Os jovens que deixaram a Petrobras, ex-estatal dos sonhos

A Petrobras tem um programa de desligamento para baixar em 15% o quadro de funcionários. Parte dos jovens que a empresa precisa aproveitou para cair fora

Há pouco mais de seis meses, André Acquaviva, de 35 anos, Maria Cecília Barros, de 29, e Rafael Manzoli, de 28, tinham poucos motivos para se preocupar com a pior recessão já vivida no país. Aprovados em concursos dificílimos na última década, conquistaram empregos estáveis na Petrobras, a segunda “empresa dos sonhos” para os jovens, segundo pesquisa anual das consultorias de recursos humanos DMRH e Nextview People (a estatal perde apenas para o Google). Como petroleiros, desfrutavam de benefícios invejáveis – avanços na carreira no máximo a cada dois anos, treinamento de alto nível e reembolso generoso com despesas em educação. A vida deles começou a mudar em 1ª de abril deste ano. Quando outubro terminar, todos estarão fora da Petrobras.

Andre Aquaviva, geofísico, prestes a sair da Petrobrás. Ele gostou mais de criar e gerir restaurantes (Foto: Stéfano Martini/ Epoca)ÓLEO DE COZINHA
André Acquaviva, geofísico, prestes a sair da Petrobras. Ele gostou mais de criar e gerir restaurantes(Foto: Stéfano Martini/ Epoca)

Não que tenham sido dispensados. Eles dispensaram a Petrobras. Em comum entre eles havia a sensação de que a estatal dos sonhos não cabia mais em seus sonhos. Naquela sexta-feira de abril, ao ligar o computador no trabalho, depararam com um aviso que os empurrou para um curto processo de decisão: aderir ou não ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV) que a empresa abria.

O PIDV foi lançado como uma das iniciativas para enxugar a empresa, na gestão de Aldemir Bendine, antecessor do atual presidente,Pedro Parente. Até o dia 31 de agosto, 11.700 funcionários haviam topado. A meta era chegar a 12 mil, ou 15% do total, com economia de R$ 33 bilhões até 2020. Os desligamentos ocorrerão até o ano que vem. A maioria dos que estão saindo são maduros: segundo a empresa, 80% dos que aderiram têm mais de 50 anos. Jovens, porém, também aproveitam a oportunidade.

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Ao contrário do PIDV aberto em 2014, restrito a quem tinha mais de 55 anos, desta vez não havia barreira de idade. Qualquer um poderia aderir até o fim de agosto. Como incentivo maior, uma indenização que começava em R$ 212 mil para os que tinham menos tempo de casa e podia chegar a R$ 706 mil para os mais antigos.

A aprovação em um concurso público por um jovem costuma ser comemorada por boa parte das famílias brasileiras, muitas marcadas pelas crises e pela instabilidade dos anos 1980 e 1990. A marca Petrobras ainda inspira esse tipo de sentimento. Ainda que não tenham estabilidade – os contratos da Petrobras seguem a CLT, típico da iniciativa privada –, a empresa raramente demite. Só o faz em faltas graves. À mística da segurança e dos benefícios generosos, soma-se o salário, abaixo dos concorrentes, mas acima da média do país. Um funcionário de nível médio entra ganhando R$ 3 mil mensais e o de nível superior R$ 9 mil, aos quais somam-se gratificações de acordo com o local de trabalho, nível de exposição ao perigo e tempo de casa.

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Rafael Manzoli. (Foto: Ricardo Nogueira/ Epoca)TECNOLÓGICO
Rafael Manzoli, administrador, sairá em breve da Petrobras. Ele quer trabalhar na startup de que é sócio (Foto: Ricardo Nogueira/ Epoca)

