Produtora de celulose de eucalipto da holding J&F Investimentos, a Eldorado Brasil pode sair praticamente ilesa do turbilhão provocado pela delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista e outros executivos da holding. Com a assunção de culpa pelos acionistas controladores, a companhia ganhou uma espécie de blindagem, que retira de seus ombros a responsabilidade por irregularidades cometidas antes, durante e depois de sua constituição.
Mas até que seja assinado o acordo de leniência da J&F e estejam definidos seus termos, a postura da Eldorado é de cautela. Com endividamento líquido de quase R$ 8 bilhões, equivalente a cerca de 5 vezes o resultado operacional anualizado, a empresa colocou o foco imediato na publicação das demonstrações financeiras auditadas do primeiro trimestre até quarta-feira, 31 de maio, sob o risco de antecipação do vencimento de dívidas por descumprimento do prazo.
Outra prioridade é garantir a rolagem de R$ 1,5 bilhão em linhas de trade finance, o que garantirá que a situação financeira da companhia permaneça sob controle ao longo deste ano, nas palavras do presidente José Carlos Grubisich, em entrevista ao Valorna sexta-feira. “A Eldorado nunca esteve em um momento tão positivo de fluxo de caixa e de sua operação”, afirma o executivo. “Não temos problemas de solvência ou liquidez”, acrescenta.
Com cerca de R$ 1,2 bilhão em caixa e equivalentes em 31 de dezembro, a Eldorado tem de fazer frente a vencimentos de R$ 2,4 bilhões (incluindo o trading finance) até o fim deste ano. No ano passado, por causa do descumprimento de obrigações estabelecidas em contratos de dívida, a empresa negociou o perdão (“waiver”) com credores que representam R$ 6,7 bilhões de sua dívida bruta, de mais de R$ 9 bilhões. As negociações prosseguiram até março deste ano, o que foi motivo de ressalva por parte do auditor independente às demonstrações financeiras anuais.
Num primeiro momento, a leitura foi a de que a delação dos irmãos Batista poderia fragilizar a companhia, diante da maior dificuldade de renegociação de passivos e do dano à reputação do grupo. Agora, porém, já há quem avalie que a Eldorado poderá se beneficiar do fato de o controlador ter assumido, sozinho e sem inclui-la no acordo de leniência, todos os atos ilícitos que beneficiaram o negócio de celulose: pagamento de propina para garantir a liberação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do FI-FGTS e da Caixa; pagamentos irregulares a ex-executivos dos fundos de pensão Funcef e Petros (que são acionistas); entre outros.
A percepção dentro do próprio grupo JBS, apurou o Valor, é a de que a assunção de crimes pela holding e por Joesley retira a suspeição que ronda a companhia de celulose desde meados do ano passado, com a deflagração das operações Sépsis e Greenfield, e poderá reabrir as portas para a chegada de um novo sócio ou até mesmo à eventual venda da empresa. Todavia, se desfazer do ativo, observa Grubisich, não está no horizonte dos acionistas.
Segundo o executivo, a J&F, dona de 80% do capital, direta e indiretamente, tem a meta de consolidar a Eldorado como uma competitiva e poder fazê-la crescer.
Ele refuta alegações de facilidades à empresa no empréstimo do BNDES, de R$ 2 bilhões, dizendo que a Eldorado teve as condições mais severas e custos do setor.
Superada a turbulência atual, a Eldorado quer retomar conversas com um potencial novo sócio, que poderá injetar até US$ 1 bilhão na empresa para viabilizar o projeto de expansão de mais de R$ 10 bilhões da fábrica de Três Lagoas (MS). Segundo reportagem do Valor, a J&F aguarda o fechamento do acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) e órgão americano (DoJ) para deslanchar um processo de venda de ativos. São apontados, além da Vigor, a Alpargatas e Eldorado, além de outros negócios.
Para a agência de classificação de risco Fitch, que cortou a nota da empresa na quarta-feira de “B+” para “B” em escala global e as colocou em observação para possível novo rebaixamento, a situação não é tão confortável assim. Segundo informou, como as dívidas de curto prazo superam as disponibilidades de caixa, a Eldorado precisa refinanciar obrigações e vender ativos, e iniciativas dessa natureza devem ser afetadas pelas revelações da J&F. Investidores externos também não digeriram toda essa situação. Assim, os bônus da empresa negociados no mercado internacional chegaram ao valor mais baixo desde sua emissão, em meados do ano passado, na terça-feira: 71,2% do valor de face.
O presidente da Eldorado contesta a avaliação da agência e diz que a companhia já se posicionou formalmente. “A Fitch não reconhece o momento de negócio da Eldorado e colocou a avaliação de risco geral ligada ao que ocorreu na semana passada [a delação]”, diz. Segundo ele, a melhora dos preços internacionais da celulose e o maior volume de vendas neste ano devem permitir geração de caixa adicional de R$ 700 milhões a R$ 800 milhões em 2017. Ao mesmo tempo, a redução do custo caixa de produção da matéria-prima deve adicionar outros R$ 150 milhões ao resultado operacional.
De fato, do ponto de vista operacional, o mercado global de celulose vai dando uma mãozinha à Eldorado e aos demais produtores. No primeiro trimestre, todos ainda sentiram os efeitos da desvalorização da matéria-prima no mercado global e do real mais valorizado. Após forte depressão em 2016, os preços têm se sustentado em curva ascendente e, neste ano, já são seis os reajustes anunciados – um por mês. Ao mesmo tempo, a crise deflagrada pela delação dos Batista deu novo fôlego ao dólar, que voltou a flertar com os R$ 3,30. Boa notícia para exportadores como a Eldorado, que se beneficiam com a desvalorização da moeda brasileira.
Segundo Grubisich, a companhia também reduziu drasticamente os investimentos previstos para este ano, de mais de R$ 770 milhões em 2016 para cerca de R$ 390 milhões, aplicados exclusivamente na manutenção das operações. O plantio de florestas foi limitado, e ficará em 23 mil hectares neste ano, à medida que a companhia já tem madeira em excesso e tem contrato de compra do insumo de seu ex-sócio, o empresário Mário Celso Lopes.
Enquanto não fica claro o impacto que a leniência da J&F terá sobre as apurações em curso que envolvem a produtora de celulose, a Eldorado dá sequência a uma investigação interna relativa a supostas irregularidades relacionadas à Operação Greenfield, que apura fraudes em fundos de pensão, incluindo Funcef e Petros.
http://www1.valor.com.br/empresas/4983930/blindada-pela-jf-eldorado-busca-manter-sua-operacao
Você precisa fazer login para comentar.