A venda de 432 milhões de ações ordinárias da Itaúsa por R$ 4,5 bilhões na semana passada, equivalentes a 15,31% do capital votante da holding que controla o Banco Itaú Unibanco, a Duratex e outras empresas, corrige um erro cometido há sete anos, explica Walter Mendes, presidente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). A venda foi feita para a Fundação Antonio e Helena Zerrenner Instituição Nacional de Beneficiência, sócia da Ambev.
Segundo ele, a aplicação era muito ilíquida devido ao baixíssimo volume negociado do papel na bolsa, que impediria a venda das ações rapidamente em caso de necessidade. “O papel ordinário, ao contrário do preferencial, sem voto, tem volume baixíssimo, negocia cerca de R$ 600 mil reais por dia”, explica Mendes.
100 anos de venda de Itaúsa
Se fosse vender o equivalente a 30% do volume diário negociado na bolsa para não derrubar demais os preços das ações, a Petros levaria 63 anos para se desfazer da posição. Se fosse vender 15% por dia, seriam 100 anos. “Esse tipo de aplicação não é adequado para um plano de benefício definido, ou BD, que já está maduro, pagando cerca de R$ 5 bilhões em benefícios líquidos por ano para mais de 70 mil pessoas”, explica. E a posição era muito grande, representando 7,4% do patrimônio do plano PPSP, o principal da fundação, com R$ 60 bilhões sob gestão.
Mendes deixa claro que não tem nada de errado com a empresa. Ao contrário, a Itaúsa é vista por ele como uma excelente companhia, na qual o banco Itaú Unibanco representa mais de 90% dos ganhos. Mas a ação é extremamente ilíquida. “Foi uma aplicação feita em 2010 erroneamente, não foi avaliada a questão da liquidez e ainda a ação foi comprada por um valor alto, não fazia sentido para o fundo”, afirma.
Herança da Camargo Corrêa e fora dos padrões de governança
Segundo ele, a posição pertencia à construtora Camargo Correa, que acabou depois envolvida nas denúncias da Operação Lava Jato. “Foi uma compra controversa, pois na época já era uma posição muito ilíquida da Camargo Corrêa, não era adequada para um fundo já maduro, e ainda foi feita por um preço elevado, em um momento de alta histórica”, diz Mendes. Além disso, o processo de compra não obedeceu os procedimentos de governança interna da Petros.
Investigação e processo
Em função de todas essas irregularidades, houve uma investigação sobre a operação que foi concluída e enviada ao Ministério Público e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regula os fundos de pensão e a um escritório de advocacia que vai analisar a possibilidade de um processo de ressarcimento e ou responsabilização dos gestores da época. Mendes explica que a ação subiu 63% nos últimos 24 meses e foi vendida perto de seu maior valor histórico, atingido em outubro, mas a rentabilidade mesmo assim ficou abaixo da meta atuarial do fundo. “Isso isoladamente já mereceria um exame mais detalhado do investimento”, afirma.
Papel ideal para Fundação Zerrenner
Já para a Fundação Zerrenner, a questão da baixa liquidez do papel não tem grande importância pois ela não tem grande saída de caixa como um fundo de pensão. Ela era a dona da Antarctica e, quando a empresa se uniu com a Brahma, recebeu ações da Ambev como pagamento. Deste então, ela se dedica a pagar a assistência média aos ex-funcionários da Antarctica. Como seu desembolso é menor, para ela interessa ter ações de uma empresa sólida, que pague bons dividendos, mesmo sem liquidez, pois seu objetivo não é vender as ações, mas manter um fluxo de rendimentos.
Já no caso da Petros, a posição em Itausa era um problemai. “Houve uma convergência de interesses, nossos e da Fundação”, disse Mendes.
BRF é outra ilíquida
A Itausa era um dos ativos ilíquidos que o plano PPSP da Petros possui. O segundo é a empresa de alimentos BRF, mas com uma posição bem menor, cerca de R$ 3 bilhões. No caso da BRF, na qual a Petros é a maior acionista, com 11,5% do capital, o papel tem mais liquidez em bolsa e a fundação não tem interesse em vender agora, pois a ação está em uma situação de preço histórico ou de perspectiva, muito baixo.
