03 Junho 2016
Governo Temer e equipe econômica focam em mudanças na previdência e atraem a atenção para governança de fundos de pensão
As primeiras mudanças realizadas pelo novo governo do presidente interino Michel Temer deixou o mercado de olhos bem abertos para acompanhar o que vai ocorrer com os maiores fundos de pensão do Brasil, patrocinados por empresas estatais. A primeira medida tomada por Temer foi incorporar a previdência social ao Ministério da Fazenda, comandado por Henrique Meirelles, o que já provocou temor em parte do mercado, sendo também vista como positiva por outra parte. Apesar disso, não houve, até o momento grandes mudança nas equipes das secretarias e órgãos fiscalizadores.
Na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), José Roberto Ferreira permanece como diretor superintendente. Já na secretária de políticas de previdência complementar (SPPC), José Edson da Cunha Junior ocupa o cargo de secretário no lugar de Carlos de Paula, que foi para a Superintendência de Seguros Privados (Susep) dias antes de Temer assumir como presidente. Já Marcelo Abi-Ramia Caetano foi nomeado secretário de previdência da equipe de Meirelles. Também não houve nenhuma alteração nas diretorias das estruturas de regime geral e regimes próprios de previdência, segundo fontes ligadas ao governo.
Ainda assim, o que se diz nos bastidores é que maiores mudanças estão por vir na medida em que a possibilidade de aprovação definitiva do impeachment de Dilma Rousseff se aproxima. Caso a presidente seja definitivamente destituída, daí sim a estrutura da previdência começa a passar por cortes e mudança de pessoal.
Uma das alterações que têm sido especuladas seria a união da Previc com a Susep, mas não há nenhuma definição anunciada do governo em torno disso, de acordo com fontes.
Nomeações – Outra medida adotada por Michel Temer foi suspender novas nomeações para cargos de empresas estatais e fundos de pensão até a aprovação de projetos de lei que fazem novas exigências em relação a ocupação desses cargos. Um dos projetos de lei, e que tem gerado grande discussão no mercado, é o PLP 268/2016, que trata de um projeto originário no Senado Federal e determina regras de governança para fundos de pensão patrocinado por estatais.
Em linhas gerais, o projeto prevê que dirigentes de fundos de pensão sejam escolhidos por meio de processo seletivo de mercado, e que os conselhos deliberativo e fiscal tenham membros independentes em proporção paritária com representantes dos participantes e patrocinadores dos fundos de pensão.
Grande parte das críticas em relação ao projeto giram em torno de uma possível redução da representatividade dos participantes nos fundos de pensão, com a contratação de pessoas do mercado que não fazem parte do quadro de funcionários da patrocinadora, tampouco participam dos planos de previdência oferecido pelas entidades. Um dos fundos de pensão entre os que devem ser mais afetados com a mudança é a Previ, que estabelece em seu estatuto que os dirigentes devem ser participantes do fundo de pensão há no mínimo dez anos. “Nosso fundo de pensão não é do Banco do Brasil, nem da União, e sim dos funcionários”, diz o diretor de seguridade da Previ, Marcel Barros. “Para ser dirigente, está previsto no estatuto que o executivo tem que ser funcionário do banco e associado ao fundo de pensão. Esse projeto é uma agressão ao que construímos ao longo do tempo”, critica o dirigente em referência ao PLP 268.
Para o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), José Ribeiro Pena Neto, é preocupante a adoção da figura do conselheiro independente dentro dos conselhos, já que além de representar custo extra, a paridade que é assegurada entre participantes e patrocinadora será prejudicada. “Se o fundo de pensão vai contratar conselheiros no mercado, deverá remunerá-los. Entidades de pequeno e médio porte terão o peso dessa remuneração”, diz Pena Neto. “Além disso, já existe o equilíbrio entre a parte indicada pela patrocinadora e a parte eleita por participantes. Quando se divide em três partes, a paridade deixa de existir”, salienta.
Pena Neto critica ainda o fato da diretoria ser selecionada por uma empresa especializada em recrutamento de executivos no mercado e ter contrato de dois anos. “Fundos de pensão são um negócio de longo prazo e nem sempre o melhor investimento de longo prazo é o que produz resultados no curto prazo. Podemos ter ótimo investimento que produzirá frutos em dez anos. Uma pessoa que entra para ocupar uma cadeira em dois anos vai querer mostrar frutos em dois anos”, diz.
Para o executivo, a pessoa contratada pode não ter compromisso nenhum com sucesso de longo prazo do plano, pois além de querer mostrar resultados no curto período de seu mandato, não será participante da entidade a qual vai dirigir.
O advogado do Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, Flávio Martins Rodrigues, destaca que na medida em que conselheiros independentes e diretores técnicos sem vínculo com entidades de previdência passarem a ter uma atuação completamente desvinculada dos interesses dos donos dos fundos de pensão, que são participantes e patrocinadores, as fundações serão prejudicadas. “O objetivo desse projeto é trazer uma reação a um modelo de governança que vem sendo muito atacado. Então, foi colocado em discussão um modelo diferente. A minha opinião é que há desvirtuamentos na gestão dos fundos de estatais, e esse projeto é uma reação equivocada a esse desvirtuamento”, diz. O advogado defende que se deveria buscar outras saídas para melhorar a governança interna dos fundos de pensão de estatais que não passam pelas propostas do atual projeto de lei. .
