Petrobras encerra era de independência excessiva de executivos, diz diretor


O diretor de Estratégia da Petrobras, Nelson Silva diz que, após apresentar o novo plano de negócios, com investimento 25% menor, quer menos burocracia e melhor desempenho

Nelson Silva, titular da nova diretoria de Estratégia, Organização e Gestão da Petrobras, foi o articulador do plano de negócios que a estatal apresentou esta semana. Como tentativa de reduzir a dívida ainda elevadíssima, próxima a meio trilhão de reais, propõe-se que a empresa dê um passo para trás em projetos como energias renováveis e se concentre no pré-sal, área que tem se mostrado de elevada produtividade. O plano de investimentos foi cortado em 25% em relação ao previsto em janeiro, para US$ 74,1 bilhões, valor que representa apenas um terço dos planos de 2011. Em entrevista a ÉPOCA, Silva diz que esse passo é necessário e que, em pouco mais de dois anos, as finanças estarão em ordem para a empresa voltar a crescer. Diz que a empresa será pautada pela meritocracia e que a atual direção “não tolera a corrupção”. Nelson chega à Petrobras na gestão de Pedro Parente, depois de sete anos à frente da petroleira britânica BG, adquirida pela Shell ano passado. A BG era uma das principais parceiras da Petrobras no pré-sal, o que aguçou o interesse da concorrente em sua aquisição.

ÉPOCA – A criação do seu cargo foi criticada por opositores à nova gestão da empresa. Houve dificuldade em ser aceito na empresa?
Nelson Silva – Eu já trabalhava na Petrobras havia sete anos, como parceiro, e isso ajudou muito. Sabe quando há uma disposição de contribuir com algo novo? Sou novo aqui, mas encontrei uma receptividade muito grande. Acredito que vamos ter muito sucesso porque existe essa vontade enorme de fazer as coisas darem certo.

ÉPOCA – Por que a empresa precisa de um diretor para cuidar da estratégia, algo que nunca teve?
Silva – Os resultados vão mostrar isso. O jeito que foi confeccionado o plano estratégico e de negócios, a reação do mercado à robustez do plano, isso mostra que, neste momento, é importante ter uma pessoa no nível de diretoria para poder executar essas tarefas. Minha área é transversal às demais diretorias e atividades da empresa. Tenho que negociar diariamente com meus pares, os diretores, que fazem suas atividades normalmente, e é importante ter o mesmo nível dele para fazermos as mudanças que precisam ser feitas. Se não fosse o mesmo nível hierárquico, a negociação não seria tão direta. Sento com eles, discutimos coisas no dia a dia. Há uma máquina super eficiente que, ao longo do tempo, anexou uma série de atividades que não pertencem ao core business (negócio principal), então minha atividade é tirar essas coisas que não são necessárias, fazer com que (a máquina) funcione melhor. Estou aqui como um acelerador da máquina.

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ÉPOCA – Acha que isso não foi feito antes?

Silva – Não insinuo isso. Acho que as circunstâncias permitiram que as pessoas, agora, dessem um passo atrás e construíssem um caminho novo. Isso é muito difícil de fazer em empresa que está rodando bacaninha.

ÉPOCA – Estranhou o ritmo da empresa, tendo vindo da iniciativa privada?
Silva – Primeiro, nunca me senti concorrente da Petrobras. A BG investiu US$ 12 bilhões em dois consórcios, com participação média de 25%. A Petrobras era operadora mas, ao longo do tempo, tivemos uma participação bastante relevante nas decisões técnicas. Trazíamos as melhores pessoas do Brasil para contribuir. Demos importantes contribuições para evitar atrasos de projetos do pré-sal. Mostramos que o estaleiro e os cascos iam atrasar por falta de experiência. Graças a esse estudo da BG, encomendamos outras cinco, o pré-sal não atrasou. Sempre tive enorme respeito pela Petrobras e não estaria aqui se não fosse isso. Sinto como se fosse uma continuação do que já fazia.

ÉPOCA – É possível desburocratizarem a empresa, como pretendem, sem descuidar das normas e das leis?
Silva – Com todas as limitações que nos impõem regulamentos e regramentos, há uma série de coisas que fazemos e não devíamos fazer. Temos um número imenso de padrões e normas. Tenho certeza de que podemos reduzir isso.

ÉPOCA – Mesmo com todo mundo traumatizado pelo esquema revelado pela Lava Jato?
Silva – Sim, porque são coisas que atrapalham a vida de todo mundo. Fiz algo parecido na BHP Billiton. Havia 35 mil páginas de padrões internos, e nada a ver com regulação ou regulamentação, e reduzimos para mil páginas.

