Um debate franco sobre governança corporativa e dever fiduciário
por Aparecida Pagliarini · 23 de Abril de 2018
Refletir sobre a pressão decorrente das expectativas do cargo ocupado é fundamental para todos os executivos. Isso nos ajudará a saber se, no fim das contas, estamos agindo de acordo com nossos valores e opiniões ou se estamos nos comportando apenas como prisioneiros de um papel. A pressão autoimposta pelo cargo constitui, na verdade, o pano de fundo para uma questão central da governança corporativa: qual é o papel esperado de um bom administrador de empresa?
Governança corporativa e dever fiduciário são irmãos gêmeos. Filhos do princípio da prevenção e da ética. Sob o aspecto da legalidade, a pergunta formulada por Alexandre Di Miceli da Silveira pode ser respondida pelo Código Civil, pela Lei das Sociedades Anônimas, pela Comissão de Valores Mobiliários, pelo Conselho Monetário Nacional, dentre outras regras. Sob o aspecto da moralidade, a questão posta pelo Professor é tão ou mais complexa quanto o propósito de cada um dos gestores quando assumem o compromisso e a responsabilidade de administrar patrimônio de terceiros, sejam eles acionistas, cotistas, investidores, participantes ou assistidos de planos de benefícios operados por entidades de previdência privada, com ou sem finalidade lucrativa.
Pois bem. Se o governo de qualquer tipo de sociedade precisa e deve se orientar pela prevenção de riscos de um lado, de outro não pode e não deve desprezar preceitos éticos, especialmente se estamos cuidando de investimentos. Buscar resultados a qualquer custo é “fratricídio ou homicídio gemelar”: mata-se a governança e o dever fiduciário ao mesmo tempo.
Gerir é ato complexo e, por isso, compreende um conjunto de decisões que devem ser tomadas de forma informada legal, operacional e estrategicamente orientadas, de maneira que persigam, mas não determinam, o melhor resultado em dada circunstância e em determinado ambiente. Certamente que decisões assim adotadas estarão voltadas para o cumprimento de deveres fiduciários, independentemente de o resultado ser ou não alcançado. A fidúcia esperada diz respeito aos meios empregados na gestão, na tomada de decisões.
Parece-me, ainda, que o tema – Governança Corporativa e Dever Fiduciário – é de fundamental importância para definir, medir e qualificar a responsabilidade dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades tenham elas, ou não, finalidade lucrativa. E justamente pela importância e pelos reflexos na vida das sociedades e, particularmente, na vida das pessoas que exercem aquelas funções os órgãos de fiscalização e de supervisão precisam focar os meios por eles empregados de forma objetiva, sem pré conceitos, sem tentar substitui-los no processo decisório.
No que respeita às entidades fechadas de previdência complementar, parece-me, também, que o artigo 64 do Decreto 4942/2003 tem servido à fiscalização para acolher todo e qualquer comportamento, desqualificando o conteúdo da norma e o que se pretendeu tipificar. Realmente, ao estabelecer como uma das diretrizes “adotar práticas que garantam o cumprimento do seu dever fiduciário em relação aos participantes dos planos de benefícios”, pode parecer que a norma do CMN indica apenas um dever e não diz qual é – o que poderia dificultar a supervisão e a fiscalização, uma vez que não poderiam dizer qual seria, porque não tem a função de legislar e não tem a função de legislar sobre matéria de competência do CMN.
Ocorre que os deveres fiduciários são, certamente, aqueles descritos nos incisos precedentes do artigo 4º da Resolução 3792 admitindo-se que a eles se somam “as boas práticas” que o Código Civil estabelece para o administrador de qualquer tipo de sociedade , que a Lei das Sociedades Anônimas estabelece para seus administradores – repetindo a Lei Civil -, que a CVM estabelece para gestores e administradores de fundos de investimento e que o CMN estabelece para as entidades fechadas de previdência complementar e que se somam àqueles dos artigos 5º, 6º e 7º da mesma Resolução.
Assim, e para ser breve, entendo que, para restar tipificada a infração administrativa descrita no artigo 64 do Decreto 4942/2003, e considerando que a Resolução CMN 3792 fixa padrões gerais de conduta, parece-me que o órgão de supervisão e fiscalização precisa especificá-los diante de cada situação concreta e objetivamente, apontando de que forma foram descumpridos – por ação ou omissão – por cada um dos membros dos órgãos de administração – conselho deliberativo e diretoria executiva.
Finalizando: o órgão de supervisão e fiscalização não pode atuar como mais um instrumento de pressão da gestão, mas deve auxiliar na resposta à questão inicial: qual é o papel esperado de um bom administrador de empresa (leia-se de qualquer tipo de sociedade)?
Aparecida Pagliarini
Aparecida Ribeiro Garcia Pagliarini é advogada, formada pela Universidade de São Paulo. Consultora de entidades fechadas de previdência complementar, como Abrapp, Sindapp e ICSS, é também membro das Comissões Técnicas Jurídica Nacional e Regional Sudeste da Abrapp e da Comissão Mista de Autorregulação (Abrapp/Sindapp/Icss). É sócia fundadora do Escritório Pagliarini e Morales Advogados Associados, onde atua como responsável pela área de advocacia consultiva/preventiva, terceirização de processos e soluções em governança.