Companhias protegem quase toda a dívida dolarizada de R$ 500 bilhões

A forte alta recente do dólar, que ao chegar a R$ 3,74 na sexta-feira acumula valorização de 12,6% desde o fim de março, deve encontrar as principais companhias abertas brasileiras com o balanço protegido contra oscilações cambiais.

Conforme levantamento do Valor, as empresas listadas em bolsa que potencialmente seriam mais afetadas pelo dólar mais caro tinham, no conjunto, pouco mais de R$ 500 bilhões de dívida em moeda estrangeira no fim de março. Isso significa que os passivos aumentarão em R$ 63 bilhões se a taxa de câmbio se mantiver em R$ 3,74 até o fim de junho.

Porém, ao se considerar os ativos financeiros e operacionais que essas empresas possuem em dólar, bem como derivativos já contratados e a contabilidade de hedge (que difere o impacto da oscilação do câmbio), a exposição líquida das mesmas companhias diminui 70%, para R$ 150 bilhões. Para efeito de despesa com variação cambial nas demonstrações de resultados trimestrais, é esse segundo valor que importa. Uma alta de 12,6% do dólar implicaria, portanto, numa despesa conjunta de R$ 19 bilhões no resultado financeiro.

Mas o efeito completo pode ser ainda menor. Isso porque 70% da dívida não formalmente protegida está no balanço de empresas que possuem alguma proteção natural ante a alta do dólar, por terem grande parte da receita atrelada à moeda americana, como a mineradora Vale, empresas de papel e celulose e de proteína animal.

Em um cenário de dólar no patamar atual, essas empresas verão um efeito negativo relevante de curto prazo no resultado financeiro, mas que tende a ser compensado nos trimestres seguintes com receita maior, embora possa haver diferença de proteção entre elas.

A Petrobras, que tem ativos dolarizados e contabilidade de hedge para minimizar o impacto da exposição passiva de R$ 265 bilhões, ainda tinha uma parcela de R$ 15,8 bilhões não protegida em março. Mas essa fatia tende a ser compensada, operacionalmente, caso se mantenha a política de preços que respeita a paridade internacional.

Embora a potencial despesa de variação cambial bilionária a ser registrada não tenha efeito imediato no caixa das companhias que não se protegem diretamente, os investidores devem ficar atentos, dado que algumas delas seguem o resultado contábil para definir dividendos – ou seja, podem pagar menos se o lucro for menor ou mesmo deixar de pagar se o lançamento contábil for grande o suficiente para deixar a última linha do balanço no vermelho.

O levantamento foi feito com base nas informações apresentadas pelas companhias na nota explicativa em que elas informam o impacto da oscilação do câmbio no resultado. A amostra reune 20 companhias cujos balanços apontaram, no passado, alta sensibilidade a variação cambial ou que possuem grande endividamento em dólar.

As empresas mais expostas hoje a variação cambial são as companhias aéreas. Embora só a Gol deva sofrer efeito no endividamento, Latam e Azul também precisam lidar com o impacto no resultado operacional, que já é afetado pelo petróleo (ver mais Dólar caro afeta custos de aéreas e dívida da Gol).

Fibria, Suzano e Klabin tinham, juntas, uma exposição líquida de R$ 26,9 bilhões ao dólar. Os preços da celulose, contudo, não costumam reagir em sentido oposto quando o câmbio sobe, o que permite, historicamente, que essas empresas mais do que compensem, com ganhos nas exportações, a piora no endividamento.

A Vale se considera tão protegida em relação ao dólar que troca a indexação das dívidas captadas em reais para dólar. Nos anos de crise global, contudo, a desvalorização do real coincidiu com queda importante nos preços do minério de ferro, seu principal produto, o que deixou a mineradora muito endividada e a obrigou a cortar dividendos e a lançar mão de um plano de venda de ativos. Hoje o cenário é diferente: a correlação negativa entre dólar e minério é muito menor.

Escaldada pela crise dos derivativos de 2008, a BRF tem risco cambial de balanço zerado. Já JBS, Marfrig e Minerva tinham em março exposição líquida de R$ 33,8 bilhões, sendo R$ 20 bilhões da JBS.

Embora tenha mais de 70% da receita nos EUA, a JBS atuava ativamente no mercado de derivativos até o primeiro trimestre de 2016, alegando que não tinha proteção natural. Depois deixou de usar os instrumentos por cerca de um ano, retomando as operações ainda antes da divulgação da delação de Joesley Batista, em maio de 2017. A coincidência de datas motivou as acusações por práticas não equitativas de mercado. Desde então a empresa não usa derivativos.

A Braskem e as siderúrgicas CSN e Gerdau adotaram contabilidade de hedge para reduzir o efeito do câmbio na demonstração de resultados, enquanto a Usiminas diminuiu a própria dívida em dólar.

BR Properties e General Shopping têm dívida em dólar não protegida, mas de bônus perpétuos. A BR Malls já teve instrumento semelhante no passado, mas quitou a dívida.

http://mobile.valor.com.br/empresas/5536973/companhias-protegem-quase-toda-divida-dolarizada-de-r-500-bilhoes


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