Queremos acelerar a redução de acidentes. Damos sinal claro de não comprometer segurança para ter resultado financeiro”

ÉPOCA – Quantos padrões podem ser extintos?
Silva – Estamos vendo isso agora. Estamos olhando processos de aprovação, níveis de aprovação, relatórios gerenciais, que muitas vezes fazemos e ninguém lê, e padrões. Se você ajusta o nível, elimina aprovações desnecessárias e cria confiança pelo trabalho do gestor. Os níveis de competência (valores a partir dos quais são exigidos números crescentes de assinaturas) foram estabelecidos há muito tempo, e só a correção desses valores pela inflação já eliminaria a necessidade de 230 mil assinaturas em documentos por ano. E isso são aprovações para coisas pequenas.

Para elaborar o planejamento estratégico, realizamos quatro workshops envolvendo a diretoria executiva, gerentes, conselheiros. Chegamos ao plano estratégico dessa forma. Somos uma empresa de energia, integrada, gerando alto valor para a sociedade e com elevada capacidade técnica. É importante a palavra empresa. Somos um negócio, que tem acionistas. A partir daí, definimos 21 estratégias que vão nos ajudar a chegar lá. O próximo passo é perguntar quais iniciativas vou tomar. Daí nasceram 72 iniciativas. Depois, definir as métricas de segurança e financiabilidade. Estávamos em curva descendente de em número de acidentes, mas queremos acelerar a redução. Nada vale a pena se eu comprometer segurança. Quisemos colocar em primeiro plano, porque dou um sinal único claro de que não vou comprometer segurança para resultado financeiro.

ÉPOCA – Colocar meta de redução de acidentes como balizador do plano foi forma de responder aos sindicatos caso critiquem os cortes no investimento?
Silva – Não tem a ver com os sindicatos. Só queremos dizer às pessoas que trabalham na Petrobras que nenhum resultado, por melhor que seja, vale a pena, se não melhorarmos segurança. Aquilo é uma informação para dentro.

ÉPOCA – Nesse plano, a megalomania ficou de lado. Não se fala mais que a Petrobras vai ser “uma das cinco maiores do mundo”. Não querem mais que ela esteja entre as maiores?
Silva – Seguimos um roteiro clássico de planos estratégicos. Foram cem cabeças que conhecem profundamente a empresa, conhecem seus desafios, trabalhando por quantro meses. Apresentamos um plano realista, sólido, coerente, desafiador mas factível. Não poderíamos colocar um desafio que é impossível. Nossa preocupação será seguraça, de 1,4 acidente por milhão de hora trabalhada, hoje é 2,5. E alavancagem (quantas vezes a dívida é maior que a gerações de caixa anual) de 2,5 (hoje está em quase cinco). É o que nos preocupa e o que vamos entregar. Isso vai ser levado por meio de uma política meritocrática, de consequência, resultados. Vamos gerir as pessoas pelo que elas fazem e pelo que são.

ÉPOCA – Segmentos da empresa ainda resistem em aceitar a proposta de mudar as avaliações de desempenho e a premiação aos resultados. Como pretendem minar essa resistência?
Silva –Quando houver lacunas, teremos de trabalhá-las. Falamos de meritocracia em tudo e vamos implementar um programa baseado em meritocracia. As pessoas vão ser avaliadas por resultados e comportamentos.

ÉPOCA – O que acontecerá aos que não entregam resultados apresentados?
Silva –Toda empresa tem uma forma de lidar com as pessoas que ficam abaixo de suas metas.

ÉPOCA – A empresa vai demitir quem tiver mau resultado?
Silva – Nem precisa chegar a isso. O mau desempenho não tem necessariamente a ver com o indivíduo. Às vezes, os desafios não estão corretos para a pessoa, ou a pessoa não está na função adequada, não tem treinamento para isso. A resposta não é “não serve para trabalhar na empresa”. Há uma série de ajustes que podem ser feitos antes disso.

EPOCA – Com restrição de caixa, a empresa pôs grande parte das fichas no pré-sal. Dá para confiar dessa forma nessa aposta, ou é a única aposta possível?
Silva – O presidente global da Shell disse que o pré-sal é o que há de mais excitante no mundo do petróleo. É uma província com potencial imenso. Concentrar-se no pré-sal é o que acho que toda empresa de petróleo gostaria de fazer. Temos a felicidade de ter o pré-sal aqui em casa é uma tremenda vantagem. Nossa atividade é gestão risco. Quem faz isso melhor tem mais resultado na indústria de óleo e gás. Mitigar riscos será uma parte integrante do nosso sistema de gestão. Isso vai ser feito de forma integrada.

