SÃO PAULO – Afastados de seus cargos de gerência na Petrobras após denunciarem internamente esquema de corrupção, a geóloga Venina Velosa da Fonseca e seu subordinado na época, José Roberto Kaschel Vieira, obtiveram recentemente importantes decisões na Justiça do Trabalho, em processos por assédio moral. A ex-gerente-executiva da Diretoria de Abastecimento conseguiu anular sentença desfavorável. Ele, ex-gerente-geral de Gestão Corporativa de Abastecimento, o direito a receber indenização de R$ 110 mil.
Ambos defendem nas ações que foram realocados a áreas de menor importância, como punição por não participarem dos atos de corrupção — relacionados posteriormente à Operação Lava-Jato. Na ação, Venina alega que perdeu o cargo em outubro de 2009 e foi transferida para o escritório da estatal em Cingapura em fevereiro de 2010. Lá, não teria exercido qualquer função.
Vieira afirma, em seu processo, que após a CPI da Petrobras, em 2009, foi cedido à Petroquisa (subsidiária da companhia), sem função ou atividade, e posteriormente à Liquigás Distribuidora. Empresa que, segundo sua defesa, não lhe ofereceria oportunidade de ascensão. Em 2014, ele aderiu a um Plano de Incentivo à Demissão Voluntária.
Em primeira instância, o pedido de Venina, que inclui danos materiais por diferenças salariais, havia sido negado. Porém, a geóloga conseguiu anular recentemente a sentença no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro e afastar a cobrança de R$ 40 mil em custas processuais.
Além deste processo, Venina move outro, que corre em segredo de justiça. Trata da suspensão aplicada à ela pela Comissão de Apuração Interna da Petrobras, que investigou o ex-gerente de Comunicação, Geovane de Morais. Por determinação dos desembargadores, as ações passarão a tramitar juntas.
O caso de Venina, funcionária de carreira na Petrobras, será novamente analisado pela juíza Cristina Almeida de Oliveira, da 31ª Vara do Rio de Janeiro, que havia negado os pedidos em setembro de 2016. Para a magistrada, não teria havido assédio. “Não se vislumbra perseguição e sim o exercício regular do direito de comando da organização dentro da lei”, diz na sentença.
No pedido ao TRT, os advogados da trabalhadora alegaram que houve cerceamento de defesa. Segundo Ubiratan Mattos, do Mattos Engelberg Advogados, que representa Venina no processo, a juíza ouviu apenas uma testemunha e dispensou as demais. “Por isso, deve haver novo julgamento, como determinou o TRT”, diz o advogado.
Vieira, por sua vez, conseguiu vencer em primeira instância. Obteve na 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, no interior de São Paulo, indenização por assédio moral. Tanto ele quanto a Petrobras já recorreram. A empresa questiona a condenação e a defesa dele pede aumento do valor da indenização. Na semana passada foi incluído nos autos parecer do Ministério Público do Trabalho (MPT) favorável ao aumento da condenação para R$ 300 mil.
Ele alega na ação (nº 0010371-98.2017.5.15.0126) que, dois meses depois de ter assumido a função, detectou indícios de desvios em processos de contratação da Gerência de Comunicação Institucional de Abastecimento. Segundo ele, os pagamentos na modalidade de pequenos serviços (ZPQS), a partir de uma falha no sistema, eram emitidos no valor de R$ 160 mil, montante muito superior ao limite autorizado, que era de R$ 32 mil.
Ao detectar os pagamentos, alega que informou sua superior, Venina da Fonseca, e deixou seu cargo à disposição. Venina o teria orientado a elaborar uma nota relatando os gastos ao então diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que levou a situação ao conhecimento do então presidente José Sérgio Gabrielli. Na época, o dirigente decidiu pelo afastamento temporário do então gerente de Comunicação, Geovane de Morais, e determinou a constituição de uma Comissão de Apuração Interna para apurar o ocorrido.
A partir das denúncias, segundo Vieira, ele passou a ser pressionado e assediado moralmente por executivos da Petrobras. No processo, sua defesa pediu ainda indenização pela perda de uma chance por ter sido inviabilizada sua possibilidade real de subir pelo menos dois níveis na sua faixa gerencial, além de danos materiais por redução salarial. Em 2009, ele ganhava R$ 33,3 mil. Ao mudar de função, passou a receber R$ 28 mil.
A Petrobras alegou, no caso, que o fato de ele ter sido pressionado para fazer pagamentos não configuraria assédio moral e os fatos declarados, ainda que verídicos, ocorreram uma única vez em 2009, o que afasta a prática reiterada necessária para caracterização de assédio moral. A empresa acrescentou que Vieira foi assistente de diretor da Liquigás, cargo que não poderia ser exercido por alguém que estaria sendo assediado ou perseguido na companhia.
A Petrobras ainda argumenta, em sua defesa, que não houve redução salarial, uma vez que o vencimento básico foi mantido. O gerente só teria deixado de receber gratificações correspondentes ao cargo exercido. Por fim, defendeu a prescrição dos pedidos de diferenças salariais, danos morais e materiais porque os fatos ocorreram em 2009.
Ao analisar o processo, a juíza do trabalho Claudia Cunha Marchetti entendeu que estariam prescritos os pedidos de danos materiais e de perda de uma chance. Os fatos ocorreram em 2009 e a ação foi proposta somente em fevereiro de 2017. Sobre o assédio moral, porém, entendeu que Vieira apresentou provas robustas de que sofreu com condutas reiteradas para desestabilizá-lo psicologicamente.
Segundo a decisão, “a pressão e a angústia sofridas pelo autor não foram aquelas normalmente suportadas por executivos que ocupam altos cargos em grandes empresas, mas infringida por pessoas que pretendiam ocultar aquilo que poderia dar início a investigações acerca daquele que se revelou o maior desvio da história do Brasil”. Desvio “vultuoso”, acrescentou, de cerca de R$ 140 milhões.
Para a magistrada, o assédio moral perdurou porque Vieira “foi obrigado a conviver, com o peso de ter sido isolado em subsidiária da Petrobras (Liquigás), a qual era considerada de segundo escalão, sabedor de que se tornou uma pessoa indesejada na sede da reclamada, pelo simples fato de não ter se corrompido”.
Para o advogado que assessora Vieira no processo trabalhista, Werner Keller, do Fongaro, Infantini e Keller, “é inconcebível que um empregado que tenha trabalhado, exemplarmente, por mais de 30 anos na empresa tenha sua vida profissional destruída”. O advogado acrescenta que “ao invés de ter sido reconhecido seu trabalho em defesa do patrimônio da empresa, quando descobriu as irregularidades milionárias e não abriu mão de apurá-las, foi implacavelmente assediado [perseguido, ameaçado e discriminado] até a rescisão contratual”.
Segundo o advogado, seu cliente “deixou de alcançar o topo de sua carreira gerencial na sede da Petrobras e teve suas condições de trabalho degradadas quando, além de perder a referida função gerencial na sede daquela, foi transferido para uma subsidiária de segundo nível [Liquigás], percebendo salário inferior ao percebido quando exerceu a função de gerente-geral na sede Petrobras”. Procurada, a Petrobras não deu retorno até o fechamento da edição.
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