Em 30 dezembro de 2010, faltando apenas um dia para terminar o governo Lula, a construtora Camargo Corrêa vendeu ao fundo de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros) a participação acionária que detinha na holding de um grande banco por 3 bilhões de reais. Um negócio absolutamente normal na superfície. A transação, no entanto, só saiu depois da intervenção do ex-ministro António Palocci. No ano passado, como se descobriu recentemente, Palocci acumulou as atividades de deputado federal e consultor de empresas. As tratativas com a Camargo Corrêa começaram quando o ex-ministro já coordenava a campanha da presidente Dilma Rousselff e foram concluídas dois dias antes da posse, quando ele era o todo-poderoso chefe do governo de transição da presidente eleita, já anunciado como novo comandante da Casa Civil. Não houve contrato formal, até onde se sabe, nem pagamento pelo serviço. A Camargo Corrêa doou oficialmente 8,5 milhões de reais ao comitê eleitoral da campanha petista. Doou também para a campanha do candidato tucano José Serra. Não existem provas de que o acerto com a Petros tenha sido azeitado pela doação de campanha, mas, conhecendo os mecanismos de negócios entre as grandes empreiteiras e o estado brasileiro, é lícito indagar se sem a doação o negócio sairia da mesma forma.
Palocci sempre negou ter sido intermediário dos pleitos da empresa. “Não houve nenhuma prestação de consultoria, respondeu a VEJA, por escrito, quando ainda era ministro. Repetiu o desmentido em sua entrevista ao Jornal Nacional. A empreiteira também nega: “Mais uma vez, de forma expressa e específica, reforço que o ministro Palocci jamais prestou serviço ao Grupo Camargo Corrêa e ou suas empresas controladas ou coligadas de qualquer natureza por qualquer via em qualquer momento”. VEJA teve acesso a documentos que mostram o contrário. A Camargo Corrêa tentava vender, desde 2009. sua participação acionária na holding Itausa. Em tempos de crise global, não estava fácil encontrar investidores interessados em desembolsar valores tão elevados por ativos financeiros. A empreiteira bateu às portas dos maiores investidores líquidos do Brasil, os fundos de pensão das empresas estalais. A Previ, o fundo de aposentadoria do Banco do Brasil, aceitou conversar, mas não demonstrou muito entusiamo pelo negócio. Em três oportunidades, a área técnica do fundo manifestou restrições. Nos escalões superiores chegavam instruções políticas para “analisar o caso com carinho porque havia interesse direto do governo”. As ações também foram oferecidas à Petros. Há evidências de que António Palocci foi, nesse negócio junto à Petros, o portador das mensagens de interesse do governo. É um dos sócios da Camargo quem relaciona o ex-ministro à transação.
Os documentos aos quais VEJA teve acesso mostram que havia uma aparente discordância entre os donos empresa sobre a melhor forma de encaminhar o negócio. Uma ala, representada pelo sócio Fernando Botelho, achava que o melhor seria insistir na negociação com a Previ, confiante de que os obstáculos postos pela área técnica poderiam eventualmente ser contornados. A outra frente, liderada pelo sócio Luiz Nascimento, defendia a “solução política” que, afinal, prevaleceu. De acordo com os documentos obtidos pela revista, Nascimento dizia ter uma interlocução privilegiada com o “Palácio e a candidata”. O sócio da empreiteira afirmava ter ‘total controle” sobre “o médico”, codinome dado a Palocci, que é sanitarista por formação. Os documentos deixam claro que o desfecho positivo da “solução política” dependia da eleição de Dilma Rousseff — e da posição que Palocci ocuparia no futuro governo. Fica evidente que a empreiteira decidiu fazer uma aposta de risco ao apoiar fortemente a campanha petista, posicionamento considerado uma “aventura” pelo grupo que não confiava na tal “solução política”.
Nos documentos, o caso é epigrafado como a “Novela da venda das ações do Itaú”. No início de outubro do ano passado, quando a vitória de Dilma parecia certa, um dos sócios escreveu que, apesar das garantias obtidas, era o caso de esperar porque, ainda que Palocci viesse mesmo a ser “o poderoso”, com trânsito e interlocução direta com Dilma e o PT, a venda só seria concretizada com a conjunção dos seguintes fatores: Dilma eleita, Palocci confirmado como homem forte e, claro, cumprida a promessa feira pelo então deputado. O sócio da Camargo escreveu o que, talvez, explique o porquê de nem a empreiteira nem o ministro poderem admitir a ajuda. O documento sugere que a “promessa” de Palocci estava vinculada às doações da empresa à campanha de Dilma. Em determinada passagem, um dos sócios, ainda receoso, pondera que “ainda bem” que tudo foi feito de maneira “legal”. VEJA conversou com um executivo envolvido na operação. Ele explicou que o “apoio” em questão é o dinheiro que a empreiteira injetou na campanha petista após julho de 2010. “O fechamento do negócio dependia do resultado da eleição”, conta o executivo. A compra das ações foi aprovada por unanimidade pelos conselheiros do fundo em 5 de outubro, dois dias depois da votação em primeiro turno das eleições, e concretizada em 30 de dezembro, a dois dias da posse de Dilma.
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