A empresa apresentou prejuízos em 2016 e neste ano, o que reduziu as cotações. “O papel está em um momento de baixa, não é momento de vender, nem pensar nisso”, afirma Mendes. Segundo ele, porém, a empresa precisa melhorar os resultados. “Fizemos várias mudanças, trocamos o presidente, que sai no início do ano que vem, o Pedro Faria, mas as mudanças levam tempo para fazer efeito”, diz. A empresa é muito grande, a cadeia de produção é complexa, desde o milho até o produto industrializado, e qualquer mudança estrutural demora a dar resultados, explica. “Mas estamos trabalhando para melhorar a governança e a gestão.”
Liquidez para aproveitar as pechinchas de 2018
Mas há outras posições que também estão na lista de vendas por sua baixa liquidez, como ações de empresas fechadas ou fundos de participações, os FIPs. “A tendência é transformar tudo isso em posições líquidas”, afirma Mendes, que quer ter dinheiro na mão para aproveitar oportunidades que devem surgir no mercado no ano que vem. “O ano de 2018, por conta da eleição presidencial, deve ser mais volátil, e queremos ter liquidez para aproveitar as barganhas, como títulos públicos pagando juros acima de nossa meta atuarial ou mesmo ações mais líquidas e diversificadas”, explica.
Ele disse que o fundo não participou da oferta inicial da BR Distribuidora por uma questão de preço, mas lembra que o dinheiro da venda da Itausa também não entrou ainda. “O dinheiro só vai entrar semana que vem, e nosso comitê de investimento fez uma reunião hoje para decidir o que vamos fazer com o dinheiro da Itausa e de outras vendas”, diz. Segundo ele, haverá um plano de aplicação desses valores.
Mais R$ 5,8 bi de liquidez este ano com Iguatemi e Eldorado
Mendes lembra que a Petros vendeu em março sua participação de 10,2% na empresa de Shopping Centers Iguatemi por R$ 567,7 bilhões e, no dia 12 deste mês, a fatia que tinha na polêmica Eldorado Celulose, do Grupo J&F, por R$ 665 milhões. “Somando tudo, temos aí R$ 5,8 bilhões de liquidez”, afirma. “Uma parte disso vai continuar em renda variável, mas em ações mais líquidas, e parte irá para renda fixa”, diz Mendes. O processo de desmobilização desses ativos ilíquidos continuará ao longo de 2018, diz. “Preciso ter liquidez para pagar as aposentadorias”, explica. “Se não, vou ter de vender os ativos líquidos e o fundo ficará só com os ilíquidos.”
Ações da Vale na Litel
Além de Itausa e BRF, o plano PPSP tem ainda posições grandes na Litel, holding que controla a mineradora Vale, que está promovendo uma reestruturação que transformou suas ações preferenciais em ordinárias. Com isso, a Litel distribuirá as ações ON da mineradora para os sócios, em sua maioria fundos de pensão, que poderão então vender os papéis no mercado. “Hoje a liquidez das nossas ações na Litel é muito baixa, o dinheiro esta preso, não posso vender a hora que quiser, o que poderei fazer depois da reestruturação”, diz. “Mas isso também não quer dizer que eu vá vender de imediato, apenas que ficarei mais confortável para no momento que precisar contar com esse valor”, explica.
Segundo Mendes o “erro crasso” das gestões anteriores foi represar um grande volume de recursos em ativos ilíquidos em um fundo que precisava de liquidez. “Estamos tentando corrigir esse erro”, afirma. Para ele, na situação atual, ele fica como o passageiro do avião, assistindo o valor das ações e das empresas subir e cair sem poder fazer nada. “Não quero ser mais passageiro, quero ser o piloto, ter controle da situação”, afirma.
Menos ações no plano PPSP
A tendência é que a parcela de ações e renda variável no plano antigo, o PPSP, hoje de 30%, diminua ao longo dos próximos meses, afirma Mendes. Mas isso deve ocorrer lentamente e não eliminará totalmente as ações, apenas as substituirá por papéis mais líquidos e coerentes com a estratégia de pagamentos do plano. Já o plano novo, de contribuição variável, criado em 2007, deve ampliar sua fatia de ações e renda variável, hoje de 12%. ‘A situação está invertida, o plano antigo tem ações demais e o novo, de menos”, afirma Mendes.
Mais R$ 4,8 bi em empresas fechadas
A Petros tem também posições em empresas fechadas, como a Norte Sul e a Invepar. No total, essa parcela equivale a R$ 4,8 bilhões. Essas empresas o fundo avaliará se vende ou espera a maturação do investimento, afirma Mendes.
