horas no último dia 22 de agosto, na própria 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.

Agora, com a decisão de mérito do Conselho Institucional do MPF, Funcef e Petros pretendem enviar a certidão do julgamento para a 10ª Vara Federal do DF, para convencer o juiz a voltar atrás na decisão.

“A revisitação desse acordo enseja nova negociação e um novo consenso. Aqui, houve uma repactuação, que não poderia ter acontecido sem a anuência do procurador natural do caso e daqueles que são beneficiados”, disse na sessão o gerente executivo jurídico da Petros, Alexandre Barenco.

“Os beneficiários desse acordo ostentam a condição de vítimas de um possível crime que só não está sendo apurado porque houve um acordo permitido por lei – o que é legítimo. Pagou-se para não ser processado. Mas se não está pagando, alguma consequência deve ter.”

Durante a reunião do conselho, o representante da J&F, o advogado Leonardo Bissoli, reconheceu que há um “intenso litígio envolvendo o assunto”, mas observou que a “companhia não tem nenhum interesse em manter esses tipos de ações”.

“(A J&F) entende que o caminho mais rápido é que o quinto aditivo (o desconto de Ronaldo Albo), como foi firmado, seja objeto de uma estabilidade jurídica dentro do próprio MPF”, disse Bissoli, ao defender a rejeição da reclamação.

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