INVEPAR: DA MISTIFICAÇÃO COR-DE-R0SA À BRUTAL REALIDADE DO VERMELHO

 

RAUL RECHDEN

Em 8 de abril de 2015 o então recém-empossado diretor de investimentos da Petros, Lício Raimundo, declarou sobre a Invepar, na seção de economia do jornal O Globo:

“É um ativo sensacional, e de alto valor.”

A revista Petros e você, edição 108, publicada no primeiro semestre de 2015, trazia uma matéria sobre a Invepar, onde constava um número impressionante:

“Além de ter registrado crescimento de 23.5% no faturamento líquido no ano passado (2014, N.A.), na comparação com 2013, a empresa é uma das maiores operadoras de infraestrutura de transporte do Brasil.”

Em esclarecimento publicado no Portal da Petros em 23 de fevereiro de 2016, reproduzido no blog OBroguero no dia 26 do mesmo mês, nesse último sob o título “Esclarecimentos sobre a gestão da Petros: o PIG (N.A.: Partido da Imprensa Golpista) mente e a gente desmente”, lia-se sobre a Invepar o seguinte:

“Investimentos como Invepar e Belo Monte mostraram-se boas oportunidades na época em que foram tecnicamente analisados e decididos e seguem com boas perspectivas. Na Invepar, por exemplo, uma das maiores operadoras de infraestrutura de transporte do Brasil, a Petros iniciou seu investimento em 2009 e, desde então, acumulou rentabilidade de +262,38% frente a uma meta atuarial de +108,32%.”

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada em 31 de julho de 2015, o presidente da Petros, Henrique Jäger, comentava:

“Essa fatia (N.A.: os 24,4% de participação da OAS na Invepar que estavam à venda) nos deixaria desenquadrados na regra de não podermos ter mais de 25% do capital da companhia. Mas teríamos três anos para resolver isso. Então, vai ser tentador para a gente (comprar).” (grifo nosso)

O mesmo Henrique Jäger, em depoimento à CPI dos Fundos de Pensão, em 9 de março de 2016:

“Invepar é uma grande empresa. …. (Guarulhos) é uma excelente aquisição… Os aposentados da Petros têm uma preocupação, e eu conversei com a principal associação dos aposentados, a Ambep, e falei o seguinte: “Pegue os dez aposentados que mais criticam esse investimentos e vou levá-los à Invepar para eles conhecerem a empresa, que é uma excelente empresa”.

Qualquer pessoa que se permita ser crédula vai supor que os nomeados por autoridades para compor a gestão do patrimônio bilionário do segundo maior fundo de pensões do Brasil, é necessariamente pessoa confiável, competente e movida pelas melhores intenções. Logo, se essa pessoa, ou pessoas, estão elogiando um negócio de que o fundo participa, é porque trata-se realmente de um bom negócio, adequado às necessidades da fundação.

Nosso amigo crédulo, no entanto, teria uma frustrante surpresa ao ler os demonstrativos financeiros de 2015 da Invepar. Em contraste com o panorama traçado em cinquenta tons de rosa pelos gestores, iria deparar-se com o seguinte trecho do relatório da auditora independente Deloitte sobre as demonstrações financeiras de 2015 da Invepar:

Ênfases

Continuidade operacional da Companhia

… chamamos a atenção para as notas explicativas nos 1.a, 13 e 14 às demonstrações financeiras individuais e consolidadas, que indicam que a Companhia apresenta, no consolidado, passivos circulantes em excesso aos seus ativos circulantes no montante de R$3.877.685 mil, causados, principalmente, pelo registro no passivo circulante consolidado de empréstimos, debêntures e passivo da concessão de serviço público no montante de R$4.252.864 mil. Essas condições, juntamente com outros assuntos, conforme descrito na nota explicativa no 1, indicam a existência de incerteza significativa que pode levantar dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional da Companhia (grifo nosso).”

 

Trocando em miúdos, está escrito que a Invepar, mais o conjunto de empresas controladas por ela, têm que saldar, dentro de um período de 12 meses a partir de janeiro deste ano de 2016, compromissos que ultrapassam em R$3,9 bilhões suas disponibilidades, e portanto está ameaçada de paralisar suas atividades.

 

Já a citada nota explicativa n° 1.a, redigida pela própria Invepar, revela com mais clareza ainda a real situação da empresa (grifo nosso):

 

“…em 21 de janeiro de 2016, a INVEPAR divulgou ao mercado a contratação de

assessores para análise de oportunidades e alternativas de alienação de investimentos, em especial da controlada LAMSAC (nota 7). A alienação da LAMSAC se mostra como uma das soluções efetivas para reequilíbrio das finanças do grupo no curto prazo, pois mesmo tendo que usar parte dos recursos da venda para liquidar antecipadamente as debêntures de R$2 bilhões de longo prazo, a Administração espera que o valor da venda seja suficiente para saldar os compromissos financeiros dos próximos meses. As negociações para alienação da LAMSAC estão avançando dentro do plano acordado com os acionistas da Companhia, entretanto, caso não seja possível a conclusão da venda e o recebimento dos recursos dentro de um prazo próximo, haverá a existência de uma incerteza significativa quanto a capacidade da Companhia saldar os compromissos de curto prazo e manter a continuidade de suas operações e das controladas.