Para os jovens e bem formados, porém, estabilidade é pouco. “Eles buscam o prazer e a realização no trabalho. Para retê-los, a empresa precisa oferecer planos de carreira que toquem seus sonhos”, diz Alessandro Gonçalves, diretor da consultoria em benefícios Nunes & Grossi e professor da Escola Nacional de Seguros. Os jovens que saem agora entraram na companhia numa fase áurea. Em 2009, o preço do barril de petróleo era US$ 70, ante US$ 45 de hoje. Embalada pelas descobertas do petróleo no pré-sal e pelos projetos megalômanos, a empresa ergueu o que chamou, em 2011, de “o maior plano de investimento do mundo”, de US$ 224 bilhões em cinco anos. “Havia um potencial muito grande de crescimento e aprendizado”, diz a engenheira mecânica Maria Cecília. Seu entusiasmo, porém, deu espaço ao sonho de fazer mestrado na França. “Eu ia pedir uma licença, mas o PIDV veio naquela hora. Fui questionada, mas segui o coração.” Os motivos para a decisão variam. O administrador Rafael Manzoli entrou na Petrobras em 2011, antes de concluir a faculdade, como técnico em administração. “A família ficou megafeliz com meu emprego para a vida toda e eu de fazer parte daqueles planos gigantescos. Mas a euforia passou e achei que minha perspectiva de crescimento lá era baixa.”

A crise em que a empresa mergulhou desde 2014 também fez estragos nos sonhos juvenis. A estatal tomou empréstimos excessivos e a dívida saiu de R$ 90 bilhões para R$ 500 bilhões. A proibição de repassar o aumento do petróleo aos combustíveis entre 2011 e 2014, por determinação do governo federal, deixou uma conta de R$ 120 bilhões pendurada. A Operação Lava Jato desnudou um imenso esquema de corrupção – que, por baixo, custou-lhe R$ 50 bilhões, com pagamento de propina e projetos mal dimensionados e superfaturados. O prejuízo acumulado em dois anos é de R$ 57 bilhões. Obrigada a se redimensionar, a empresa corta investimento e se volta ao pré-sal. Pretende investir US$ 70 bilhões até 2021 – um terço do ritmo de três anos atrás. Para os funcionários, benefícios devem ser revistos. O investimento em qualificação encolheu 26% entre 2014 e 2015, para R$ 174 milhões. O total de horas de treinamento por ano caiu de 65,5 para 54 por empregado. “Quando entrei, estava orgulhoso. Hoje, com tudo o que ocorreu e ainda deve ocorrer, há um desânimo”, diz um técnico de 24 anos que pede anonimato. Ele aderiu ao PIDV, mas só decidirá na hora de assinar a rescisão se quer sair mesmo.

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A decisão de deixar a Petrobras tem a ver também com a veia empreendedora que se difunde entre os jovens brasileiros instruídos. O dia 17 de outubro será o último em que André Acquaviva baterá ponto como geofísico. Chegou à empresa há 11 anos. Decidiu fazer mestrado. Foi aconselhado pelo chefe a pedir uma licença, para dedicar-se ao curso. Como a licença não saía, investiu em uma franquia de lanchonetes em Varginha, Minas Gerais, onde nasceu. Depois, abriu outras três, além de um restaurante no centro do Rio de Janeiro, ao lado da Petrobras. “Os negócios precisam de mim. Já estava pensando em sair. O PIDV foi só a compra do meu desencargo de consciência.” Já Manzoli vai usar os R$ 212 mil que receberá, 33 vezes seu salário de R$ 6 mil, para turbinar uma startup de tecnologia para o varejo, de que já é sócio com um amigo – e onde pretende trabalhar a partir de novembro.

Ainda que os jovens demissionários sejam minoria, a decisão de facilitar a saída deles pode se revelar um erro estratégico. Todo funcionário que entra na estatal recebe um curso de formação de três a 15 meses, fora os que faz ao longo da carreira. “A empresa não deveria ter permitido que os jovens aderissem. Eles têm papel estratégico na reposição de conhecimento. Trazer e treinar gente nova requer muito esforço”, diz Gonçalves. Em nota, a Petrobras afirma que o PIDV foi aberto a todos “de forma a buscar a adequação do efetivo à estratégia da companhia”. Em Paris, já frequentando o mestrado, Maria Cecília diz não saber se tomou a decisão certa. “Dá medo de voltar ao Brasil e não conseguir nada, mas prefiro estar livre para o que aparecer. Fui feliz na empresa, mas a estabilidade é ilusão, e a segurança aprisionante.”

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/10/os-jovens-que-deixaram-petrobras-ex-estatal-dos-sonhos.html


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