Fundação da Petrobras terá que equacionar rombo de R$ 1,2 bilhão referente a exercício de 2022
A Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, encerrou 2022 com resultado negativo que vai levar a novo equacionamento em pelo menos um dos planos que administra. O Valor teve acesso a documentos que mostram rombo de R$ 4,8 bilhões no ano passado. A Petros confirma o déficit, mas fala em resultado consolidado negativo de R$ 1,2 bilhão, “após ajustes de precificação dos ativos”. Segundo fontes, é com base nesse valor que serão calculadas as contribuições extras de participantes e do patrocinador. A situação terá que ser enfrentada pelo novo presidente da fundação, que deve chegar nas próximas semanas, no lugar de Bruno Dias, que deixou a entidade no fim de março. A expectativa é que o substituto seja anunciado em maio.
O nome mais cotado para o cargo, segundo fontes de mercado, é o de Henrique Jäger, que foi presidente da Petros no governo Dilma e hoje é assessor do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. O nome tem apoio da direção da petroleira e a simpatia da Federação Única dos Petroleiros (FUP). O mandato de Jäger teve início em março de 2015, ano em que o resultado negativo do fundo superou R$ 20 bilhões, e durou pouco mais de 12 meses. Em 2016, ele chegou a prestar depoimento à CPI dos fundos de pensão, criada para investigar rombos nas contas das entidades, e, na ocasião, afirmou que os resultados eram conjunturais.
Se confirmado na Petros, Jäger não será o primeiro ligado ao PT ou a sindicatos indicado para fundações de estatais no terceiro governo Lula. O primeiro foi João Fukunaga, na Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), vindo do sindicato dos bancários. Sem experiência no setor previdenciário, a indicação foi criticada por ex-dirigentes e participantes da fundação. Outro sindicalista foi anunciado no Postalis (fundo de pensão dos Correios): Camilo Fernandes dos Santos, que ainda precisa ser aprovado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
“Se a Previc homologar os nomes e disser que os critérios estão atendidos, não há como criar obstáculos às indicações. Por meio da autorregulação temos como cobrar a profissionalização e o respeito ao ato regular de gestão”, diz uma fonte.
Na Petros, as regras determinam que uma empresa de recrutamento e seleção deve buscar candidatos no mercado e apresentá-los ao conselho deliberativo, que é responsável pela decisão final. Atualmente essa empresa é a Fesa, e, segundo uma fonte que preferiu não ser identificada, o nome de Jäger foi levado à consultoria pela Petrobras. O Valor apurou que, ao menos oficialmente, os nomes ainda não estão na mesa para deliberação. No momento, a Petros está interinamente sob o comando do diretor Leonardo Moraes até a posse do novo presidente.
Para Jarbas de Biagi, presidente da Abrapp, associação que representa os fundos de pensão, diante da estrutura de governança que se criou nas entidades nos últimos anos, os executivos à frente dos fundos de pensão são importantes, mas com força de decisão individual praticamente inexistente. “Há uma cadeia de indicação, certificação, habilitação, totalmente diferente do passado. Estamos em um momento de maior segurança”, diz.
O histórico de investimentos mal feitos e denúncias de corrupção, incluindo o envolvimento de ex-dirigentes na operação Greenfield, da Polícia Federal, ainda assusta participantes. “No passado, a Petros saiu de renda fixa e fez maus investimentos. Foi o caso de Sete Brasil, BRF, Invepar, Belo Monte, Itaúsa, que só deram prejuízo, e alguns deles até hoje sacrificam nossa carteira”, afirma o participante Abdo Gavinho, cujos descontos referentes aos equacionamentos somam quase R$ 6 mil. Gavinho refere-se especialmente à venda de títulos públicos marcados na curva no início dos anos 2010. Esse tipo de marcação é feita quando o investidor pretende resgatar o título no vencimento e busca evitar que a contabilidade seja afetada pelas variações do papel no mercado.
