Por João Vinhosa
Recentemente, referindo-se à prisão de dois ex-gerentes da Petrobras, o jornalista Ricardo Boechat foi direto ao ponto: “os dois vagabundos estavam enfiados até o talo, junto com o outro que os delatou, em desvios de grana para apoiar o esquema político de corrupção lá dentro”.
Continuando, Boechat falou com muita propriedade: “Sem o apoio da área técnica da Petrobras, e é de gerente para baixo – repito, de gerente para baixo –, a grande mamata que aconteceu na estatal durante décadas não teria acontecido. Porque o político indica o diretor… para roubar. O diretor monta uma operação dentro da empresa… para roubar. E até aí você tem um esquema político. Mas quem viabiliza tecnicamente este esquema, quem lhe dá viabilidade, trânsito técnico, é a área técnica, é o corpo estável da empresa, é o que vai definir a bitola do oleoduto, a taxa de pressão ambiental do deslocamento do gás, a profundidade da perfuração da sonda, o tamanho do navio petroleiro. Isso quem vai definir é o técnico, é o subtécnico, é o subgerente, é a área de engenharia, área de prospecção, área de exploração”.
Incontestavelmente, a preocupante constatação escancarada por Boechat não pode ser analisada desconsiderando os procedimentos suspeitos e as omissões da Petrobras diante das denúncias de pessoas (funcionários e não funcionários) que cobram providências da empresa sobre atos lesivos a seu patrimônio.
Exemplo gritante da omissão da Petrobras é retratado nas duras palavras que constam da manifestação feita pelo acionista minoritário da Petrobras Romano Allegro na última Assembleia realizada pela empresa em 27 de abril último.
Da manifestação do acionista Romano, os seguintes trechos devem ser ressaltados: “Um retrato fiel da indiferença da Petrobras com os denunciantes de atos lesivos à empresa pode ser visto no caso da Gemini – sociedade da Petrobras com a White Martins para produzir e comercializar Gás Natural Liquefeito (GNL). Nos anos de 2006, 2007 e 2008, o jornal do Sindipetro publicou gravíssimas matérias, acusando a Gemini (que entrou em operação em meados de 2006) de ser altamente lesiva ao interesse da Petrobras. Mais: as matérias publicadas pelo jornal do Sindipetro, com charges contundentemente criativas, denunciavam a prática de corrupção no ‘caso Gemini’ da forma mais explícita possível”.
Exemplificando as denúncias do sindicato dos petroleiros, o acionista Romano esclareceu: “Numa das matérias publicadas no jornal do Sindipetro-RJ (datada de 23/03/06) pode-se ver uma charge bastante sugestiva: um homem com uma mala recheada de dinheiro na qual se encontra gravado o nome da sócia majoritária da Gemini, a White Martins. Em outra matéria, publicada em 03/08/07, sob o título ‘Petrobrás entrega mercado de GNL aos EUA’, uma charge mostra a mão do Tio Sam acionando um cilindro de gás de onde jorra dinheiro (notar que a White Martins pertence ao grupo norte-americano Praxair Inc.)”.
Ainda sobre a Gemini, Romano fez registrar o seguinte na Ata da Assembleia: “Acontece que a alta direção da Petrobras não só ignorou as denúncias do Sindipetro como também conseguiu que o combativo sindicato se silenciasse, absorvendo o afrontoso dano causado ao interesse da Petrobras pela sociedade Gemini. Com toda a certeza, caso o Sindipetro não tivesse sido calado, as falcatruas contra a Petrobras não chegariam ao ponto em que chegaram, originando uma investigação criminal contra a Gemini (no âmbito da Operação Lava-Jato) do porte do Procedimento Investigatório Criminal – PIC – nº 1.25.000.003368/2015-90”.
Depois de falar sobre o “escândalo Gemini”, sobre o qual a Petrobras insiste em não se manifestar, Romano apresentou os procedimentos da Petrobras diante de dois casos de funcionários que denunciaram atos lesivos à empresa.
Um dos casos é o do Engenheiro de Petróleo José Netto que, em mensagem encaminhada ao presidente Pedro Parente foi de uma sinceridade impressionante: “Muito antes da Lava Jato expor as vísceras podres dos corruptos, investidores e pequenos acionistas já vinham denunciando nossa perda de credibilidade técnica.”
O outro caso é o do Geofísico Oscar Magalhães. Indignado com a situação a que chegou a Fundação Petrobras de Seguridade Social – Petros, Magalhães encaminhou documento à Ouvidoria da Petros, questionando dados técnicos do empreendimento da Fundação na Bahia, denominado Construção da Torre Pituba.
Em resposta, a Ouvidoria da Petros declarou que “o Contrato de Construção da Torre Pituba é regido por Cláusula de Sigilo.” Além disso, a Petros afirmou que “A auditoria da Petrobras e a fiscalização da Previc não constataram qualquer irregularidade no projeto de Ampliação do Conjunto Pituba.”
