A indústria de fundos de pensão recebeu com surpresa a intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) no Postalis, instituto de previdência complementar dos Correios. Não pela medida, mas pelo momento em que se deu: anos depois de deflagrados os escândalos de corrupção e com uma diretoria hoje reconhecida pela disposição de colocar a casa em ordem. O entendimento do regulador foi que esse compromisso não seria suficiente para resolver os problemas, apurou o Valor. O histórico de investimentos malsucedidos, contas reprovadas e problemas de governança exigia, na visão da autarquia, uma medida urgente.
A medida está em linha com o posicionamento da Previc, que quer ser vista efetivamente como um regulador mais rigoroso, de acordo com uma fonte. O encarregado de fortalecer a imagem é o diretor-superintendente Fábio Coelho, que exerce o cargo interinamente desde março – a perspectiva é de que será efetivado, mas não há previsão. Coelho é servidor de carreira do Banco Central e na Previc foi diretor de assuntos atuariais, contábeis e econômicos, além de coordenador-geral de pesquisas da área.
A autarquia guarda sigilo sobre os motivos da intervenção, mas a gota d’água teria sido a decisão dos dirigentes afastados de terceirizar a gestão de créditos podres que já tinham sido baixados para prejuízo. A operação não está prevista na resolução 3.792, que regulamenta os investimentos dos fundos de pensão.
No fim de 2016, o Postalis transferiu bilhões de créditos podres de seus dois planos para fundos de direitos creditórios e contratou as gestoras Jive, Novero e Cadence para geri-los. Os ativos podres foram provisionados em cerca de R$ 2,5 bilhões e, ao serem transferidos para os FIDCs, foram avaliados em cerca de R$ 1 bilhão, resultando num ganho contábil. A auditoria independente não forneceu parecer e o conselho deliberativo da fundação rejeitou as contas do plano de benefício definido, o Plano BD, que em 2016 teve déficit de R$ 1,1 bilhão. Outro plano, o Postalprev, de contribuição variável e que registrou superávit de R$ 84,7 milhões no ano passado, teve as contas aprovadas com ressalvas da auditoria.
“São dois os problemas do Postalis. Aquele antigo, dos investimentos que estão sendo apurados, e este novo, envolvendo a questão contábil. Acho que a intervenção resolve rápido, antes dos 180 dias previstos pela Previc”, diz um executivo do setor de fundos de pensão. Ainda não há mais detalhes. Os conselheiros afastados vão se reunir nesta quarta-feira com o interventor nomeado Walter Parente e esperam ter mais esclarecimentos.
Na gestão atual, os problemas de governança foram notados pela Previc em manifestações ao Postalis, o que na visão tanto dos conselheiros quanto da direção era considerado natural no dia a dia da entidade, por conta dos problemas anteriores. “Depois de tudo que aconteceu não nos dávamos o direito de não desconfiar de nada”, afirmou um membro do conselho fiscal.
Em meados deste ano, a Previc chegou a interferir na decisão dos Correios em relação a representantes indicados pela própria empresa na fundação, o que também teria pesado na decisão pela intervenção. Fontes ligadas ao Postalis dizem que a patrocinadora queria destituir membros dos conselhos fiscal e deliberativo antes do final do mandato, o que é proibido pelo estatuto da entidade. A Previc determinou que fossem recolocados.
A tempestividade da atuação foi questionada por participantes do setor. “Desde 2012 se ouve falar de absurdos no Postalis, mas por que a Previc agiu apenas agora?”, questiona um conselheiro. Diante dos problemas, representantes de funcionários chegaram a pedir a intervenção em 2014 – o que não aconteceu. A fundação dos Correios tem o maior número de participantes ativos do sistema: são 117.057 pessoas, além de 26.139 assistidos, segundo a Abrapp, associação que representa o setor. Os investimentos estão avaliados em R$ 10,3 bilhões.
Os problemas do Postalis começaram a estourar em 2012, quando os resultados negativos saltaram aos olhos: o déficit naquele ano saltou para R$ 985 milhões, ante R$ 393 milhões em 2011. Já em 2013, o rombo subiu para R$ 1,9 bilhão, triplicando para R$ 5,6 bilhões em 2014 – desse total, R$ 3,4 bilhões tiveram origem nos recursos aplicados no mercado financeiro, segundo a CPI dos Fundos de Pensão, realizada em 2015.
Foram vários os casos noticiados sobre elevados prejuízos em investimentos malsucedidos. Entre os mais comentados estão a troca de títulos da dívida pública brasileira por papéis da dívida da Argentina e Venezuela, aquisição de cotas do Banco BVA na iminência de sua falência e o investimento na Usina Canabrava. O Postalis aportou recursos em debêntures do agora falido Grupo Galileo e no projeto da Nova Bolsa de Valores, que não saiu do papel.
Desde 2006, a Previc instaurou 59 autos de infração contra o Postalis – metade em 2015. Dois anos antes, já havia multado e inabilitado dirigentes, incluindo o ex-presidente Alexej Predtechensky, como resultado de alguns desses processos.
A entidade foi um dos alvos da CPI dos Fundos de Pensão e de operações da Polícia Federal, como a Recomeço em abril de 2016, que investigou os investimentos no Galileo, e a Greenfield, em setembro do ano passado. Na ocasião, o ex-presidente Predtechensky foi conduzido coercitivamente – ou seja, levado a depor e liberado. Antes disso, ele já havia sido denunciado pela Procuradoria da República, em São Paulo. Junto com outros sete investigados, foi acusado de fraude R$ 465 milhões no fundo de pensão dos Correios.
Um dos pontos nevrálgicos da história do Postalis tem a ver com o banco americano BNY Mellon, que era seu agente fiduciário. A fundação acusa a instituição de gerar um prejuízo de cerca de US$ 1,5 bilhão e move seis ações contra ela na Justiça brasileira, relacionadas a fundos de investimento que apresentaram problemas como Serengeti, São Bento, Tejo e Riviera, além de operações envolvendo o Fundo de Compensação de Variação Salarial. Em maio deste ano, o então presidente André Motta e o diretor de investimentos Christian Schneider foram aos Estados Unidos pedir ajuda de autoridades no caso. Com a saída de Motta pouco depois, Schneider assumiu a presidência, mas foi afastado na intervenção.
O Postalis também foi alvo do Tribunal de Contas da União (TCU), que em abril determinou o bloqueio dos bens de ex-dirigentes. Na ocasião, o relator do processo, ministro Vital do Rêgo, classificou de “assombrosos” os achados da fiscalização.
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