VAI JORRAR PETRÓLEO

PRÉ-SAL, O RETORNO Campo de Carcará, na Bacia de Santos: a área ao norte é uma das joias que vão a leilão

0 governo federal lança na semana que vem o primeiro de uma série de leilões com alto potencial de chacoalhar a adormecida indústria de extração. O CEO da gigante Statoil conta por que vai entrar com tudo na disputa.

Depois de quatro anos de quase paralisia na venda de blocos de exploração de petró­leo (à exceção de um malsucedido leilão em 2015), o Brasil volta ao tabuleiro global a partir da quarta-feira 27. Serão três ro­dadas de leilões em um mês, dois de campos do pré-sal. O governo espera arrecadar cerca de 8 bi­lhões de reais nas concorrências, uma injeção de ânimo no com­balido caixa federal e uma boia de salvação para o Rio de Janei­ro, onde 30% da economia gira em torno do chamado ouro ne­gro. Quarenta empresas plane­jam entrar na briga por um espa­ço em águas brasileiras, entre elas os gigantes Shell, Total e Statoil, da Noruega, cujo CEO, o economista Eldar Saetre, 61 anos, esteve no Brasil para defi­nir estratégias. À frente de uma companhia com operação em 35 países e faturamento na casa de 45 bilhões de dólares por ano, ele falou a VEJA sobre sua visão do país — ciente dos problemas que abalam Brasília, sua ótica não é idílica, mas otimista em re­lação à economia em geral e ao mercado de petróleo em particu­lar, menos tutelado agora pelas mãos do Estado. Em sua visita, Saetre encontrou-se com o pre­sidente da Petrobras, Pedro Pa­rente, a quem contou sobre co­mo a Statoil conseguiu desarti­cular sua própria teia de corrup­ção (sim, também aconteceu ali). A seguir, os principais trechos da entrevista.

AVANÇOS NO HORIZONTE

“Pela primeira vez, vejo no Bra­sil um calendário de leilões de mais longo prazo, para os próxi­mos três anos. Sabe-se agora quando e como será ofertada ca­da área de exploração. E previsibilidade é tudo em um negócio. Outro ponto positivo é o fim da obrigatoriedade de ter a Petro­bras como sócia em todos os campos do pré-sal. Também ve­jo com bons olhos a flexibiliza­ção da política do conteúdo na­cional, que determinava a com­pra de uma enormidade de itens produzidos pela indústria local. Na Noruega, tivemos, sim, políti­cas semelhantes, mas os porcentuais não eram tão altos quanto os daqui, e as empresas locais eram mais competitivas.”

REGRAS INSTÁVEIS

“Mesmo com tantas adversidades, chama atenção como as instituições brasileiras continuam funcionando, em especial o Poder Judiciário. E claro que a possibilidade de mudan­ças na regulamentação da indústria do petróleo depois das eleições de 2018 preocupa, mas não acredito que algum político vá nessa dire­ção. Estamos atentos ainda à ques­tão dos impostos, sempre sujeitos a muita imprevisibilidade no Brasil. Trata-se de um problema que vai além da alta tributação. Na Norue­ga, pagamos 78% de impostos so­bre a atividade petrolífera. E um va­lor alto, sem dúvida, mas não muda. Nem me lembro da última vez em que houve alguma alteração.”

O RISCO DA PROPINA

“Ficamos impressionados na No­ruega com a extensão da Operação Lava-Jato e com as sucessivas noticias sobre corrupção no Brasil. Quando comecei a tomar ciência do escopo, pensei: “Meu Deus, isso não é um simples caso isolado, é sistêmico”. Não conheço o empre­sário Eike Batista, mas qualquer prisão dessa natureza repercute no mercado. Um caso de corrupção de tamanha magnitude impacta, sem dúvida, a reputação da atividade de exploração de petróleo em um país. Por isso, do ponto de vista dos ne­gócios, sempre incluímos a variável corrupção no mapa de riscos antes de investir onde quer que seja. E, aplicando-a à realidade brasileira, afirmo: o Brasil vale a pena.”

MUDANÇA DE HÁBITOS

“Quando foi revelado que funcioná­rios da Statoil pagaram propina a autoridades do Irã, em 2003, o CEO foi demitido, e com ele todos os dire­tores no alvo das denúncias. E a par­tir do topo que se rompe a cultura antiga de uma organização e se começam a implantar novos hábitos. Estabelecemos um programa para fiscalizar e aprimorar condutas e passamos a treinar funcionários dentro dessa cartilha. Mas não adianta apenas pôr medidas bonitas em um pedaço de papel. A mudança leva anos para se consolidar, e o ma­nual não fica congelado no tempo: o que hoje é admissível, amanhã pode não ser mais. A discussão sobre ética tem de ser permanente e não deixar nem mesmo o que soa tolo de fora. As questões vão desde ‘posso aceitar uma caneta de presente?’ até ‘quais os limites ao lidarmos com empresas de nossa cadeia produtiva?’.”

ESFORÇO LOCAL

“Percebo o empenho de Pedro Parente em promover mudanças profundas de processos e cultura na Petrobras. Nós podemos aju­dar nessa caminhada, passando experiência na construção de um sistema baseado em um controle mais rígido do dinheiro, que implantamos depois de também nos ver enredados em corrupção. Na Statoil, aprendemos que a chave está em conhecer e monitorar de forma minuciosa o fluxo de caixa da empresa e pôr o tema da corrupção na mesa, abertamente, pa­ra estabelecer os parâmetros éti­cos de maneira clara.”

A MÃO LEVE DO ESTADO

“O governo norueguês é dono de dois terços da Statoil, mas passa longe do dia a dia da empresa. Ele não participa das grandes deci­sões, muito menos define a estraté­gia dos negócios. Essas são atribui­ções do corpo diretor, que, a pro­pósito, não tem nenhum represen­tante do Estado. Zero. No máximo, prestamos contas sobre bônus pa­gos a alguns executivos. Hoje, nin­guém fala em privatização da Sta­toil porque o governo é um bom dono. Não interfere, respeita os ou­tros acionistas e não se opõe a uma gestão profissional. Ao contrário.”

ÓLEO NO FUTURO

“Para quem acha que o petróleo perderá relevância em pouco tem­po, é bom lembrar que os combus­tíveis que movem o transporte de carga por terra, água e mar cor­respondem a 50% da demanda mundial. Em um planeta em que a população chegará a 9 bilhões nas próximas décadas, ainda vamos precisar de petróleo por muitos anos. O Brasil está no mapa.”

Revista Veja