SOLANGE GUEDES, da Petrobras: Mudança rumo ao gás

Em entrevista à Brasil Energia Petróleo, a diretora de E&P da companhia detalha estratégia para torná-la mais resiliente

Última atualização em 1/05/2018

O filósofo e pesquisador libanês Nassim Taleb define como antifrágil tudo aquilo que se beneficia da desordem. Há três anos e três meses à frente da diretoria de E&P da Petrobras, Solange Guedes viveu o caos de uma Petrobras atingida pela Lava Jato e pela crise do setor. Aproveitou a oportunidade trazida pela desordem para colocar ordem na casa, com foco em estratégias de valor para deixar a área de E&P − e por extensão a companhia − mais resiliente. E diz já ter conseguido o que queria, ao menos em sua parte do latifúndio. Com a recomposição do portfólio visando dar mais peso ao gás e as estratégias de aumento do fator de recuperação de áreas maduras e de alocação de investimentos em águas profundas, a companhia prepara o caminho para crescer diante da crise que parece finalmente ter ficado para trás. Os últimos leilões já são uma prova disso. Em entrevista à Brasil Energia Petróleo, a mulher de maior destaque no setor de óleo e gás falou sobre demandas de equipamentos da Petrobras, desinvestimento, cessão onerosa, conteúdo nacional e seus planos para 2019.

Estamos fazendo uma remodelagem do nosso portfólio de exploração e produção. Nossa intenção é transformar a Petrobras em uma companhia mais resiliente

Que avaliação você faz do E&P de 2015, quando você assumiu, e do E&P de agora?
Estamos fazendo uma remodelagem do nosso portfólio de exploração e produção. Estamos trabalhando em estratégias específicas de geração de valor. Nossa intenção é transformar a Petrobras em uma companhia mais resiliente. Um exemplo prático é nosso plano de negócios 2014-2018 e o atual: estamos com um brent de equilíbrio 30% menor em relação àquela época, já um fruto desse trabalho.

O gás terá uma maior participação nesse novo portfólio?
A companhia entende que o gás será um combustível de transição. Nossa competência técnica única está sendo colocada também a serviço desse novo portfólio do ponto de vista da participação do gás. Queremos balancear o nosso portfólio. Somos uma empresa muito concentrada em líquidos.

Essa participação do gás vai continuar crescendo?
Sim. Temos uma ambição de termos um portfólio de gás e óleo 50%/50%.

Hoje é de quanto?
85% (óleo) e 15% (gás).

Essa é uma das estratégias de geração de valor que você menciona?
Sim. Uma delas passa por essa reformatação do portfólio de gás. Outra é alocação dos investimentos. E aplicação de novas práticas é outra. Aí entra a estratégia de nos associarmos com a Statoil, começando por Roncador, onde temos a ambição de aumentar o fator de recuperação e aplicar eventuais práticas desse campo no nosso amplo portfólio da Bacia de Campos. Então, além das estratégias de alocação de recursos, temos a estratégia de aplicação de novas práticas.

Pode-se esperar algo semelhante para Marlim?
Marlim tem um desafio à parte porque o seu fator de recuperação já é muito elevado. O grande desafio lá é fazer a revitalização. É o nosso primeiro grande projeto desse tipo. Roncador é mais semelhante aos demais campos daquela região mais nova da Bacia de Campos, que são os campos gigantes de Caratinga, Marlim Leste, Marlim Sul.

Em que pé estão os 91 projetos de aumento do fator de recuperação da Bacia de Campos?
Aqueles projetos cobrem desde ações de integridade até projetos de novos poços. Mais de 60 projetos dos 90 são projetos de poços. Poços são uma explicitação clara de como se busca um fator de recuperação maior. Queremos potencializar essa estratégia em áreas mais maduras.

Qual a previsão de perfuração desses poços já num curto prazo?
Eles estão distribuídos num horizonte até 2022 e têm diferentes graus de maturidade.

Quanto será investido nessas perfurações?
Eles estão dentro dos US$ 18,9 bilhões do nosso capex previstos para a Bacia de Campos.

Existem outras novas práticas?
A sísmica 4D, que é uma ferramenta de alto potencial para buscar óleo ainda não produzido em áreas maduras. E também aprimorar a inovação submarina. Ou seja, termos equipamentos especializados que possam fazer, por exemplo, com que a gente consiga manusear grandes volumes de água e aumentar o fator de recuperação por meio desses sistemas.

Esses equipamentos são desenvolvidos em conjunto com os fornecedores?
Temos uma grande tradição de desenvolvermos equipamentos com grandes fornecedores. Mas em Roncador, por exemplo, é algo que vamos construir junto com a Statoil.

Esse relacionamento com fornecedores pode gerar outro tipo de negócios entre a Petrobras e eles, como parcerias, por exemplo?
Eventualmente sim. Existem alternativas de incremento da produção que passam por relações inovadoras com os fornecedores. Estamos usando esse momento da indústria, quando os negócios reduziram a intensidade, para explorar novas relações. Existe a intenção de trabalhar de uma forma diferente em alguns casos específicos.

A partir deste ano?
Sim, pode ser 2018.

Estamos falando pela primeira vez de offshore?
Sim.

De 2017 para cá a Petrobras voltou a ampliar seu portfólio exploratório. Quando esses investimentos começam a aparecer e qual o patamar?
A aquisição de áreas é uma daquelas estratégias de geração de valor. Adquirimos 17 áreas desde o ano passado e só em bônus já pagamos mais de R$ 5 bilhões − em áreas de classe mundial. Elas vão começar a gerar demanda de sísmica bem cedo. Já pode haver perfuração de poços a partir de 2019. Mas não existe patamar ideal.