Aposentado após 42 anos de trabalho na área de materiais da Petrobras, Emanuel Cancella, 71 anos, conta que nunca imaginou ter redução do benefício. “Não é justo que a gente pague por isso. Espero que a nova gestão suspenda os descontos quando assumir”, afirma. O regime paritário, no entanto, determina que participantes e patrocinadores devem arcar com os prejuízos. Henrique Almeida Silva, 55 anos, que trabalhou por 37 anos embarcado em plataformas de petróleo, lamenta os descontos e vê problemas na gestão: “A Petros é um transatlântico, é muito difícil manobrar e mudar de direção.”
O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Barcelar, critica a aprovação pelo conselho deliberativo, em meio ao cenário de dois déficits sucessivos, de um bônus de R$ 9,3 milhões aos diretores da Petros por meta alcançada. O pagamento ainda não foi feito por ter sido alvo de questionamento pela FUP na Justiça. “Como eles podem se autopresentear com esse bônus gigantesco?”, questiona. O pagamento de bônus consta em contrato e faz parte de política de benefícios da Petros criada para atrair nomes do mercado para a fundação.
O fundo de pensão começa no próximo dia 25 a descontar alíquotas extras de até 5,25% para cobrir o déficit de R$ 8,4 bilhões registrado em 2021 por um dos planos de benefício definido, o Petros Repactuados (PPSP-R). É o que reúne mais participantes, hoje com 41 mil pessoas, e tem três patrocinadoras, Petrobras, Vibra Energia e Petros, que também contribuirão para sanear as contas. Somente a parte da petroleira é de R$ 4 bilhões. Os participantes deste mesmo plano já estão descontando, desde 2020, taxas entre 10,56% e 13,59% para cobrir déficits de 2015 e 2018, que juntos somam mais de R$ 24 bilhões.
Em relação ao novo déficit, a Petros diz que os “ajustes de precificação dos ativos representam os ganhos futuros esperados com os títulos públicos marcados na curva”, referindo-se ao R$ 1,2 bilhão: “Dos 39 planos que a Petros administra, o PPSP-NR (Petros Não Repactuados) é o único que demandará um estudo para avaliar a necessidade de aplicação de plano de equacionamento decorrente do exercício de 2022, seguindo a legislação”, disse a entidade, em nota. Segundo fontes, o resultado negativo de R$ 4,8 bilhões considera títulos marcados a mercado, o que explica a diferença para o R$ 1,2 bilhão, marcado na curva. Especialistas dizem que há uma resolução da Previc que obriga as fundações a considerarem a marcação na curva para fins de equacionamento.
O balanço contábil da Petros no ano passado não está disponível ao público. No site da fundação consta apenas um texto resumo com o resultado. O número apurado pelo Valor só foi distribuído aos participantes dos planos em área restrita.
Segundo a entidade, o impacto da conjuntura econômica sobre os investimentos da Petros no ano passado foi atenuado pela estratégia de imunização das carteiras, iniciada em novembro de 2021, quando foi possível comprar títulos públicos com taxas superiores à meta atuarial. Marcados na curva, estes títulos protegem os ativos das oscilações do mercado e permitem a melhoria nos índices de solvência dos planos através do reconhecimento do ajuste de precificação, diz. O plano é imunizar 80% da carteira dos planos de benefício definido, praticamente eliminando os riscos de novos déficits e aumentando a possibilidade de superávits futuros, continua.
Para um gestor, essa estratégia deveria ser adotada antes. Como isso não aconteceu, a administração da Petros tomou um “risco descabido” em 2020 e 2021, diz. Outra fonte discordou ao dizer que os títulos públicos – as NTNBs de longo prazo – só passaram a remunerar acima da meta atuarial (IPCA + 4,5% ao ano) a partir de novembro de 2021.
Sobre o déficit de 2021, a Petros culpa a determinação de manter em marcação a mercado os títulos públicos em carteira. Com a forte e veloz elevação dos juros naquele ano – a Selic começou em 2% e terminou a 9,25%, após seis anos sem subir, para segurar a inflação -, o valor dos papéis caiu e levou ao déficit. A marcação a mercado foi determinada pela resolução 37 do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC).