O ano de 2023 pode marcar o retorno da Petrobras a uma região que está há anos sem receber novas atividades de exploração
O ano de 2023 pode marcar o retorno da Petrobrasa uma região que está há anos sem receber novas atividades de exploração de petróleo e gás no país, a Margem Equatorial. A companhia aposta em estudos nessa região para garantir uma nova frente de produção nas próximas décadas, conforme a estratégia que adotou de focar na produção de petróleo de menor custo e menos emissões no contexto da transição para uma economia de baixo carbono.
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Inicialmente prevista para começar até o fim deste mês, uma perfuração da Petrobras em águas profundas no Amapá depende ainda da emissão de uma licença ambiental. A proximidade com a Floresta Amazônica e eventuais impactos sobre povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, no entanto, tornam o tema sensível.
A seguir, o Valor explica a importância da Margem Equatorial e as polêmicas relacionadas à região.
1- O que é a Margem Equatorial?
A região abrange as bacias marítimas de exploração e produção de petróleo e gás próximas à Linha do Equador, no Norte e Nordeste. A Margem Equatorial se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Oiapoque (AP), no extremo norte do país, e inclui as bacias Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
Margem equatorial — Foto: Valor
2- Por que é importante?
O petróleo e o gás são recursos não-renováveis, por isso, as reservas disponíveis se reduzem conforme ocorre a extração. Hoje, 75% da produção de petróleo brasileira vem da Bacia de Santos (RJ/SP/PR/SC), onde estão os principais campos do pré-sal, mas analistas apontam que o potencial de novas grandes descobertas nessa bacia tem caído.
Por outro lado, nos últimos anos, ocorreram grandes descobertas na Guiana e Suriname, próximos ao norte do Brasil, assim como na costa oeste africana, que têm estruturas semelhantes a essa região do país.
Por isso, as reservas da Margem Equatorial são a principal aposta da Petrobras para manter o nível de produção de petróleo e gás a partir da década de 2030, quando deve ocorrer um declínio natural na produção dos campos na Bacia de Santos (RJ/SP/PR/SC).
De acordo com o diretor executivo de exploração e produção da Petrobras, Fernando Borges, o declínio natural nas reservas é de cerca de 10% a cada ano. Durante teleconferência com analistas este mês, ele disse que a companhia tem que incorporar a cada ano 300 mil barris por dia às reservas para manter a produção na faixa atual.
3 – Quais são as sensibilidades da região?
A Margem Equatorial é considerada uma nova fronteira, ou seja, ainda não há muito conhecimento geológico sobre a região, pois ocorreram poucas atividades exploratórias nessas bacias até o momento, principalmente em águas profundas, onde a Petrobras pretende atuar.
A proximidade das bacias com a Floresta Amazônica é um dos pontos que preocupa ambientalistas. Há ressalvas a respeito dos impactos sobre a biodiversidade da região, assim como os efeitos sobre comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. O aumento de resíduos, do tráfego aéreo e eventuais impactos sobre as atividades pesqueiras são algumas das preocupações.
Outra questão é o fluxo das correntes marítimas na região, que contribuem para que eventuais vazamentos cheguem de forma rápida a países vizinhos, em especial a Guiana Francesa.
Há ainda, segundo ambientalistas, a existência de um grande sistema de recifes de corais na costa Amazônica, que pode ser afetado pelas atividades.
4 – Qual é a posição dos ambientalistas?
O avanço das atividades de exploração na Margem Equatorial tem sido alvo de críticas de ambientalistas. Segundo a ONG WWF-Brasil, representação da ONG de origem suíça World Wide Fund for Nature as atividades colocam em risco a presença de habitats marinhos sensíveis e pouco conhecidos. “É alarmante o fato de que os recifes amazônicos não são protegidos por qualquer tipo de unidade de conservação, as quais representam uma das ferramentas mais básicas para conservação da biodiversidade”, diz a ONG em nota.
Daniela Jerez, analista de políticas públicas da WWF-Brasil, acredita ainda que o país deveria direcionar recursos para fontes de energia limpas e renováveis, no contexto da transição para uma economia de baixo carbono. “Entendemos que, no cenário de mudanças climáticas, abrir novas fronteiras exploratórias de petróleo e gás, que na melhor das hipóteses só se tornariam produtivas após 2030, não é o melhor caminho para o país”, afirma.
5- Qual é a posição da indústria?
Especialistas apontam que o avanço das atividades na Margem pode aumentar as receitas direitas e indiretas, como de royalties e do setor de serviços, em estados como Maranhão, Pará e Amapá. Além disso, apontam que a produção de petróleo e gás naquela região abre novas perspectivas de desenvolvimento e industrialização do Norte e Nordeste.
O Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás (IBP) lembra que diversos poços já foram perfurados na região sem acidentes. Além disso, aponta, as estruturas similares a corais presentes na região se encontram a 120 metros de profundidade, enquanto a atividades de perfuração previstas devem ocorrer a mais de dois mil metros de profundidade, distante das formações.
