Desembargadora: “precipitada e por demais simplista os beneficiários absorverem o prejuízo da empresa forte, à custa da própria subsistência”

MARILIA DE CASTRO NEVES VIEIRA:29834
Assinado em 09/05/2018 17:52:43
Local: GAB. DES(A). MARILIA DE CASTRO NEVES VIEIRA

20a CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 0008616-32.2018.8.19.0000 AGRAVANTES: ARNALDO SAMUEL ARCADIER E OUTROS AGRAVADO: FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS

RELATOR: DES. MARILIA DE CASTRO NEVES VIEIRA

AGRAVO DE INSTRUMENTO.  AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. PETROS. EQUACIONAMENTO DO DÉFICIT DO REFERIDO PLANO. EXISTÊNCIA DE DÉFICIT ATUARIAL CONSECUTIVO NAS CONTAS DO FUNDO COLETIVO.  BUSCA DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DO FUNDO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVADA QUE VEM EXIGINDO DE SEUS PARTICIPANTES PAGAMENTO, PELO PERÍODO DE 18 (DEZOITO) ANOS, A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO “EXTRAORDINÁRIA”, DO PERCENTUAL DE 40% (QUARENTA POR CENTO) DO QUE RECEBEM MENSALMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA COMPLEMENTAR.       AUMENTO        DE

CONTRIBUIÇÃO EM PERCENTUAL SUPERIOR A 230% (DUZENTOS E TRINTA POR CENTO) DO VALOR ATUAL. PAGAMENTOS FUTUROS QUE SOFRERÃO REDUÇÃO REMUNERATÓRIA DE QUASE METADE DE SEU VALORES. VERBAS DE NATUREZA ALIMENTAR. POSSIBILIDADE DE OCASIONAR AOS AGRAVANTES DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO, OU ATÉ MESMO IRREPARÁVEL. AUSÊNCIA DE RISCO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA. PROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos do Agravo de Instrumento n° 0008616-32.2018.8.19.0000 em que são Agravantes Arnaldo Samuel Arcadier e outros e Agravado Fundação Petrobrás de Seguridade Social – PETROS.

Acordam os Desembargadores que integram a Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e a ele dar provimento na forma do voto do Relator.

É de ser dado provimento ao recurso.

Os Agravantes são beneficiários do Plano de Previdência Complementar Fechado administrado pela Agravada denominado “Plano Petros do Sistema Petrobras” (“PPSP”).
O Plano de Previdência Complementar Fechado (PPSP) é um plano de Benefício Definido que se caracteriza: (a) pela definição dos benefícios/pensões no momento da adesão do participante, com base no salário de contribuição; (b) pelas contribuições a serem feitas para um fundo coletivo e (c) pelo fato das empresas patrocinadoras também contribuírem para o plano.

As empresas patrocinadoras do PPSP são a “Petróleo Brasileiro S.A” (“Petrobras”), a “Petrobras Distribuidora S.A” (“BR Distribuidora”) e a própria PETROS.

Ocorre que, no segundo semestre de 2017, a Agravada comunicou aos seus beneficiários do PPSP, ativos (“participantes”) e aposentados (“assistidos”), que implementaria Plano de Equacionamento do Déficit do referido plano de previdência privada, sob alegação da existência de déficit atuarial consecutivo nas contas do fundo coletivo. O citado equacionamento teria como finalidade “garantir a continuidade do plano no longo prazo, com o pagamento das aposentadorias, pensões e cumprimento de todos os demais compromissos assumidos com os participantes”.

E isto ocorreu, porque a Agravada alega que o PPSP sofreu um déficit acumulado nos anos de 2013, 2014 e 2015 de aproximadamente R$ 22,6 bilhões (vinte e dois bilhões e seiscentos milhões de reais).

Diante disso, a Agravada vem exigindo de seus participantes pagamentos, pelo período de 18 (dezoito) anos, a título de contribuição “extraordinária”, do percentual de cerca de 40% (quarenta por cento) do que recebem mensalmente a título de aposentadoria complementar.

Não fosse isso suficiente, causa espécie a esta Relatoria, o fato do Agravado ter confessado publicamente, a precariedade dos procedimentos adotados, bem como as bases de dados levadas em consideração, o que levou aquela a admitir que terá de rever, ao longo do corrente ano, os impactos dos pagamentos das contribuições, senão vejamos:

“ao longo de 2018, serão feitos estudos para reavaliar o impacto da cisão no pagamento de contribuições extraordinárias dos participantes e, em 2019, poderá haver revisão do plano de equacionamento” (grifamos).

Além disso, o Regulamento do referido Plano (PPSP), em seu artigo 48, traz as formas de custeio para formação do fundo patrimonial, quer sejam as formas “ordinárias” (incisos I a V) ou as formas “extraordinárias” ou “eventuais” (incisos VI a IX), senão vejamos:

