Advogada que atuou como perita no caso diz que pacto pode inspirar novas ações e serve como aprendizado para operação Lava-Jato
Henrique Gomes Batista, Correspondente03/01/18 – 16h10
Sede da Petrobras. Foto: Marcelo Carnaval/ Agência O Globo
WASHINGTON – Para a advogada e pesquisadora da Universidade de São Paulo Érica Gorga — que atuou como perita neste processo dos investidores minoritários americanos que gerou o acerto bilionário com a Petrobras —, o acordo é “um aprendizado para o direito brasileiro, e também para a operação Lava-Jato”. Ela afirma que isso pode gerar uma nova onda de ações contra a companhia no Brasil, pois o acordo de quase US$ 3 bilhões é um fato novo. A advogada lembra ainda que a indenização aos americanos é 6,5 vezes maior que os valores que foram recuperados pela Lava-Jato para a companhia, gerando outro custo para os acionistas minoritários brasileiros. Em sua opinião, o caso reforça sua visão de que, na esfera cível, a Petrobras não pode ser considerada apenas vítima da corrupção.
Foi um acordo bom para os acionistas?
Pelo jeito não pararam no ano novo, né? Ficaram trabalhando no acordo. Acho que foi um acordo bom para os acionistas da Petrobras nos Estados Unidos, que adquiriram ações na Bolsa de Nova York. Porque é importante fazer um acordo e receber o dinheiro, e a Petrobras está com uma situação de endividamento muito comprometida. É como se todo o caixa que a empresa fez com a venda de ativos fosse destinado ao pagamento das indenizações aos acionistas.
No passado se falou de um acordo maior, de até US$ 7 bilhões. Este valor não frustra as expectativas?
Foi falado em US$ 7 bilhões pois tínhamos como referência o caso Enron, a maior indenização coletiva paga nos Estados Unidos. E o caso da Petrobras era superior, nas perdas pela corrupção, mais grave, e usava-se este parâmetro da Enron. Ocorre que temos que levar em conta, e isso é uma questão jurídica, a possibilidade que os Estados Unidos têm de impor sanções, inclusive de natureza pecuniária, a uma companhia que, no final das contas, não é uma companhia americana. Apesar dela ter vendido papéis nos EUA, a maior parte de seus ativos não está nos EUA. Isso é diferente da Enron, é mais difícil você processar e executar um acordo de indenização contra uma companhia estrangeira. Acho que foi concluído um acordo pois ambas as partes estavam correndo riscos. Olhando do ponto de vista negocial, advogados da Petrobras e os advogados que representavam a class action (ação coletiva dos acionistas minoritários dos EUA) entenderam que esse é um valor razoável. Temos que lembrar também que há o custo deste processo para os advogados. O custo é enorme e são as bancas de advocacia que financiam este custo, pois os advogados nos EUA têm uma atuação bem empreendedora em um caso de investidores dispersos, de uma classe de investidores, e é um escritório de pequeno porte, que absorveu estes custos por três anos. Isso faz com que os escritórios tenham um limite de até quando podem esperar para ter um acordo maior. E se você não fecha o acordo, você tem que esperar que os recursos sejam julgados pela Suprema Corte e ir a júri. Isso não é algo simples, poderia atrasar por, pelo menos, mais um ano.
Mas qual o impacto deste acordo?
Mesmo por parte da Petrobras os números são grandes. A empresa já recebeu quase R$ 1,5 bilhão de ressarcimento da Lava-Jato (por valores desviados), mas vai ter que pagar, por causa do câmbio, quase R$ 10 bilhões nos EUA. O impacto na Petrobras é muito grande, é 6,5 vezes o que ela recebeu da Lava-Jato. Ela está utilizando os recursos da venda de ativos, já que os valores que ela está recuperando da Lava-Jato são insuficientes. O caso mostra uma habilidade muito grande do sistema de capitais americano em conseguir ressarcimentos para os investidores do mercado de ações americano e acaba mostrando que essa habilidade não é a mesma de uma companhia estrangeira e de uma companhia americana. Posso afirmar seguramente que, se a Petrobras fosse uma companhia americana, o valor do acordo teria sido muito maior.
Isso também evidencia a diferença que os minoritários têm nos EUA em relação ao Brasil, certo?
