Depois de chegar a um acordo bilionário para indenizar investidores do mercado norte-americano, a Petrobras deve enfrentar uma longa queda de braço com acionistas que detêm ações da companhia no Brasil. Em paralelo à ação civil pública ajuizada por uma associação de minoritários, cerca de mil requerentes, entre pessoas jurídicas e físicas, participam de um processo de arbitragem coletiva inédito no país que pode se estender por mais de dois anos. Segundo Sergio Vieira, diretor de investimento do fundo de pensão SERPROS, a expectativa é de que a etapa de apresentação de provas e documentos comece em breve.
O procedimento arbitral entre a Petrobras e acionistas minoritários foi instaurado na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), da B3. Assim como a class action movida nos Estados Unidos por detentores de American Depositary Receipt (ADR) da companhia na bolsa de Nova York, os requerentes da arbitragem buscam obter algum tipo de reparação por prejuízos decorrentes do escândalo de corrupção revelado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal. A demanda dos acionistas é referente ao desempenho de ações e bônus da estatal no período que vai de janeiro de 2010 até junho de 2015.
Embora o procedimento arbitral seja conduzido sob confidencialidade, Vieira explicou ao Lexis 360 que as partes envolvidas no caso já estão na etapa de indicação dos árbitros que formarão o tribunal na CAM. “Eu acho que, a qualquer momento, isso [a arbitragem em si] pode ser iniciada e, aí sim, começará o processo de envio de documentação e as discussões”, afirmou. “Estamos muito próximos de isso acontecer”.
Além do SERPROS, outros fundos de pensão — como Previ, Petros e Funcef —, também participam da arbitragem coletiva. Um caso como este, em que a parte requerente é composta por um número elevado de acionistas, é considerado inédito no Brasil e a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) não faz menções diretas a procedimentos coletivos.
Para viabilizar a execução do procedimento, os requerentes concentraram os serviços de assessoria jurídica nas mãos do escritório Modesto Carvalhosa Advogados, um dos expoentes em áreas como direito societário e mercado de capitais. Procurada pelo Lexis 360, a banca confirmou a existência do procedimento arbitral contra a Petrobras.
Divisor de águas
Observadores do mercado jurídico consideram que a arbitragem coletiva pode se tornar um marco importante para o segmento de solução de conflitos e para o mercado financeiro brasileiro. Embora ainda não existam no país definições claras sobre como informar acionistas e sócios de empresas sobre a existência de um procedimento arbitral para que mais indivíduos possam aderir à solução de conflitos, há uma expectativa de que casos envolvendo grupos de investidores passem a acontecer com certa frequência.
Enquanto a confidencialidade e a expertise dos árbitros são um atrativo, questões como a divisão dos custos com as câmaras arbitrais e com os honorários de advogados contratados, porém, desafiam a organização de procedimentos coletivos.
No caso entre Petrobras e os minoritários, o diretor da SERPROS relatou que houve um diálogo entre os principais fundos de pensão e o eventual contato com os envolvidos na ação civil pública movida pela Associação dos Investidores Minoritários (AIDMIN) está sob avaliação. “Com a vivência que nós temos com a própria Justiça e com as especificidades que o caso trata, eu acho que a arbitragem é o ambiente mais adequado para provocar essas discussões”, opinou Vieira. “Você precisa de uma mão de obra altamente especializada e eu acho que você não tem necessidade da tutela do Estado para decidir, a não ser depois de resolvido e com um acordo a ser homologado na Justiça”.
O diretor de investimento salienta que especulações sobre o valor da indenização esperada pelos requerentes esbarram no ponto mais delicado do procedimento. Apesar de evitar traçar paralelos com a class action movida nos EUA, ele considera que o acordo firmado com os investidores americanos coloca um peso “moral” sobre a Petrobras e favorece a demanda dos acionistas brasileiros. “Se a empresa chegou a um acordo com investidores no mercado externo, seja qual for o valor acordado, e reconhece danos, isso é uma força muito grande para o lado dos reclamantes aqui no Brasil”, argumenta. “Uma vez reconhecido no mercado externo, a gente não vê nenhum sentido de a companhia não reconhecer isso no mercado brasileiro”.
A opinião de observadores do mercado, no entanto, é de que a estatal petrolífera adote uma postura dura para evitar perdas ainda maiores com o pagamento de indenizações.