  • “Art. 48 – Os fundos patrimoniais garantidores do Plano Petros do Sistema Petrobras serão constituídos pelas seguintes fontes de receita:
  1. contribuição mensal dos Participantes Ativos mediante desconto em folha de pagamento;
  2. contribuição mensal dos Participantes Assistidos, incidente sobre o seu salário-de-participação, de que trata o inciso II do § 1° do artigo 15;
  3. contribuição mensal dos Participantes Autopatrocinados, constituída de uma parcela incidente sobre o salário-de-participação de que trata o inciso III do § 1° do artigo 15 e de outra, igual à contribuição da Patrocinadora;
  4. contribuição mensal das Patrocinadoras;
  5. contribuição mensal da Petros;
  6. dotação do fundo inicial de Cr$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de cruzeiros), feita pela Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, para a cobertura dos seguintes encargos:
    • suplementação das aposentadorias requeridas por empregados da Petrobras em condições de obtê-las antes de 1°/07/1970; b) suplementação – em condições atuarialmente .xadas – das aposentadorias concedidas antes de 1°/07/1970, e que vêm sendo pagas pelo INSS a empregados da Petrobras; c) suplementação – em condições atuarialmente fixadas – das pensões concedidas antes de 1°/07/1970, e que vêm sendo pagas pelo INSS a dependentes de ex-empregados da Petrobras, cujo vínculo trabalhista com essa empresa tenha sido rescindido por motivo de aposentadoria ou morte;
  7. jóia admissional dos Participantes, determinada na forma do artigo 7°;
  8. receitas provenientes de investimentos de reservas;
  9. as Patrocinadoras, no caso de serem insuficientes os recursos do Plano Petros do Sistema Petrobras, assumirão a responsabilidade de encargos adicionais, na proporção de suas contribuições, para cobertura de quaisquer ônus decorrentes das alterações introduzidas em 23/08/1984 pelo Conselho de Administração da Petrobras, nos artigos 31, 41 e 42 deste Regulamento e aprovadas pelo Secretário da Previdência Complementar do Ministério da Previdência e Assistência Social,através dos ofícios n° 244/SPC-Gab, de 25/09/1984 e n° 250/SPC-Gab, de 05/10/1984” – (grifamos).

Como se vê, o inciso IX do artigo 48 prevê que as contribuições “extraordinárias”, decorrentes da insuficiência de recursos (déficits), serão de responsabilidade exclusiva das Patrocinadoras, definidas de forma a respeitar à proporcionalidade da contribuição ordinária de cada uma, conforme o inciso IV e V do referido artigo.

É de se avaliar que a proporcionalidade a que se refere o inciso IX, é aquela inerente a proporção das contribuições relativas à cobertura de déficits entre as patrocinadoras e não a proporcionalidade das contribuições ordinárias de custeio do fundo patrimonial.

A tutela da urgência tem por precípua finalidade aproximar processo civil das garantias fundamentais expressas na Constituição Federal, como, por exemplo, as garantias do acesso à justiça, da duração razoável do processo e da efetividade.

Tem por pressuposto de que alguns direitos, em razão de serem mais evidentes que outros ou, em outras palavras, por restarem robustamente comprovados desde a propositura da demanda, fazem jus a uma tutela imediata, prescindindo de uma cognição exauriente para conferir o direito àquele que busca o Judiciário.

E isto ocorre porque, a justiça tardia não é justiça, é de negação de função soberana insubstituível e monopolizada, o que revela grave infração aos ditames constitucionais. O acesso à justiça significa não só a disposição de o Estado intervir como também a presteza e a segurança dessa intervenção. Ora, se o particular, caso autorizado, faria justiça incontinenti, o seu substituto constitucionalizado deve fazer o mesmo.

Há casos em que a incerteza é evidente e há casos em que o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata como consectário do devido e adequado processo legal.

Nestes termos, a tutela da urgência é meio adotado pelo Código de Processo Civil no intuito de maximizar a eficácia e atingir a celeridade esperada no deslinde das causas, de modo a assegurar a devida prestação jurisdicional, culminando na mais acertada aplicação do direito.

No caso em comento, a julgar pelos exemplos trazidos na inicial e no presente recurso, dando conta de que os Agravantes, em seus pagamentos futuros, sofrerão redução remuneratória de quase metade de seus valores, não há dúvida a respeito do impacto de se permitir a continuidade da conduta impugnada.

E não se trata, apenas, de análise de risco (inegável em se tratando de aposentados que haverão de se manter, no exemplo, com apenas 60% da verba de costume), mas também da probabilidade lógica, já que tudo indica que a Agravada pode estar subvertendo a forma de sanear seu déficit, repassando-o aos beneficiários que são, à evidência, o lado mais fraco da relação.

A fazer crer que o problema é de gestão entre o Agravado e a patrocinadora, revelando-se, a meu sentir, precipitada e por demais simplista a providência de fazer os beneficiários absorverem o prejuízo da empresa forte, à custa da própria subsistência, pois, como já se viu, a Agravada está descontando mais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais de cada beneficiário.

Além disso, o justo processo constitucional, embora se reflita eminentemente no processo judicial, é espelho para todos os atos a serem praticados na sociedade. Significa a impossibilidade de autoritarismo nas relações mútuas, sobretudo naquelas da dimensão das travadas pelo Agravado, que não pode simplesmente impor desconto astronômico aos beneficiários sem justificativa e demonstração plausíveis.

Demais disso, não se há notícia de iminente e irremediável risco ao Agravado, a princípio, para a estreita análise por ora cabível, parece que o único risco em tela é o dos beneficiários que, já vêm desde março do corrente ano, e continuariam a ter, expropriação substancial de seus proventos e salários sem saber a que título.

Considerando tratar-se de verba de natureza alimentar, a supressão de percentual no patamar de 40% (quarenta por cento) dos valores recebidos pelos Agravantes, é capaz de ocasionar a estes dano de difícil reparação, ou até mesmo irreparável.

Ressalte-se, ainda, que não se verifica qualquer risco de irreversibilidade dos efeitos da concessão da tutela provisória para a parte Agravada, eis que, em caso de improcedência do pedido, o agravado poderá promover a cobrança do respectivo valor.

À conta de tais fundamentos, dou provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida, e conceder a antecipação da tutela de urgência para determinar à Ré se abstenha de efetuar descontos ou cobranças adicionais, sobre o valor dos benefícios previdenciários dos Agravantes, que tenham a intenção de cobrir déficits do plano PPSP, sob pena de multa em valor igual ao triplo de cada desconto realizado indevidamente.

Rio de Janeiro, 09 de maio de 2018.