Inegavelmente, esta alegação da Petros seria cômica, se não fosse trágica. Ela se parece com a alegação dos políticos acusados de recebimento de propinas via Caixa 2. Os políticos apresentam a justificativa que tiveram suas contas aprovadas pela Justiça Eleitoral. A Petros se justifica com a auditoria da Petrobras e a fiscalização da Previc.
Quanto aos procedimentos suspeitos da Petrobras contra funcionários que denunciam atos lesivos a seu patrimônio, o melhor exemplo é o que consta do depoimento prestado recentemente ao Ministério Público por Oscar Magalhães, o geofísico sênior acima citado, que, depois de trabalhar 32 anos na Petrobras, foi demitido por denunciar desmandos na empresa.
Em seu depoimento, Oscar afirmou que:
“em 2011, fez denúncias formais nos canais internos da companhia (ouvidoria), relatando a prática de atos de corrupção pelos gerentes executivos ligados à área de recursos humanos, bem como de gerentes e diretores da PETROS”;
“em 03 de novembro de 2014 enviou e-mail para a então presidente da Petrobras sra. Graça Foster denunciando suas suspeitas sobre a prática de atos de corrupção nos programas de patrocínio da Petrobras relacionados à área de comunicação institucional, e, a partir deste e-mail, passou a sofrer assédio moral por parte de sua gerência, tendo recebido advertência por escrito sob alegação de que seus e-mails eram ofensivos tendo também sido designado para realizar trabalhos sem relevância ou mesmo desnecessários”;
“em 30 de janeiro de 2015, enviou a mesma documentação que havia enviado para a Graça Foster aos Procuradores da Lava Jato aos quais respondera que iriam tomar as providências necessárias para o encaminhamento das denúncias”;
“em 24 de fevereiro de 2015, encaminhou e-mail para o então presidente da Petrobras sr. Aldemir Bendini cobrando providências sobre denúncia formulada pela CGU envolvendo o então gerente de setor da comunicação da Bahia Darcles Andrade de Oliveira, que seria dono, por intermédio de sua esposa, de postos de gasolina que mantinham contratos milionários com prefeituras da Bahia”;
“após esse e-mail, em 09 de março de 2015, o departamento do RH da UO-BA solicitou, com urgência, que se fizesse a contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria do Darcles, o que fugia da normalidade nesse tipo de procedimento; em razão dessa ‘urgência’, enviou notificação à ouvidoria da Petrobras”;
“em junho de 2015 enviou e-mail para Ademir Bendini criticando o patrocínio realizado pela companhia para viabilizar a realização de uma passeata; em razão de seu conteúdo trouxe prejuízo à imagem da empresa sendo que por esse e-mail recebeu punição de suspensão de 3 dias a qual foi aumentada em mais 10 dias sob argumento de que a ‘diretoria’ teria sido por ele desrespeitada”;
“entre essa data e 2016 ficou por dez meses sem receber nenhuma tarefa tendo comunicado esse fato ao agora Presidente da companhia Pedro Parente, sendo que nada foi feito a respeito”;
“em 03 de abril de 2017, o gerente jurídico na Bahia, Dr. Celso Villa, fez denúncia no jornal Tribuna da Bahia que a companhia perdeu propositalmente 70 milhões em uma ação de indenização;
“o jurídico não teve uma atuação efetiva na defesa da empresa; o jurídico da companhia pode ter envolvimento direto nos atos de corrupção, tanto que os contratos da licitação já vinham prontos para serem aprovados. Quem pode dar mais detalhes é um dos advogados da companhia Dr. Fernando de Castro Sá, lotado no Rio de Janeiro;
“ a companhia tem problemas na formulação de projetos (execução, supervisão e fiscalização), tanto que os projetos da Comperj, Abreu e Lima, Maranhão, etc., tiveram seus valores subestimados e o preço real ultrapassou mais de 10 vezes, sendo que muitos projetos sequer saíram do papel; a pessoa que pode detalhar esses fatos é o sr. José B. Menezes Netto, Engenheiro de Petróleo lotado no Rio de Janeiro, o qual formulou denúncia a esse respeito perante a ouvidoria já em 2009 (denúncia nº.15180/2009), a qual pode ser solicitada diretamente na ouvidoria geral;
“em 26 de abril de 2017, na parte da manhã, enviou correspondência para a Diretoria avisando que se preocupava com o fechamento da unidade TAQUIPE e a reformatação do banco de dados com a finalidade de preparar a empresa para a venda; após o envio desse e-mail, foi demitido no final da tarde”;
“todos esses problemas na empresa, decorrentes do assédio que sofreu, lhe causaram problemas de saúde graves e permanentes.”
Uma palavra final: Ninguém pode ter qualquer dúvida sobre a gravidade da situação. Diante dessa preocupante soma de fatos (existência de “vagabundos” enfiados até o talo em desvios de grana, como diz o Boechat; prática de autêntico bullying funcional que massacra psicologicamente a pessoa atingida, como diz o Romano, etc.), é impossível alguém ousar negar que providências urgentes terão que ser tomadas para evitar que a situação chegue a um ponto de deterioração irreversível.
João Vinhosa é Engenheiro.
http://www.alertatotal.net/2017/05/a-petrobras-seus-funcionarios-e-ocrim.html