Sim. E, no começo da manhã, as ações da Petrobras no Brasil abriram em queda, o que significa que este acordo representa menos dinheiro para os acionistas brasileiros. Na verdade, eles estão pagando esta conta. É um efeito circular: eles sofreram com a fraude na companhia e perderam com a queda no valor das ações com as informações do esquema de corrupção com a Lava-Jato. Agora, as ações caem novamente pelo pagamento de indenização somente aos investidores americanos. Os acionistas minoritários brasileiros estão pagando a conta duas vezes.
Mas como está a busca desses ressarcimentos dentro do Brasil?
A gente sabe que até agora há alguns fundos que anunciaram que vão processar a empresa na arbitragem, mas mesmo assim não temos informações. Este é outro problema do sistema de litígio brasileiro. É confidencial e não temos a dimensão deste processo, que não é coletivo e não abarca todos os investidores pequenos. Podemos lembrar daqueles que investiram FGTS na Petrobras, ou seja, valores relevantes para sua aposentadoria, e este caso mostra a incipiência de nosso arcabouço jurídico, da inexistência das ações coletivas aqui, da falta de transparência dos litígios societários aqui no Brasil.
Mas este acordo não pode embasar que acionistas minoritários brasileiros entrem com processos, não pode gerar uma nova onda de ações?
Eu acho que deveria sim embasar uma nova onda de ações, mas se vai acontecer na prática é mais difícil afirmar. O que tem acontecido é que a Petrobras tem sustentado perante o judiciário que ela é vítima. E já foi feito um levantamento pela “Folha de S. Paulo” há um tempo de que a maior parte dos juízes estava aceitando este argumento. Ao meu ver é um argumento absolutamente inapropriado, inadequado e não condizente com a legislação brasileira. Por isso, estas ações eram julgadas como improcedentes. Mas agora a questão é, mesmo ela se dizendo vítima, ela celebra um acordo nos Estados Unidos em que aceita pagar indenização. Evidentemente que, apesar de ela não assumir a culpa (pelas perdas causadas pela corrupção) neste acordo, ela só faz isso por temor de ser responsabilizada. E, para bom entendedor, meia palavra basta: apesar de no acordo ela não se declarar culpada, em termos negociais ela está pagando antes com o acordo para evitar ser considerada culpada e, assim, ter que pagar mais. Isso é um dado objetivo que pode ser apresentado em novas ações e aí a gente vai depender de uma releitura do judiciário brasileiro. Será que o judiciário brasileiro vai fechar os olhos mais uma vez?
Mas como isso mudaria o entendimento da Justiça brasileira?
No meu entendimento, este acordo reforça a importância do caso, das provas constituídas, que houve ilícito e a companhia então acordou, concordou em pagar um valor que na prática é um ressarcimento. Resta saber se o judiciário brasileiro vai enfrentar com mais seriedade este assunto. E tem um ponto que eu sempre comento como uma falha da Lava-Jato. Essa leitura de que de certa forma vem colocada no processo penal, quando o juiz Sergio Moro afirma que a Petrobras foi vítima da corrupção. A gente tem que ver que é só ali no processo penal que ela é vítima, em relação ao Paulo Roberto da Costa, em relação ao Nestor Cerveró e a alguns administradores que participaram do esquema de propina e lesaram a companhia que ela é vítima. Mas isso não significa que ela é vítima em relação aos investidores que nela aportaram recursos. Como pessoa jurídica, a Petrobras tem deveres com os investidores, ela, perante os investidores, não é vítima, ela é uma administradora de um capital depositado em uma relação de confiança. Não se pode extrapolar esta visão que o doutor Sergio Moro aplica nas ações penais da Petrobras, não pode ser levado em hipótese nenhuma para o processo cível, onde a lógica é diferente e as partes são outras. O que está em julgamento neste caso é a companhia, que quando fez uma oferta de ações vincula o interesse dos investidores a todas as informações que foram prestadas pela empresa. Se ocorreu da empresa, no processo americano, é que a Petrobras, no momento desta oferta de ações, deu informações fraudulentas, inverídicas e com a omissão de informações do esquema de corrupção que ocorria dentro da companhia. Do ponto de vista jurídico, ela responde aos investidores e deixa de ser vítima. Isso é um aprendizado para o direito brasileiro, e também para a operação Lava-Jato.