Benefícios pagos chegam a R$ 5 bi no ano
Mendes diz que este ano a Petros pagou em termos líquidos R$ 5 bilhões em benefícios, descontando já as contribuições. No ano que vem, esse pagamento será menor, pois não haverá os valores referentes ao Plano de Demissões Voluntárias (PDV) da Petrobras. Esse valor tem de ser pago pela rentabilidade dos ativos. Ele explica também que as vendas de ativos ilíquidos não está sendo usada para pagar os benefícios. “Ela é mais estratégica, para o caso de eu precisar no futuro não ficar preso, sem poder fazer nada”, diz.
Segundo ele, os planos tiveram perdas em outubro e novembro pela queda da bolsa e pelo aumento dos juros dos títulos públicos. Itaúsa foi um bom investimento, mas BRF foi péssima. “Mas não vamos vender agora, na baixa, ainda mais que temos 11,5% da empresa”, diz.
Ações judicias têm provisão de R$ 4 bi
A Petros também sofre com ações judiciais pedindo revisões de benefícios, afirma Mendes. Segundo ele, são 26 mil processos , que obrigam a fundação a ter reservas de R$ 4 bilhões para cobrir eventuais derrotas. “Temos uma contingência jurídica muito grande”, diz Mendes.
Maioria já está recebendo benefícios
Hoje, a Petros tem 146.325 participantes, sendo 72.355 ativos e 73.970 assistidos. Destes, a maioria está no PPSP, o maior, com R$ 60 bilhões em ativos e que tem benefício definido e já está em fase de desembolso. Já o plano mais novo, de contribuição definida, ou CV, tem R$ 17 milhões e cresce rapidamente. “No plano novo, estamos aumentando a parcela de renda variável com as contribuições”, explica.
Déficit atuarial: contribuições extras começam no ano que vem
Sobre o déficit atuarial da Petros, de R$ 27,7 bilhões, Mendes explica que ele deve começar a ser corrigido em janeiro ou fevereiro do ano que vem, quando começarão a ser cobradas as contribuições extras dos trabalhadores na ativa e dos aposentados. Em alguns casos, a contribuição vai triplicar em relação ao valor atual. A Petrobras e a BR também ajudarão, com metade do valor. O ajuste do plano PPSP ocorreu no balanço de 2015 e deveria ter começado a ser corrigido em 2016, mas como Mendes assumiu em setembro e sua equipe estava completa apenas em dezembro, a Previc autorizou o adiamento para 2018, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
A proposta foi corrigir todo o desajuste atuarial de uma vez, pois ajustes graduais só complicariam ainda mais a situação, explica Mendes. “Como você tem um passivo muito maior que o ativo sendo corrigido pela meta atuarial, o déficit cresce muito mais e acaba tendo de ser pago pelos participantes com outros ajustes sucessivos ao longo dos anos”, afirma Mendes. O melhor, portanto, é fazer o ajuste já de uma vez para estancar esse crescimento.
Mendes lamenta que o ajuste tenha de ser pago pelos participantes, especialmente os aposentados, que já não têm muita sobra de renda. “O efeito disso para os participantes é muito sério, grave, atinge o bolso fortemente das pessoas”, explica Mendes. “Ninguém quer ou gosta disso, mas não há saída, isso está na lei, e se não fizermos, a Previc vai decretar intervenção e fazer de qualquer jeito”, diz. O ajuste deve demorar 18 anos, estima Mendes.
40% do déficit foi por falta de ajuste do plano
O presidente da Petros explica por que a situação ficou tão grave. Segundo ele, 40% do déficit veio de questões estruturais, como o envelhecimento maior da população, pessoas tendo filhos mais tarde, casando mais vezes, e os ajustes estruturais do plano não foram feitos. Isso só ocorreu em 2015, quando então o déficit atuarial ficou visível.
Além disso, a rentabilidade dos investimentos não cobriu a meta atuarial, especialmente em 2013, 2014 e 2015, anos muito ruins para a bolsa e para a economia e as empresas. “Há a coincidência de crise econômica, que prejudicou os mercados, também com investimentos malfeitos mesmo”, admite Mendes.
A conjugação desses fatores levou ao mau desempenho das aplicações, que não cobriram a meta atuarial. Tudo isso provocou o déficit de R$ 27,7 bilhões no plano PPSP. O outro plano, o CV, está superavitário e é o maior do tipo na América Latina.
Segundo mendes, “dói no coração ver o quanto o ajuste vai afetar as pessoas que recebem aposentadoria, que já não ganham muito, vai ser bem negativo”, afirma. “Mas não há outra opção, pelo menos não na Petros.”