Uso político de fundos de pensão e agências terá maus resultados | Opinião | Valor Econômico

A perda de independência das agências obrigaria os reguladores a seguirem orientações políticas dos governos de turno, e os pilares da regulação – confiabilidade, previsibilidade, estabilidade das regras – seriam destruídos

O governo Lula promoveu reformas vitais para o país, como a tributária, mas, ao mesmo tempo e com frequência, se engaja em retrocessos, ameaçando reeditar políticas fracassadas do passado. Desde que assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003, ele critica as agências reguladoras – órgãos de Estado, não de governos – por sua demasiada independência. Na quarta-feira, emitiu um decreto que levanta os temores de que pode mais uma vez tentar enquadrá-las. O presidente reuniu-se também na quarta com os fundos de pensão estatais para discutir formas para que possam investir seus recursos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O velho PAC deixou milhares de obras inacabadas e um legado de corrupção e prejuízos para as fundações, que tiveram de ser cobertos pelos cotistas. Não há qualquer garantia de que o novo programa será mais virtuoso que o anterior.

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As agências reguladoras são independentes e foram criadas em 1997, quando deslanchou o processo de privatização das estatais, no governo Fernando Henrique Cardoso. Lula quis trazê-las de volta para o seio do Executivo e subordiná-las aos ministérios, mas nunca teve sucesso. Em 2007 tentou aprovar a Lei Geral das Agências Reguladoras, que não prosperou no Congresso. Continua descontente até hoje. Em decreto publicado no Diário Oficial, o governo tenta revisar a regulação geral, com a Estratégia Regula Melhor, no âmbito do Pró-reg, criado em outubro passado. O governo nega com veemência que seu objetivo seja subjugar os entes reguladores.

Como raramente há coincidências na política de Brasília, o presidente Lula, em reunião ministerial no dia 8, disse que as agências foram loteadas por interesses empresariais no governo Bolsonaro e que estão servindo aos desígnios das grandes empresas, não dos usuários. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fez coro na semana seguinte, ao dizer que quem ganhou as eleições tem o direito de formular políticas públicas e que as agências boicotam o poder público porque a maioria de suas diretorias foi escolhida no governo Bolsonaro.

Silveira, cujo documento encaminhado ao governo antes da posse, para averiguação de conflitos de interesses, foi declarado sigiloso por 100 anos, desentendeu-se com a Aneel, agência de energia, e ameaçou-a de intervenção. Foi uma manifestação inócua: o ministro simplesmente não tem poderes legais para isso.

O presidente Lula e alguns ministros querem apensar as agências aos ministérios. A perda de independência obrigaria os reguladores a seguirem orientações frequentemente políticas, não técnicas, dos governos de turno, e os pilares da regulação – confiabilidade, previsibilidade, estabilidade das regras – seriam destruídos. Como é sabido que da qualidade da regulação depende a atração de investimentos, o governo não terá nada a ganhar e muito a perder com isso.

O que está em jogo é o poder político, expresso na quantidade de cargos que poderão ser divididos entre partidos da disforme base governista. O processo de loteamento das agências se iniciou nos governos petistas e continua agora, atendendo ao apetite sempre desperto das legendas do Centrão. Vale mais a influência política, que tende a se refletir na consecução de interesses particulares, do que a preocupação com regras técnicas e regulação justa.

Limitar a independência das agências pode ter consequências muito desastrosas para o país, que teve uma experiência prática sobre o tema. Se a Anvisa, durante a pandemia, não fosse independente e não tivesse assegurado que iria vacinar menores de 12 anos contra a covid-19, apesar das ameaças, desafios e calúnias do então presidente Jair Bolsonaro, que queria impedi-la, possivelmente as mortes seriam em maior número do que as 700 mil registradas.

O presidente Lula se reuniu com Funcef (fundo da Caixa Econômica Federal), Petros (PetrobrasCotação de Petrobras), Previ (Banco do BrasilCotação de Banco do Brasil) e Postalis (Correios), quatro dos maiores fundos de pensão estatais, para que invistam em obras do PAC, por meio de ampliação do leque de investimentos permitidos. Esses fundos tiveram prejuízos e estiveram envoltos em corrupção, objeto da Operação Greenfield, em 2015. Os Fundos de Investimentos em Participações eram veículos para isso. Previ, Funcef e Valia (Vale) perderam dinheiro, por exemplo, com o FIP Sondas, da Sete Brasil, companhia escolhida para produzir mais de duas dezenas de plataformas para a PetrobrasCotação de Petrobras e que faliu ruidosamente depois. No novo cardápio de aplicações estariam as debêntures de infraestrutura (O Globo, ontem).

A experiência de pouco atrás francamente desaconselha a atração dos fundos. “O histórico recente da participação dos fundos estatais em iniciativas apoiadas pelo governo é trágico”, diz Marcos Mendes, pesquisador do Insper. Como entidades privadas, têm de proteger o patrimônio de seus cotistas e garantir-lhes a melhor rentabilidade com segurança. O governo em geral não é um bom assessor financeiro. “Investimentos que focam em agendas políticas são inconcebíveis”, afirma Geraldo Ferreira, conselheiro independente de empresas. “Os resultados já conhecemos e os cotistas sofreram muito no bolso” (Valor, ontem).

https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2024/08/23/uso-politico-de-fundos-de-pensao-e-agencias-tera-maus-resultados.ghtml


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