Reajuste dos combustíveis deve ser necessário para salvar caixa da Petrobras, diz professor


SÃO PAULO – A Petrobras (PETR3; PETR4) tem uma história recente de crise que todos conhecem. Empresa grande de petróleo sofre com problemas de corrupção, endividamento extremamente alto e projetos pensados quando o petróleo custava US$ 100 que não parecem fazer mais tanto sentido com ele a US$ 50. Mas para o coordenador do MBA de Gestão de Riscos e Compliance da Fecap (Fundação Álvares Penteado), Fábio Coimbra, a companhia tem outro problema para enfrentar: a legislação. “A nova administração vai ter que buscar um respaldo até mesmo no Congresso para poder fazer um ajuste nessa lei do pré-sal que não é benéfica nem para o País nem para a empresa”, afirma.

A boa notícia é que, para Coimbra, a empresa está em boas mãos desde que o ex-ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, assumiu a companhia. Os desafios serão muitos, mas ele acredita que as sinalizações dadas por Parente até agora tem ido no sentido correto para tirar a petroleira do atoleiro. Desde a indicação de uma venda relevante de ativos até uma profissionalização dos quadros da empresa.

Confira a entrevista do InfoMoney com o economista Fábio Coimbra:

INFOMONEY: Essa indicação do Pedro Parente é a mais importante. Você acha que ele tem condição de resolver os problemas da Petrobras? Qual é a sua visão da indicação dele?
FÁBIO COIMBRA: Falando em linhas gerais da indicação do Pedro Parente, da mesma forma que o mercado, nós vimos a nomeação de forma positiva em função do perfil técnico. Embora ele tenha atuado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele não tem o perfil de um político. E isso se refletiu no próprio discurso dele de posse, falando de forma objetiva que não haverá nenhuma indicação política na Petrobras e que todas as decisões serão feitas por critérios empresariais.

Se a gente for pensar na experiência anterior dele, a gente pode acreditar nisso, pensar que a gestão dele vai se sustentar principalmente em dois pilares: na reestruturação da empresa como um todo com foco em corte de gastos e eficiência, e na profissionalização da gestão. Ele já deixou claro que vai focar na redução de custos, tendo como principal desafio a redução da dívida. Mas, para isso, é preciso que ele se comprometa com a venda de ativos não estratégicos.

E para que ele consegua fazer as medidas, ele precisará realmente que as decisões passem por quadros mais profissionais na gestão. Vi recentemente que o consultor sênior da diretoria da Petrobras será Nelson Silva, ex-CEO da British Gas, que irá coordenar a gerência executiva de estratégia e organização. O nome dele é um bom sinal de que Parente irá nessa linha de profissionalização e de colocar técnicos para tomar as decisões.

IM: Você citou a venda de ativos e sabemos que estamos em um momento bem complicado para fazer isso por conta dessa crise do preço do petróleo. Como você acha que ficam as perspectivas para as vendas da Petrobras neste contexto. Você acha que ela conseguirá desinvestir a preços suficientes para reduzir a sua dívida?
FC: A empresa foi inchada muito em função da falta de foco e de boa gestão. E tudo isso tem o aspecto de má governança corporativa e de decisões equivocadas. Acho que o Parente deve se reunir com o Conselho para definir para onde a empresa vai. É preciso fazer um plano para definir onde ela estará nas próximas décadas. E, para isso, ela vai ter realmente que vender alguns ativos não estratégicos. Ela está muito inchada. A Petrobras tem termoelétricas, gasodutos, terminais, navios, centros de distribuição de combustíveis, produção de gás liquefeito, e até uma pequena parte destinada à produção de energias renováveis. Então ela está carente de foco. A empresa está muito grande hoje e precisa aumentar a sua eficiência. E o primeiro passo para isso é ter uma definição estratégica.

IM: Dentro disso que você falou de decisões equivocadas, pode ser citada a questão do preço do combustível, que ficou muito tempo paralisado enquanto os preços internacionais subiam, e agora em que eles caem ele continua alto. Você acredita que dentro deste cenário a empresa vá fazer mais um reajuste?
FC: Se a gente considerar que em um primeiro momento o Pedro Parente já descartou o auxílio do governo via aporte de recursos, o reajuste poderia ser uma alternativa para fazer caixa. Eu acredito que sim, que a empresa precisará fazer um reajuste em algum momento. Se você contar que teve uma variação do dólar, e uma queda na cotação internacional do petróleo nos últimos anos, deve haver mesmo um aumento dos combustíveispara compensar o desequilíbrio financeiro. Só o que a gente espera é que ele seja feito de forma clara e informando à sociedade de maneira transparente.

Fora que é uma medida importante para aumentar a rentabilidade da estatal. De 2007 a 2014 a dívidacresceu 9,5 vezes, o Ebitda, que é uma medida da geração de caixa na empresa, cresceu 50% no mesmo período e os custos aumentaram 200%. Então a gente não precisa fazer muita conta para perceber que tem um descasamento. E tem que lembrar que pela natureza do Ebitda, é apenas após ele que vai incidir a despesa financeira. Fica claro que será reduzido o caixa e de investimento da empresa. Se ela não conseguir recursos via venda de ativos, e esse é um processo que não é imediato, é bem razoável supor que deve haver algum reajuste nos combustíveis para compensar essa distorção.

Ainda falando de dívida, é interessante lembrar que a Petrobras fez uma recompra de títulos. Ou seja, eles anteciparam o vencimento de alguns títulos. Isso tem um lado positivo, porque você melhora o perfil do endividamento, traz a sinalização de que a empresa realmente quer honrar os seus compromissos e, junto com outras medidas, isso pode ter impacto no rating da empresa. E a gente sabe que o rating tem um impacto no custo da dívida.