Há ainda controvérsias em relação aos recifes. O professor de geologia Marinha da Universidade Federal Fluminense (UFF) Alberto Figueiredo diz que as estruturas encontradas na região são algas calcárias sobre granitos, e não arrecifes de corais, e que, em grande parte não têm vida. Segundo ele, as estruturas são, inclusive, similares às encontradas nas bacias onde a Petrobras já produz.
6 – O que aconteceu por lá até agora?
As primeiras perfurações na Margem Equatorial ocorreram na década de 1970, sem grandes descobertas que viabilizassem a produção comercial. Até o momento, a maior parte das atividades ocorreu em águas rasas, mas a expectativa é de grande potencial em regiões mais profundas.
A maioria dos blocos exploratórios sob concessão na região é fruto da 11ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2013. Na época, a presidente da ANP era Magda Chambriard, que hoje participa da equipe de transição para o governo Lula, que assume em janeiro.
Muitos dos contratos assinados nesse leilão, no entanto, estão suspensos devido às dificuldades para a obtenção das licenças ambientais para prosseguir com a exploração.
Em 2017, britânica BP chegou a iniciar o planejamento logístico para atividades no Pará, mas o processo não seguiu adiante. No ano seguinte, a francesa TotalEnergies teve um pedido para perfurar na Foz negado pelo Ibama. O órgão ambiental argumentou que faltou apresentação de soluções logísticas adequadas para eventuais cenários de emergência. As companhias optaram por vender as fatias de blocos que operavam na Margem para a Petrobras.
Outra companhia desistiu da região este ano. No começo de 2022, a petroleira alemã Wintershall DEA decidiu encerrar todas suas operações no Brasil e fechar o escritório no Rio de Janeiro. A companhia tinha blocos nas bacias Potiguar e Ceará, mas saiu do país para se concentrar em regiões e projetos que estejam de acordo com as metas climáticas que definiu no contexto da transição energética.
Nas últimas décadas, campanhas de levantamentos de dados sísmicos apontaram o potencial das reservas na Margem. Este ano, a companhia de levantamento de dados sísmicos anunciou um projeto para levantar 60 mil quilômetros de dados 2D em alta resolução na Margem Equatorial. O objetivo é usar novas tecnologias para definir melhor as estruturas da região.
7 – Quem vai investir na Margem?
A princípio, a Petrobras. A companhia vai começar a exploração da região com uma perfuração em águas profundas na costa do Amapá, a 160 quilômetros da costa e em 2800 metros de profundidade.
O diretor de exploração e produção da Petrobras indicou em uma teleconferência recente com analistas que um segundo poço na Margem deve ocorrer na Bacia Potiguar.
O plano de negócios da Petrobras para o período de 2023 a 2027 prevê a perfuração de 16 poços na região. A companhia vai destinar para essa região 49% dos investimentos exploratórios no período, que somam ao todo US$ 6 bilhões.
Diretores da estatal, entretanto, já afirmaram que a companhia pode buscar parceiros para desenvolver eventuais descobertas nessa região no futuro.
8 – O que falta para começarem as atividades?
A Petrobras depende da emissão de uma licença ambiental para o início da primeira perfuração. De acordo com a estatal, no momento o andamento do processo de licenciamento depende da realização de uma avaliação pré-operacional (APO), que vai ser realizada em data a ser definida “em breve” junto ao Ibama. “A Petrobras está envidando todos os esforços e mobilizando os recursos necessários para a realização da APO”, disse a companhia em nota.
O diretor de exploração e produção da Petrobras disse em novembro que a companhia começava a deslocar a sonda de perfuração para o Amapá.
9 – Como a Petrobras está se preparando para isso?
A Petrobras conduz uma série de estudos para identificação de possíveis impactos decorrentes de operações. A companhia quer aplicar tecnologias para a preservação e manutenção das características físicas e biológicas do ambiente durante as atividades. Em paralelo, a estatal prevê desenvolver projetos socioeconômicos na região, com foco no cuidado ambiental.
A inovação é uma das apostas para reduzir os custos de atuar na região, com o uso de tecnologias como inteligência artificial e “big data”, o uso massivo de dados.
10 – Qual é a posição de outras empresas além da Petrobras?
As empresas aguardam os resultados das primeiras campanhas da Petrobras para definir as estratégias.
Em novembro, o presidente da Enauta, Décio Oddone, disse que a companhia não tem previsão de realizar perfurações nos blocos exploratórios que opera no Pará-Maranhão. “A perfuração que a Petrobras sinaliza que pretende fazer na Margem Equatorial vai ser uma indicação para nós do ponto de vista do licenciamento ambiental na região e da atratividade”, disse o executivo, que foi diretor-geral da ANP de 2016 a 2020.
A principal operadora das descobertas na Guiana, próxima à Margem brasileira, é a ExxonMobil. Outra grande petroleira que pode olhar para a região é a Shell. Em entrevista ao Valor em setembro, a diretora global de exploração e produção da empresa, Zoe Yujnovich, disse que uma eventual decisão sobre o tema vai considerar os fundamentos econômicos e a resiliência de carbono dos projetos.