Fiscalização – Outro ponto de preocupação em relação ao projeto é a determinação dos Tribunais de Contas da União e dos Estados serem responsáveis pela fiscalização dos fundos de pensão. “Fundo de pensão é entidade privada. Não cabe fiscalização por Tribunal de Contas. Isso duplicaria a fiscalização, sendo que o TCU não é especializado em fundo de pensão, e a Previc sim”, diz José Ribeiro Pena Neto. Especialistas da área opinam que essa medida deve ser vetada, já que o Tribunal de Contas fiscaliza o dinheiro público, por exemplo, de uma empresa estatal. Na medida em que a empresa faz o repasse para o seu fundo de pensão, o recurso passa a ser privado e não pode ser fiscalizado pelo tribunal de contas.
Outro lado – Para o consultor da Tag Investimentos, Lauro Araújo, o lado positivo desse projeto de lei é a profissionalização dentro dos fundos de pensão. Entre as vantagens está o desempate entre os interesse dos participantes e das patrocinadoras, que muitas vezes podem ser conflitantes. “O interesse maior de um fundo de pensão é que o plano tenha uma vida tranquila, dinheiro suficiente e transparência necessária para garantir o pagamento de benefícios. Apesar do interesse maior de todos ser o mesmo, ainda há conflitos, e ter alguém independente no conselho pode ajudar a melhorar a sintonia desse potencial conflito de interesses”, avalia o consultor.
Outra vantagem é ter uma pessoa teoricamente isenta, segundo Araújo, trazendo mais transparência e melhorias no nível de decisão que existe dentro do plano. Ainda assim, o consultor vê desvantagens no que diz respeito à seleção da diretoria no mercado. “Isso deveria ser uma questão única e exclusivamente do conselho. Eles que deveriam indicar a diretoria, não acho que deveria ser contratada de fora. Banco do Brasil e Caixa Econômica, por exemplo, têm profissionais competentes. Se já tiver no conselho pessoas que são profissionais, teoricamente livres de qualquer conflito de interesse, a diretoria deveria ser decidida pelo conselho”, salienta.
Mobilização – Para tentar impedir que essas medidas sejam aprovadas, os fundos de pensão se manifestaram por meio de carta aberta enviada em nome do Fórum Independente em Defesa dos Fundos de Pensão (Fidef), composto por representantes eleitos dos participantes nas diretorias e conselhos dos principais fundos de pensão do país – Previ, Funcef, Petros, Postalis, Real Grandeza e Fapes. Além disso, a Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão (Anapar) preparou uma carta com críticas ao projeto, obtendo o apoio mais de 30 entidades representativas de participantes de fundos de pensão e funcionários de empresas estatais.
Outra medida adotada pelas entidades foi falar com deputados para tentar reverter a aprovação imediata do projeto da forma que ele foi elaborado. Um deles é o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), que manifestou o interesse em apresentar um projeto de lei substitutivo ao PLP 268/2016 para acrescentar propostas feitas por ele próprio durante sua atuação como relator da CPI dos fundos de pensão.
Em seu relatório final da CPI Sérgio Souza apresentou outro projeto (PLP 274/2016) que, entre outras coisas, visa dar ao comitê de investimentos do fundo de pensão maior autonomia na decisão de investimentos e cria a obrigatoriedade de uma auditoria interna para entidades.
“Quando fizemos essas propostas, sabíamos que estava tramitando no Senado um projeto de lei no qual muitas coisas convergiam com o nosso, e algumas divergiam. Aquilo que convergia nem colocamos no nosso projeto, pois não precisava repetir”, destaca o deputado.
No entanto, Souza diz que com a mudança de governo e a posse de Michel Temer como presidente interino, foi decidido fazer nomeações técnicas dentro dos fundos de pensão. “Para que isso ocorra o mais rápido possível, o governo deu prioridade a esse projeto, requerendo a urgência para que ele seja votado na Câmara sem alterações”, explica.
O deputados destaca entre os pontos a serem revistos no projeto substitutivo a questão da paridade de conselheiros. Em vez de ser dois independentes, dois representantes dos participantes e dois da patrocinadora, a sugestão do deputado é que a proporção seja de um independente e três de cada lado dos participantes e da patrocinadora. “Também questionamos a escolha da empresa terceirizada que ficará responsável pelo processo seletivo dos dirigentes e conselheiros. O PLP 268 não explica como será a contratação dessa empresa”, diz o deputado.
A deputada Erika Kokay também defendeu a apresentação do substitutivo e destaca que da maneira que o PLP 268 está escrito, os fundos de pensão poderão ficar sob controle absoluto do governo. “Conselheiros e diretores serão selecionados por uma empresa a ser contratada. A patrocinadora que escolherá a forma de contratação dessa empresa e a chance de ter uma representação indireta a mais da patrocinadora na diretoria e nos conselhos é alta”, destaca a deputada.
Até o fechamento desta edição o projeto não havia sido aprovado pela Câmara. Mesmo tramitando em regime de urgência, a base aliada do governo decidiu dar mais tempo para debates acerca do projeto.