Por quê?
A referência a volumes anteriores se perde porque as práticas mudaram. Fazer uma exploração baseada em dados conhecidos é diferente de entrar numa área com pouco conhecimento. Estamos trabalhando em técnicas inovadoras para acelerar a exploração e reduzir custos. O foco das empresas parceiras é acelerar o primeiro óleo. Libra já foi um caso destacado disso. A indústria está buscando se reinventar nesse sentido.

Mas o investimento em exploração vai crescer inevitavelmente…
Inevitavelmente. Além dos bônus, em 2019 e 2020 já temos atividades dos programas exploratórios mínimos. Essa retomada vai aparecer no nosso plano de negócios 2019-2023.

Quantos poços serão feitos nos 17 blocos adquiridos?
Nós nos comprometemos com oito poços no mar. E em todas as áreas haverá sísmica.

A atual carteira de sondas é suficiente para essa atividade?
Já começamos a ir ao mercado buscar sondas de intervenção. Estamos no mercado para sondas ancoradas de águas mais rasas e projetamos sondas de águas profundas para os próximos anos.

Sai contratação de sondas de posicionamento dinâmico neste ano?
Pode ser que sim, mas não está decidido.

Já dá para ter uma ideia dessa demanda?
Não, ainda é tudo muito recente.

Hoje, em quanto tempo é possível acelerar a entrada em produção de projetos?
Já estamos reduzindo bastante o tempo. Assinamos o contrato da cessão onerosa em 2010 e vamos produzir neste ano. Assinamos Libra em 2013 e entramos em produção neste ano. O tempo está diminuindo, mas a indústria como um todo quer que o tempo entre a assinatura do contrato e a entrada em produção seja menor.

Quanto tempo seria viável hoje? Cinco a seis anos?
Esse é um prazo bastante desafiador, mas precisamos almejar isso. Isso passa por questões como a padronização de equipamentos, por exemplo.

Isso se dará com unidades de produção afretadas ou a Petrobras voltará a considerar unidades próprias?
Plataformas próprias e afretadas têm sempre que ser discutidas dentro de cada projeto. Tivemos um grande número de unidades afretadas por atraso de plataformas, mas estamos estudando formas de contratar unidades próprias que possam ser bastante competitivas para balancear nosso portfólio.

É possível construir FPSO no Brasil hoje?
Existem áreas competitivas no Brasil para a construção de plataformas. E existem áreas que ainda demandam melhorar sua competitividade, mas eu diria que há um nível razoável de conteúdo local que pode ser feito no Brasil por ser competitivo, como os módulos, por exemplo.

E qual o conteúdo local que a sra. acha viável para as UEPs?
É um tanto quanto difícil fechar um número, porque temos unidades mais simples e mais complexas. Temos unidades como Libra, que são muito complexas e serão nossas primeiras a manusear 12 milhões de m3/dia de gás, e outras que vão demandar alguns tratamentos especiais de CO2 no pré-sal. Considerando a amplitude dessas complexidades, diria que entre 30% e 40%.

Que avaliação a sra. faz da regulamentação do waiver?
A ANP teve um papel destacado nesse processo. Aparentemente, há uma solução que não é a ideal diante dos nossos equipamentos, que são muito complexos. Mas é uma solução que concilia vários interesses e que permite caminhar. A opção do waiver tradicional é muito demorada e complexa e pode se tornar muito cara também.

Quantos pedidos de waiver foram feitos pela Petrobras?
Mais de 80. Tivemos só um waiver tratado que foi o de Libra.

A questão do riser flexível foi solucionada? Como a sra. vê a competitividade do flexível com o rígido?
A questão dos risers está sob controle. Identificamos em que condições esse efeito [corrosão] ocorre e a indústria está entregando essas alternativas para aquilo que já estava contratado. Os novos projetos já entram com especificação que mitiga o que ocorreu em algumas linhas. De uma forma geral, gosto muito de competição. Foi assim que a gente conseguiu trazer principalmente a indústria submarina no Brasil para um alto nível de competitividade.

A Petrobras vai cumprir a meta de colocar oito FPSOs em 2018, mesmo não tendo colocado nenhum sistema até meados de abril?
Isso continua mantido. Temos uma percepção muito clara do desafio que isso significa sob vários aspectos, mas a gente continua focada nessas oito unidades. Temos um plano integrado para o ano de todos os recursos humanos e materiais para fazer acontecer a instalação e o comissionamento. A primeira unidade vai ser a P-74.

O E&P pretende voltar a investir no exterior?
Nosso foco é em águas profundas aqui no Brasil, que é de longe nosso melhor portfólio.

A questão da cessão onerosa será resolvida em maio?
Estamos evoluindo bem nas duas comissões, na da Petrobras e na interministerial, mas não diria que temos um prazo tão definido assim. A boa notícia é que está andando bem.

Que projetos de E&P ainda estão por vir no desinvestimento?
Temos um olhar contínuo para nosso portfólio, buscando maximizar seu valor, sem nenhum tipo de restrição. As consequências [desse exercício] são bastante claras e o processo terá continuidade, mas eventualmente com menos ênfase do que estamos fazendo agora, porque foi o primeiro exercício.

Existe algo que a sra. não queira sair da diretoria da Petrobras sem executar?
O que eu gostaria de fazer, eu já fiz, que foi trazermos a estratégia de valor de aumento do fator de recuperação. Gosto muito dos nossos campos maduros e acho que existe ali uma oportunidade de trabalhar.

A sra. continua (diretora) em 2019?
Estou disposta a colaborar com a companhia, mas isso tem que estar alinhado com as administrações que aparecem internamente e seus focos. Se houver um ambiente em que as estratégias de valor técnicas possam ser operadas, isso me agrada e sim, gostaria de continuar.

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