 

A única leitura possível para essa declaração é de que a Invepar se encontra à beira da insolvência. Para contornar a situação, está tentando vender a concessão que proporcionou em 2015 o segundo maior lucro dentre as 14 concessões de que participa. Esta alienação às pressas tem tudo para ser realizada a preço rebaixado, pois está explícita a necessidade premente não só de realizar a venda como de receber o respectivo valor. Será uma legítima queima de ativo. Dessa venda, a Invepar sairá menor e com menos capacidade de gerar lucro para fazer frente ao ônus de suas concessões deficitárias, entre as quais a do Aeroporto de Guarulhos desponta como campeã absoluta.

 

No exercício de 2015, a Invepar apresentou prejuízo consolidado (controladora mais controladas e associadas) de R$1,7 bilhões, dos quais R$950 milhões atribuídos à controladora.

 

Quem deu crédito às declarações ufanistas e enganadoras dos dirigentes da Petros fica obrigado a acreditar que a desgraça se abateu sobre a Invepar de um dia para o outro, e retroativamente, pois em março de 2016 o presidente da Petros, perante o Congresso Nacional, sob juramento, ainda se referia à Invepar como excelente negócio, e dava como causa de seus problemas dificuldades conjunturais e passageiras, inclusive afirmando com hiperbólico otimismo que a companhia distribuirá dividendos a partir de 2018. Para tanto, ela terá que dar lucro em 2017 que compense todo o prejuízo acumulado até 2016. Em 2015 já acumulava R$1,1 bilhões. Aconselhamos aos crédulos que preservem sua dignidade, recusando-se, daqui para a frente, a ser feitos de bobos.

 

Mesmo com a Invepar fazendo o diabo para esconder sua real situação – como no comunicado de janeiro, onde tentou enganar o mercado afirmando que venderia a LAMSAC “com objetivo de ampliar sua capacidade de investimento em infraestrutura no Brasil” – uma leitura dos seus sucessivos demonstrativos financeiros já permitiria concluir que as coisas não estavam evoluindo favoravelmente. Tanto que, já em maio de 2013, o autor dessas linhas enviou aos conselheiros eleitos da Petros um singelo estudo, em que externava sua preocupação com o desempenho da companhia. Note-se que, naquela época, a concessão de Guarulhos, cujo erro de avaliação por parte da Invepar a mergulhou na encrenca em que se encontra, recém havia sido assumida. O clima na Petros com respeito à Invepar era de festa com a vitória no leilão, embora as perspectivas já fossem alarmantes para quem não abre mão de ter os pés plantados no chão. Reproduzimos alguns trechos desse trabalho, com grifos acrescentados:

 

“… cremos que os seguintes pontos merecem atenção e deveriam ser objeto de auditoria promovida pelos acionistas:

I – As obras realizadas e custeadas pela Companhia são invariavelmente executadas pela OAS, não se tendo notícia de nenhum processo concorrencial para a sua contratação. Isto obviamente dá margem a eventuais excessos de custos. ..

II – O endividamento da Companhia é alto e tem comprometido em grande medida seus resultados… Uma solução seria capitalizar a Companhia, mas acreditamos que esse caminho, face às dúvidas que temos quanto à viabilidade da concessão aeroportuária da qual a INVEPAR participa, só deva ser considerado se essa capitalização se der com aporte de terceiros que se disponham ao risco…

III – Conforme já apontado no item II acima, a concessão do Aeroporto de Guarulhos tem aspectos que suscitam dúvidas quanto ao seu potencial de rentabilidade… No balanço publicado, referente ao primeiro trimestre de 2013, o qual se encerrou quatro meses e meio após a posse efetiva da concessão, aparece uma diferença negativa entre o ativo e o passivo circulantes da concessionária pouco menor que 850 milhões de reais… Salvo uma alteração radical nesse cenário ao longo do ano, essa diferença entre o realizável e o exigível no curto prazo deverá ser compensada por aporte de recursos ao caixa da concessionária.”

 

Modéstia à parte, nossa análise foi profética no que diz respeito ao alerta sobre as obras executadas sem licitação pela sócia OAS. Em novembro de 2015 o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem sobre superfaturamento em obras nos aeroportos concedidos. As obras de Guarulhos apareceram em destaque: o TCU detectou nelas indícios de superfaturamento de R$399 milhões, equivalente a 10% do valor das obras.