Temos de deixar energias renováveis de lado até a Petrobras se reerguer de novo”

ÉPOCA – Como garantir que, no futuro, a empresa vai estar blindada para sempre de decisões políticas nefastas?
Silva – O processo decisório agora envolve muito mais outras áreas. Temos agora um comitê de investimento para aprovar, vai para auditoria, vai para o conselho. Se o projeto vem com expectativa de retorno negativa, não vai mais passar. Antes pessoas independentes (da empresa), com influência, decidiam. Agora, não. Tem gerentes executivos, vem para a diretoria, tem de ir para o conselho. Não passa mais (projeto daquele jeito). Hoje fortalecemos mais as regras. É a maneira que temos para mitigar, envolver mais pessoas de alto nível.

ÉPOCA – A área de exploração teve cortes significativos de orçamento e a de energias renováveis está “hibernando”. Dá para fazer isso sem danos no longo prazo?
Silva – Estamos numa situação crítica em termos de alavancagem, insuportável para um negócio que visa gerar valor. O custo do dinheiro é o dobro do que era há cinco anos. É insustentável, e inadiável de se resolver. Precisamos reduzir a alavancagem a um nível aceito internacionalmente. Não posso descuidar da produção de óleo, mas pensando em coisas que posso adiar por dois anos e meio, em prol de reduzir a dívida, é algo absolutamente prioritário. Tenho que deixar de lado outras escolhas até eu me reerguer de novo.

ÉPOCA – A Petrobras será uma empresa menor depois disso?
Silva – Não, vai ser muito mais sólida. Em 2021, teremos 3,4 milhões de barris em produção por ano. Talvez não será o mesmo tamanho lá de trás, mas aquela projetada lá atrás não se materializou. Os números do passado, sabemos hoje, não tinham um pé na realidade. É uma empresa que está crescendo. Com novas unidades de produção, ela cresce.

ÉPOCA – Vai ter dinheiro para que a Petrobras continue protagonista no pré-sal mesmo se aprovada na Câmara a desobrigação da Petrobras em investir 30% nesses projetos?
Silva – Continuamos sendo uma empresa de petróleo, vamos querer crescer. No curto prazo, temos outra prioridade, que é reduzir a alavancagem, então ela deve se tornar muito mais seletiva nos leilões, porque afinal um leilão de área de petróleo é um risco. É um campo que não tem descoberta ainda, e a empresa tem que explorar. Não quer dizer que não farei nenhum investimento, mas serei mais seletivo. Quando me tornar uma empresa mais enxuta e eficiente, poderei alçar novos voos. Estou colocando como desafio que em dois anos e alguns meses endireitemos a situação da empresa.

ÉPOCA – Vocês disseram que vão entregar os resultados prometidos em pouco mais de dois anos. Mas na gestão anterior também se prometeu reduzir a dívida e ela só aumentou.
Silva – A meta financeira tem quatro pilares para gerar valor e diminuir a dívida. Uma é aumentar ao máximo minha receita, seja de petróleo ou derivados. Temos que reduzir o capital e manter a curva de aumento de produção. Depois, a redução de custos. Estamos propondo corte de 18% nos custos gerenciáveis, por meio do orçamento base zero, que é refazer o processo como se não houvesse outro antes. Por fim, são as parcerias e desinvestimentos, que será de US$ 19,5 bilhões entre 2017 e 2018.

ÉPOCA – O plano de desinvestimento não está indo no ritmo que se esperou. Isso não mantém incerteza em relação a esse processo?
Silva – Já estamos com US$ 4,5 bilhões vendidos.

ÉPOCA – Mas prometeram fechar em US$ 15 bi até o fim do ano.
Silva – Mas vamos anunciar fechamentos até o fim do ano. Estamos confiantes.

ÉPOCA – As unidades de refino estão com a conclusão suspensa porque a retomada demanda bilhões. Há possíveis sócios dispostos a levar esses projetos adiante?
Silva – Vamos pensar de maneira inteligente um conjunto de ativos que possa ser interessante para um parceiro operar com a gente. Mas pode fazer sentido com outra unidade da cadeia. O modelo não está feito.

ÉPOCA – Acha que a empresa conseguiu eliminar a corrupção?
Silva – É uma coisa que não é tolerada na companhia. Pode ter certeza absoluta. A tolerância é zero com a corrupção. Isso é compartilhado por toda a diretoria.

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/09/petrobras-encerra-era-de-independencia-excessiva-de-executivos-diz-diretor.html


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