Até o fim do ano, 220 mil terão descontos em salário para arcar com prejuízo por má gestão
Luciana Dyniewicz, O Estado de São Paulo
10 Julho 2017 | 05h00
Era 1953, quando, aos 23 anos, Maria Augusta dos Santos começou a trabalhar na área administrativa da Caixa Econômica. Trinta anos depois, ela deixou o banco com uma aposentadoria de R$3.564, em valores atualizados. Agora, aos 86 anos, teve uma redução no seu salário: o contracheque vem com um desconto de R$ 99,90 – valor que, a partir deste mês, aumentará para R$ 379,20. Maria Augusta é uma das centenas de milhares de aposentados que estão pagando a conta por casos de má gestão e desvios em fundos de previdência complementar.
Assim como ela, cerca de 142 mil funcionários e aposentados da Caixa e dos Correios sofrem descontos mensais para cobrir rombos dos fundos Funcef e Postalis, respectivamente. O número dos que terão de arcar com o prejuízo de fundos de pensão ficará ainda maior, já que cerca de 77 mil trabalhadores da Petrobrás foram notificados de que, até o fim do ano, também passarão a contribuir para a redução do déficit de R$ 26,8 bilhões de um dos planos da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros). O porcentual dos descontos será definido nos próximos meses.
Como os funcionários, as patrocinadoras (Correios, Caixa, Banco do Brasil e Petrobrás) também aportam recursos para cobrir os rombos – 50% é pago por elas e 50% pelos trabalhadores.
Embora também esteja sob investigação, a administração da Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, é considerada mais responsável por especialistas. No entanto, há um plano no fundo do BB cujo déficit alcança R$ 13,1 bilhões e que reúne contribuições de 103,1 mil profissionais. Por enquanto, esses funcionários não sofrem com descontos, já que os investimentos feitos pela Previ renderam, nos últimos anos, o suficiente para equacionar parte do rombo. Essa tendência, porém, pode mudar se os investimentos não remunerarem, neste ano, o suficiente para cobrir o resultado negativo de R$ 1,44 bilhão de 2016.
CPI. Os déficits bilionários dos fundos começaram a ser motivo de preocupação para os trabalhadores quando surgiu a CPI dos Fundos de Pensão, em 2015. As apreensões ganharam força no ano passado, com a Operação Greenfield, da Polícia Federal. Tanto as investigações da CPI como as da operação apontam desvios bilionários nos fundos. Um dos casos mais polêmicos é o de um investimento feito pela Funcef na Sete Brasil, empresa de sondas para a exploração de petróleo que se mostrou foco de corrupção na Lava Jato. O aporte de R$ 1 bilhão na companhia é apontado como uma das fontes de prejuízo na Funcef.
“Não tenho culpa que houve roubo (no fundo)”, diz Maria Augusta. “Agora, estão descontando de mim. Tenho 86 anos, estou bastante doente e há mês em que gasto mais de R$ 1 mil com remédios”, afirma a aposentada, que também recebe benefício do INSS.
Comparação. Sobrinha de Maria Augusta, Selma de Medeiros, 64 anos, também é aposentada da Caixa. É ela quem leva as informações sobre os cortes nos salários para a tia. “Pode ser que parte desse déficit seja conjuntural, sabemos que o mercado passou por uma situação atípica. Mas, quando se vê que fundos privados não tiveram prejuízos como o nosso, percebe-se que há algo errado”, diz.
O receio dos trabalhadores é que os descontos têm crescido. Até junho, a Funcef descontava 2,78% dos participantes do plano com prejuízo. A parcela cobria o déficit de 2014. Agora, para equacionar o déficit de 2015, esse número subirá para 10,64%. Até dezembro, o fundo deverá apresentar uma proposta para o prejuízo de R$ 6 bilhões de 2016. “Imagina aonde devem chegar esses descontos, que estão programados para serem feitos por 17 anos”, indaga Selma.
Procurada, a Funcef afirmou que trabalha com o Ministério Público e a Polícia Federal para obter indenizações pelos prejuízos sofridos, além de ter adotado medidas para aumentar a transparência. A Petros informou que reforçou os critérios de decisão de investimentos e que comissões internas estão apurando eventuais irregularidades. Procurada, a Previ destacou que seu déficit é conjuntural e não decorre de casos de corrupção ou má gestão. O fundo ressaltou que seus dirigentes não foram indiciados pela CPI dos Fundos de Pensão.
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,trabalhador-cobre-rombo-de-fundos-de-pensao,70001883385
Desconto de aposentados dos Correios chegará a 20%
Plano previdenciário com déficit de R$ 7,4 bilhões conta com 84,2 mil participantes, que são cobrados desde 2013
Luciana Dyniewicz, O Estado de São Paulo
10 Julho 2017 | 05h00
Entre os beneficiários de fundos de pensão com déficit, os do Postalis (patrocinado pelos Correios) são os que se encontramem situação mais dramática. O corte atual em suas aposentadorias beira os 18% e, até o fim do ano, deverá chegar a 20%.
Dos dois planos de previdência do Postalis, o mais antigo é que apresenta déficit – de R$ 7,4 bilhões. Esse plano tem 84,2 mil participantes e todos contribuem para cobrir o rombo.
Romez Chicani, de 67 anos, vê os descontos sendo feitos de sua aposentadoria mês a mês desde 2013. “Nos enfiaram isso (os descontos) goela abaixo”, diz indignado.
Chicani trabalhou nos Correios como motorista até 2009, quando saiu em um PDV (Plano de Demissão Voluntária). Hoje, deveria ter um benefício bruto de R$ 1.656,79, mas R$ 296,89 (17,92%) são retidos para equacionar o déficit. Outros 2,73% passarão a ser descontados por causa do prejuízo de 2015 – o de 2016 ainda não foi discutido. “É difícil, viu? Para mim, esse valor é muito importante. Dá quase R$ 3 mil por ano. Seria uma viagem que eu poderia fazer com minha mulher.”
Chicani e a esposa vivem com a aposentadoria dos Correios e outra de R$ 3 mil do INSS. Ele se mostra irritado sobretudo com o fato de que os descontos serão feitos por 23 anos. “Acha que vou viver mais 23 anos? Eu vou pagar isso é pelo resto da minha vida”, afirma. “Nos roubaram. Milhões de reais foram aplicados entre aspas. Onde já se viu comprar empresa falida?”
Negligência. Chicani se refere à compra de debêntures do Grupo Galileo, realizada em 2011, que teve como garantia as mensalidades do curso de medicina da Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. A Galileo, no entanto, acabou falindo. Esse é apenas um dos casos suspeitos em que o Postalis se envolveu. O Tribunal de Contas da União (TCU) já detectou prejuízo de R$ 1 bilhão ao fundo gerado por investimentos negligentes.
A esperança de Chicani – e de outros aposentados do Postalis – é que multas emitidas pela Justiça resultem em indenizações. O acordo de leniência da J&F, por exemplo, resultou em R$ 2 bilhões para a Funcef (fundo da Caixa Econômica Federal) e R$ 2 bilhões para a Petros (da Petrobrás).
O Postalis informou que, desde os escândalos envolvendo o nome do fundo, reforçou as exigências para que um investimento seja aprovado. As análises, por exemplo, passaram a ser feitas pelo Comitê de Investimentos e por um dos órgãos colegiados do fundo. “O Postalis vem trabalhando para melhorar a sua governança e já conseguiu importantes avanços para assegurar que os investimentos sejam feitos de maneira mais segura, transparente e com menor exposição a riscos”, afirmou em nota.