A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se tornou recentemente alvo de questionamentos sobre sua atuação no papel de fiscalizador e regulador do mercado de capitais. No início de setembro a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), em carta enviada ao ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e ao presidente da CVM, Marcelo Barbosa, defendeu uma maior diversidade na composição do colegiado da autarquia, o que, na avaliação do presidente da Amec, Mauro Cunha, poderia melhorar o processo de tomada de decisão do órgão regulador. No mesmo mês, pouco tempo depois da carta endereçada pela Amec, foi a vez do Tribunal de Contas da União (TCU) iniciar uma auditoria para “verificar a conformidade e os riscos atualmente existentes na atuação da CVM na regulação e fiscalização do mercado de capitais”.
O presidente da Amec, Mauro Cunha, ressalta que qualquer órgão colegiado só vai conseguir tomar decisões melhores que um indivíduo único se houver diversidade em sua composição. “Se você coloca uma pessoa para decidir, ela têm determinados vieses. Se colocar um grupo para decidir, mas com pessoas iguais ou parecidas, esses vieses só serão aumentados, e as decisões não serão boas”, pondera Cunha. “Quando se tem uma diversidade, há uma melhor qualidade nas decisões”, acrescenta o especialista.
No caso específico da CVM, que por natureza tem uma atuação multidisciplinar, prossegue o presidente da Amec, é preciso pessoas que entendam do Direito, mas também de outras áreas como contabilidade, finanças, economia doméstica e internacional, além de governança corporativa.
Ele lembra que até pouco tempo atrás o colegiado da CVM era formado por cinco especialistas oriundos da área de Direito, embora recentemente tenha ocorrido uma alteração, com a saída por motivos pessoais em setembro do diretor Gustavo Borba, mestre em Direito, e a entrada em seu lugar de Carlos Alberto Rebello Sobrinho, economista e com MBA em Direito Empresarial pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).
“Com toda sinceridade, não acredito que um grupo com cinco advogados, como era até pouco tempo, seja capaz de dar diversidade ao colegiado”. Cunha prefere não citar um caso específico em que a falta de diversidade entre os membros da autarquia levou a uma decisão ruim. “Estamos muito satisfeitos com a indicação do Rebello, e esperamos que as próximas indicações venham no mesmo caminho, não só em termos de formação mas também de gênero, com diferentes formas de pensamento”.
O presidente da Amec diz ainda que a indicação de Rebello retoma uma tradição que não estava sendo cumprida, de privilegiar o corpo funcional da CVM. Segundo Cunha, que tem encontros corriqueiros com o presidente da autarquia em eventos do mercado e já conversou com ele sobre o tema, a sugestão de maior diversidade já foi apresentada pessoalmente também ao ministro da Fazenda. “O recado está dado em todas as esferas”.
Ressarcimento – Além da maior diversidade, o presidente da Amec aponta como outro ponto de melhoria a ser feito no trabalho da CVM o início do ressarcimento de perdas sofridas por investidores que se sentiram lesados por atos dos controladores das empresas. “Mesmo em casos em que houve punição não ocorreu o ressarcimento dos prejuízos, o que gera um incentivo para operações lesivas que podem atrapalhar o mercado”.
Cunha diz que o órgão regulador vem trabalhando em conjunto com o ministério da Fazenda na elaboração de um mecanismo que permita o ressarcimento aos investidores, “o que vemos como muito positivo”. Ele lembra, inclusive, da Deliberação 390 da CVM, de maio de 2001, segundo a qual para realizar um termo de compromisso é condição previa o ressarcimento do prejuízo. “Isso nunca foi cumprido, e entendemos que antes mesmo das conclusões do trabalho em curso entre CVM e Fazenda a autarquia já poderia iniciar o cumprimento de sua própria deliberação”.
Cunha aponta transações como a da Qualicorp, anunciadas recentemente no mercado local, que causaram pesados prejuízos aos investidores. “Isso nos dá um pouco de receio”, diante da pouca efetividade do ressarcimento proporcionado pelo órgão regulador, diz Cunha. “O caso envolvendo a Qualicorp e seu controlador nos preocupa muito e talvez seja um dos maiores escândalos dos últimos tempos”.
O presidente da Amec afirma que tem percebido nos últimos anos um aumento do engajamento dos investidores minoritários na busca de seus direitos. “Diversos problemas que aconteceram no mercado teriam sido evitados se os minoritários estivessem agindo como donos do negócio, prestando a devida atenção às decisões e em interação com o conselho das empresas”. Cunha diz ainda que “é muito injusto o investidor reclamar da CVM se ele mesmo não fizer seu dever de casa”.
Carreiro: auditoria para avaliar a conformidade e os riscos nas decisões da autarquia
Auditoria – Sobre a auditoria iniciada pelo TCU, o presidente do tribunal, Raimundo Carneiro, afirmou, em comunicado, que a iniciativa “se mostra de extrema relevância, pois prejuízos aos acionistas minoritários em decorrência de fraudes enfraquecem a confiança da sociedade no mercado de capitais e afastam os investidores de modo geral”. Carreiro cita no documento, como exemplo, o caso da fusão entre as empresas JBS e Bertin, de 2010, em que houve, segundo ele, sinalização de prejuízos aos acionistas minoritários de pelo menos R$ 2 bilhões, incluído nesse valor um prejuízo à BNDESPar que ultrapassa os R$ 700 milhões.
Trabalhos do TCU em andamento, envolvendo os Grupos JBS, Marfrig, EBX, Oi, Petrobras, Eletrobras, entre outros, prossegue Carreiro no documento, “também reforçam a ideia de que prejuízos consideráveis estão decorrendo de uma atuação aparentemente insuficiente da CVM no sentido de coibir fraudes a investidores”.
Com a auditoria, cuja previsão de recursos fiscalizados supera R$ 4 bilhões, “espera-se incrementar a eficácia e efetividade na atuação fiscalizatória e regulatória da CVM”. Procurado, o TCU informou que não há mais informações públicas disponíveis sobre o trabalho e nem porta-voz para falar sobre o tema.
Posicionamento – A CVM, por meio de comunicado enviado pela assessoria de imprensa, informou, em relação à auditoria do TCU, que mantém com o tribunal “um profícuo relacionamento institucional, que abrange um acordo de cooperação técnica para intercâmbio de informações, conhecimentos e bases de dados de interesse comum”.
A autarquia diz ainda que também interage com o TCU em relação a tudo o que, no âmbito da sua atuação como instituição de controle, se mostra necessário ou útil, “o que se aplica, inclusive, ao objeto da sua demanda e a atuações anteriores do Tribunal, junto à CVM, no desempenho do seu papel institucional”.
Já sobre a sugestão da Amec de maior diversidade na composição de seu colegiado, a autarquia aponta que o assunto está previsto na lei 6385/76, mais especificamente no disposto do art. 6º, que estabelece que a CVM será administrada por um presidente e quatro diretores, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal, “dentre pessoas de ilibada reputação e reconhecida competência em matéria de mercado de capitais”.
Cunha, da Amec, nota que a indicação de pessoas com alta capacidade técnica e reputação ilibada para compor o colegiado são condições necessárias, porém não suficientes para garantir a excelência no trabalho do regulador. A CVM encerra seu comunicado destacando que, diante do exposto, não compete à ela “emitir comentários a respeito do mérito do assunto”.
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