 

No que diz respeito ao desequilíbrio entre ativo e passivo circulantes, a situação da concessionária de Guarulhos se agravou: o ano de 2015 terminou com uma diferença de R$1,17 bilhões, em que pese o aumento dramático do endividamento e a capitalização de R$209 milhões aportada pelos sócios. A situação hoje é desesperadora. O prejuízo da concessionária pulou de R$400 milhões em 2014 para quase R$1,4 bilhões. O patrimônio líquido, que no final de 2014 ainda era positivo em R$930 milhões ao final de 2015 estava negativo em R$230 milhões. Esse desastre, dadas as suas proporções gigantescas, contaminou a controladora.

 

Sendo a causa maior dos problemas de caixa da Invepar, a concessionária de Guarulhos encontra-se com mais razão na iminência do default. Como a paralisação do Aeroporto de Guarulhos não é uma hipótese a ser considerada, caso a derrocada da GRU Airport se concretize alguém vai ter que bancar sua operação. E quem está na linha de frente para prover os respectivos recursos são as fundações Petros, Previ e Funcef, a menos que o contrato de concessão seja denunciado. Na prática, algum suporte financeiro à operação de Guarulhos já está acontecendo de forma indireta, pois as três fundações se cotizaram, em novembro de 2015, na aquisição de R$1 bilhão em debêntures da Invepar, em circunstâncias que serão examinadas mais abaixo.

 

Sem Guarulhos, o prejuízo de quase R$1 bilhão em 2015 da Invepar (controladora) se transformaria em pequeno lucro. Há, é verdade, outras concessões deficitárias que merecem atenção; houve problemas com a presença da OAS no grupo, agora afastada; e há problemas na relação com o governo federal em várias concessões, pois a Invepar na prática é parte relacionada submetida a ele. Tudo isso é superável com uma gestão comprometida com a ética e com os interesses dos acionistas. Afinal de contas, concessões de serviços públicos, se contratadas e geridas dentro de princípios e propósitos sérios, são negócios plenamente compatíveis com os objetivos e necessidades de fundos de previdência. Mas não vemos como transformar em lucrativa a concessão do Aeroporto de Guarulhos, da forma como foi contratada. Não vislumbramos sequer possibilidade significativa de que seu prejuízo possa ser reduzido em tempo hábil a um nível que possibilite a sobrevivência da Invepar.

 

Infelizmente os conselheiros não deram atenção ao alerta que lhes foi enviado. Só foram se dar conta de que a Invepar estava com problemas quando a conta foi apresentada para aprovação do Conselho Deliberativo, sob a forma dos citados debêntures, cujas garantias eram os próprios haveres de seus compradores. A incrível análise técnica que acompanhava a recomendação do negócio limitava-se a descrever a catástrofe que se abateria sobre a Invepar caso ela não conseguisse vender os papéis. Tratava-se, portanto, de socorro de caixa travestido de debêntures. Algo como um traficante disfarçando-se de padre para transportar a droga dentro da imagem de um santo. Jamais a Petros poderia investir em papéis com essas características. Mas nem todos acordaram de sua letargia: embora os outros dois tenham votado contra a operação, o conselheiro Paulo Chamadoiro optou pela abstenção, numa inútil tentativa de fazer boa figura ao mesmo tempo com os legítimos donos do dinheiro da Petros e o poder que os está espoliando. Assim, a compra foi aprovada sem necessidade de voto de qualidade.

 

Felizmente para a Petros a ameaça feita por seu presidente de comprar a parte da OAS não se concretizou. Fizemos a nossa parte para obstar o negócio, ajudando a Ambep a compor a correspondência que a entidade enviou ao presidente da Petros questionando a operação. Os nossos dois conselheiros bem intencionados já haviam marcado posição na questão das debêntures. Tudo isso, mais a noticiada oposição da Previ ao negócio devem ter contribuído para a desistência.

 

Esse episódio é mais um a demonstrar que os responsáveis pela guarda e boa aplicação de um patrimônio bilionário têm que lançar um olhar suspicaz e inquiridor sobre tudo que é submetido à sua aprovação, não se deixando levar por discursos enganadores, modismos ou pressões políticas. No caso dos conselheiros, eles têm que avaliar os negócios não só quando são propostos, mas acompanhar seu desempenho. Da mesma forma, eles devem avaliar capacidade e desempenho das pessoas que estão gerindo o patrimônio e participando da gestão de empresas investidas. Os maus desempenhos devem ser denunciados sem contemplação. Ações de correção de rumos nas aplicações devem ser exigidas sempre que for o caso, assim como a substituição imediata de gestores que apresentem mau desempenho ou comportamento incompatível.

 

Quem se propõe a ocupar cargo de representante dos donos do patrimônio não deve ter receio de obter inimigos nem de sofrer perseguição. Não existe a menor chance de que esse jogo bilionário possa ser jogado sem ter que contrariar constantemente interesses espúrios gerados pela cobiça que tanto dinheiro junto desperta.

 

O gado só engorda sob o olhar do dono – dado que o dono enxergue o que está olhando e faça o que tiver que ser feito.