DE SÃO PAULO – (Atualizada às 19h35) Uma ex-funcionária da Funcef, o fundo de pensão da Caixa Econômica Federal, acusa um dos diretores eleitos pelos funcionários de ter coagido os subordinados a fazer contribuições em dinheiro para a sua reeleição, ocorrida em abril deste ano.
Cilesia Gonçalves de Lima, que tinha quase dez anos de trabalho na fundação e foi demitida em maio passado, move uma ação trabalhista contra a Funcef e também sua patrocinadora, a Caixa, por assédio moral. Entre outros relatos de práticas abusivas por parte de seus superiores, ela conta ter sido levada a contribuir mensalmente, juntamente com outros colegas, a pedido do diretor Antônio Augusto de Miranda. As contribuições teriam ocorrido durante nove meses, de julho de 2017 a março deste ano. Comprovantes de depósito bancário foram anexados à ação.
Miranda comanda desde 2014 a diretoria de administração da Funcef. Ele e dois outros colegas foram eleitos por duas vezes, em 2014 e agora em 2018, pela chapa Controle e Resultado. Na diretoria da Funcef, três membros são indicados pela patrocinadora e três são eleitos pelos funcionários.
“Com a suspeita de que haveria outras chapas concorrentes para o pleito de 2018 (…), o diretor Antônio Augusto Miranda ordenou que fosse acelerado o processo da campanha eleitoral, tendo instituído uma contribuição, aparentemente definida como voluntária, como meio de angariar fundo para a campanha eleitoral”, diz o texto da ação.
E completa: “O diretor (…) advertiu sobre a enorme importância dessa colaboração não ser questionada, principalmente por aqueles que pretendessem garantir a continuidade dos seus empregos e a manutenção de seus cargos (…)”.
A funcionária relata que foi criado um mecanismo de controle e acompanhamento das arrecadações. Ela narra que o valor da contribuição foi definido conforme o cargo ocupado pelo funcionário e que a identificação dos depósitos era feita pelos centavos. Assim, Cilesia diz ter contribuído com nove mensalidades de R$ 100,41. Seu marido e também funcionário da Funcef, Raimundo Saraiva Barreto, fez depósitos mensais de R$ 100,42, indicam os comprovantes aos quais o Valor teve acesso.
As contribuições, segundo a ex-funcionária, eram todas depositadas numa conta de titularidade do gerente de benefícios da Funcef, Pedro Salvador. O funcionário seria o responsável por controlar os fluxos de depósito. Seu nome não aparece nos comprovantes de transferência entre contas da Caixa.
A reportagem do Valor falou com Pedro Salvador por telefone e explicou o conteúdo da acusação. “Não recebi citação e não conheço as acusações. Prefiro não comentar”, disse. Diante da insistência para que confirmasse ou negasse a existência do sistema de contribuições e de seu papel como receptor dos depósitos, repetiu que não comentaria. Pedro Salvador sugeriu que a reportagem procurasse o diretor ao qual Cilesia estava subordinada, Antônio Augusto de Miranda, e explicou que se reportava a outro diretor, Délvio Lopes de Brito, responsável por benefícios.
Juntamente com o diretor de planejamento e controle, Max Mauran da Costa, Brito e Miranda são os integrantes da chapa Controle e Resultado, reconduzida à diretoria neste ano depois de receber 56,99% dos votos no segundo turno da votação. A chapa concorrente, Juntos pela Funcef, recebeu 43,01% dos votos.
Antônio Augusto de Miranda foi procurado diretamente durante três dias pela reportagem, mas não retornou os pedidos de entrevista. A assessoria de comunicação da Funcef informou que ninguém comentaria o tema em nome da fundação.
O advogado de Cilesia, Fábio Ferraz dos Passos, diz que a funcionária chegou a denunciar essa prática dentro da própria Funcef. “Mas não deu em nada”, diz. “Num período pós-eleitoral, ela questionou os superiores, sofreu perseguição e foi mandada embora”, completa. De acordo com Passos, embora esteja narrada no processo, a arrecadação em si não é objeto da ação. “Apenas estamos pedindo o ressarcimento dos valores”, explica. De acordo com ele, a cliente se prepara para fazer uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho em Brasília sobre o tema das contribuições, pedindo que a prática seja investigada.
De acordo com um outro funcionário ouvido pelo Valor, que pediu para não ser identificado, algumas dezenas de pessoas teriam sido levadas a participar das contribuições. O advogado de Cilesia afirma que na diretoria de administração teriam sido 19 funcionários a contribuir.
O advogado de Cilesia adverte que as práticas narradas na ação representam um descumprimento, por parte da Funcef, de um termo de compromisso de ajustamento de conduta (TAC) assinado com o Ministério Público do Trabalho em Brasília, em agosto do ano passado, depois de denúncias de assédio moral praticado por seus dirigentes. Pelo TAC, a fundação se comprometeu a “não permitir, não tolerar e não submeter seus empregados a situações que evidenciam assédio moral”.
Segundo a procuradora do trabalho Renata Coelho, que conduziu investigações das denúncias de assédio moral e assinou o TAC com a Funcef, depois que o novo presidente e a nova diretoria assumiram, na esteira da Operação Greenfield, “entenderam que não deveria prosseguir a investigação e acataram as medidas”. “As notícias que tive logo em seguida é que o ambiente havia melhorado muito”, disse a procuradora.
Há cerca de duas semanas, Cilesia Lima enviou cartas à Previc e à Caixa e aos conselhos fiscal e deliberativo da Funcef em que informa sobre o processo trabalhista e pede que os fatos sejam apurados.
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