IM: E quais são as perspectivas que você tem para a empresa agora que o Parente está no comando? Quais são as primeiras sinalizações que ele terá de dar ao mercado?
FC: Como sou mais um profissional de governança e gestão, gostei da primeira sinalização dele quando ele fez discurso no Palácio do Planalto e disse que a nomeação dele ainda iria passar pelo crivo do Conselho de Administração. Quer dizer, mesmo que todo mundo soubesse que ele iria ser aprovado, isso já mostra que ele dá importância às normas de Governança.

O Conselho de Administração de um ano para cá começou a ter uma atuação mais forte, mais independente e ele é o principal órgão de governança. Isso foi emblemático naquela tentativa do Planalto de reduzir o preço dos combustíveis. Lá, o Nelson Carvalho, que é o presidente do conselho, posicionou-se contrariamente. A gente fala muito no Parente, mas o nome do Nelson Carvalho como presidente do conselho é muito positivo no sentido que a gente imagina que ele realmente faça seu papel. Nas diretrizes estratégicas, o conselho vai ter que definir ou ao menos validar o que a diretoria propuser. Então a governança da Petrobras começará a ter valor efetivo. As decisões ruins muitas vezes têm um componente de falta de supervisão ou controle por parte do Conselho de Administração.

IM: E qual você imagina que seria o impacto de uma volta do governo afastado para a Petrobras? A gente ouve cada vez mais notícias de que alguns senadores podem mudar o voto…
FC: O cenário se mantiver o Temer é de perspectivas boas. Já caso o impeachment no Senado não seja aprovado, é muito difícil a Dilma manter, por exemplo, o Pedro Parente. Eu tenho receios de que se a presidente Dilma voltar, os ganhos de governança sejam ameaçados. O governo vai querer influenciar mais, porque isso é uma característica do governo anterior e da própria Dilma.

IM: Muitos investidores, principalmente lá fora, estão entrando na Justiça contra a Petrobras por conta dos escândalos de corrupção. Você espera algum tipo de complicação neste front?
FC: Mesmo que o processo não vá até o fim e a Petrobras faça algum acordo para evitar uma condenação que torne a situação mais difícil, eu acredito sim que a empresa vai ter alguns desembolsos a fazer por conta dessas ações. A situação mais comum lá fora é que em vez de chegar até o final do processo, as partes fazem um acordo e a empresa não chega a sofrer uma condenação. Então eu vejo que essas ações são sim um fator de risco relevante para a companhia.

A companhia tem que pagar multa pela ação que levou ao litígio. E pessoalmente eu acho que há a estatal tem outras questões a se preocupar além dos acionistas entrando em processo contra a empresa. Uma delas é o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), que é a lei norte-americana contra a corrupção de empresas estrangeiras. A Petrobras, por ter ADRs (American Depositary Receipts) negociados em Nova York, pode sofrer com o FCPA. E – isso que é uma questão pouco discutida – por causa desses mesmos ADRs, ela pode também ter problemas com a Lei Sarbanes-Oxley.

A partir da SOX [como a lei é conhecida no meio empresarial], se a gente considerar que os demonstrativos que iam para os EUA não tinham correção, e as primeiras medidas do antigo presidente, [Aldemir] Bendine, foram para a empresa finalmente ter um balanço, até para evitar cobranças antecipadas de dívida e impactos no rating que acabaram acontecendo posteriormente, temos que lembrar que ela pode ter problemas que se enquadram nessa lei.

IM: E se ela sofrer realmente com a SOX ou o FCPA, você acredita que seria mais pesado o impacto na empresa? Que tipo de consequências nós poderíamos esperar?
FC: Teria responsabilização dos administradores, e quando a gente fala em administradores estamos nos referindo ao Conselho de Administração e diretores da estatal, e especificamente no caso do FCPA teriam multas e poderiam ter complicações como o caso da Siemens, em que a empresa não só paga a multa como tem de se comprometer a fazer um programa global de compliance. O que, de certa forma, a Petrobras já começou com a criação da Diretoria de Governança, Risco e Conformidade. Mas o mais crítico aí, lembrando que já temos uma tempestade grande, é a responsabilização dos administradores.

IM: Nesse cenário todo de possível pagamento de multa, você acha que isso pode ser visto, que a administração pode fazer alguma provisão pensando em possíveis problemas na Justiça?
FC: Esta questão de provisão especialmente para ações judiciais é uma análise que não é feita só na empresa como também pela própria auditoria independente que avaliza ou não a decisão da diretoria. É feita uma análise em relação ao risco. Essa análise é feita com base no histórico deste tipo de ações, muitas vezes com a contratação de um escritório de advocacia para fazer um parecer. Eu acho que ela tem de ser feita e deve estar presente nos demonstrativos.

IM: Existe mais alguma coisa a Petrobras precisa fazer?
FC: Sobre a Governança, um aspecto importante é que não só o Pedro Parente como também o presidente do conselho devem ter uma atuação mais política no sentido de lutar por alguma alteração legal. Porque isso influencia em decisão de investimento. A nova administração vai ter que buscar um respaldo até mesmo no Congresso para poder fazer um ajuste nessa lei do pré-sal que não é benéfica nem para o País nem para a empresa. Nessa linha tem também que revogar essa lei de conteúdo nacional, que em situações normais já seria ruim, mas com a capacidade real de investimento da companhia afetada, é absolutamente crítica.

http://www.infomoney.com.br/petrobras/noticia/5125931/reajuste-dos-combustiveis-deve-ser-necessario-para-salvar-caixa-petrobras


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