Para o futuro presidente da estatal, só a ética neutraliza tudo de ruim que o poder desperta em nós
SÃO PAULO – Em agosto de 2014, quando proferiu a aula magna da primeira turma de um MBA em Gestão Pública, o futuro presidente da Petrobras, Pedro Parente, traçou um retrato cruel do poder. “O exercício do poder desperta os piores instintos”, afirmou, baseado na obra Around the Cragged Hill (Ao Redor da Colina Escarpada), do diplomata e cientista político norte-americano George Kennan. “É raro ver um poderoso humilde”, acrescentou na ocasião.
Mais perto de assumir a presidência da estatal, agora que Aldemir Bendine oficializou sua demissão, Parente terá a oportunidade de rever os escritos de Kennan, linha por linha. A estatal tornou-se o símbolo da deterioração moral e econômica do país. Moral, devido ao esquema bilionário de corrupção revelado pela Operação Lava Jato, que envolvia diretores da empresa, políticos, empreiteiras e doleiros. Econômica, devido ao elevado endividamento e seguidos prejuízos da companhia.Por isso, as palavras ditas por Parente, naquela aula, soam premonitórias. Na ocasião, o ex-chefe da Casa Civil do governo Fernando Henrique Cardoso recomendou a leitura de um capítulo do livro de Kennan (On Govern and Governments, que traduziu livremente como Sobre o Governo e os Governos). Seguindo o pensamento do norte-americano, Parente observou que todo projeto de poder nasce da ambição de uma liderança, que mobiliza o seu grupo para concretizá-lo.
Meu pirão primeiro
Ainda seguindo Kennan, Parente observou que todo grupo que chega ao poder segue uma determinada ordem de prioridades. Primeiro, o exercício do poder precisa atender aos objetivos de seu próprio líder. Em segundo lugar, vem os interesses de seu grupo mais próximo. Em terceiro, de seu partido político. Somente em quarto lugar, vem o interesse da sociedade. Soa semelhante ao que ocorreu com a Petrobras nos últimos anos? Pois é…
Se o diagnóstico de Parente não alivia nas cores, a dúvida é se ele conseguirá resgatar a estatal, com base em seu receituário. “Ser um bom gestor no serviço público demanda idealismo e desprendimento”, afirmou naquela aula magna, para emendar que é preciso “colocar a ética em tudo o que se faz”. Há tempos, analistas de mercado e especialistas em governança afirmam que a Petrobras só voltará a ser respeitada se adotar critérios rígidos de transparência, que incluem exorcizar a ingerência política de seus gabinetes.
Em suas primeiras manifestações como presidente indicado, Parente afirmou que pretende blindar a Petrobras da cobiça dos políticos de plantão. Assim, o preenchimento de cargos deveria ocorrer por meio de critérios técnicos e de competência. Se Parente seguir o que prega em suas apresentações, a meritocracia deve dar o tom para o preenchimento de postos na estatal.
Lugar de gente feliz
Em uma apresentação de 2011 para a Fundação Educar, criada por Beto Sicupira, conhecido por compor o triunvirato mais poderoso do mundo dos negócios, ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, Parente destacou o papel da meritocracia na gestão de empresas públicas e privadas. “Não acredito em processo que não seja meritocrático”, disse. Naquela época, Parente presidia as operações da Bunge no Brasil, em seu segundo posto executivo na iniciativa privada (o primeiro foi a vice-presidência do grupo gaúcho de comunicação RBS).
Parente defendeu, naquela palestra, que o sucesso de um empreendimento é sustentado em três pilares: liderança, conhecimento do negócio e metodologia de gestão. E afirmou que, de todos, o mais difícil para as empresas é criar um método para tocar seu dia a dia.
Parente também terá a oportunidade de testar dois de seus princípios. O primeiro é que um bom líder é aquele que dá o exemplo. “Você pode dizer o que quiser, mas as pessoas olham o que você faz”, disse aos alunos da Fundação Educar. Se seguir à risca o que disse, terá se der o primeiro a resistir ao assédio de políticos de todos os matizes por favores de todos os tipos. E, tudo isso, sem deixar que isso lhe estrague o humor. “Não consigo ficar num lugar em que não sou feliz”, confessou, naquela palestra. Não deixa de ser um problema: faz tempo que a Petrobras não esbanja alto astral.
Assista aos vídeos das palestras mencionadas:
Fundação Estudar
MBA de Liderança e Gestão Pública