A Traição do Brasil

O congresso brasileiro já testemunhou algumas cenas bizarras. Em 1963 um senador apontou uma arma em seu arqui-inimigo e matou outro senador por engano. Em 1998 um projeto de lei não foi aprovado quando um congressista apertou o botão errado no dispositivo eletrônico de votação. Mas o espetáculo que ocorreu na câmara dos deputados em 17 de abril com certeza conta entre os mais estranhos. Um por um, 511 deputados correram em direção a um microfone lotado e, em rajadas de dez segundos transmitidos a uma nação extasiada, votaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Alguns estavam enrolados em bandeiras do Brasil. Um atirou um foguete de confetes.

Muitos irromperam dedicações às suas cidades de origem, religiões, defesa de animais, e até mesmo aos corretores de seguro do Brasil. A votação para encaminhar as acusações contra Rousseff ao Senado para julgamento passou por 367 votos a 137, com sete abstenções.

A votação ocorre em um momento desesperado. O Brasil luta com sua pior recessão desde os anos 1930. Espera-se que o PIB encolha em 9% em relação ao segundo trimestre de 2014, quando a recessão começou, até o final deste ano. A inflação e a taxa de desemprego estão ao redor dos 10%.

Os problemas não foram feitos apenas por Rousseff. Toda a classe política tem prejudicado o país através de uma mistura de negligência e corrupção. Os líderes brasileiros não terão de volta o respeito dos seus cidadãos ou superarão os problemas da economia a menos que haja uma limpeza completa.

Afundando Dilma

A votação de domingo não foi o final de Rousseff, mas agora sua partida pode não estar distante. O Brasil não deve chorar por ela. A incompetência em seu primeiro mandato (de 2011 a 2014) tornou a situação econômica do país incomparavelmente pior. Seu Partido dos Trabalhadores (PT) é a força motriz por trás de um esquema de corrupção gigantesca centrado na Petrobras que canalizou o dinheiro de empreiteiros para políticos e partidos. Embora Dilma não tenha sido pessoalmente implicada em delitos, ela tentou proteger das acusações seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

O que é alarmante é que aqueles que trabalham para sua deposição são de muitas formas piores que ela. Se o Senado votar por colocá-la em julgamento (provavelmente em meados de maio), Rousseff terá que se afastar por até 180 dias. O vice-presidente Michel Temer, oriundo de um partido diferente, assumirá e cumprirá o restante do mandato se o Senado afastá-la. Temer pode proporcionar alívio econômico em curto prazo. Ao contrário da infeliz Rousseff, ele sabe como fazer as coisas em Brasília e seu Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é mais amigável aos negócios do que o PT.

Mas o PMDB também está irremediavelmente comprometido. Um dos seus líderes é o presidente da câmara, Eduardo Cunha, que presidiu o espetáculo de seis horas do impeachment e foi acusado pela suprema corte por aceitar subornos através do esquema da Petrobras. Ao anunciar seus votos pelo “não”, alguns dos aliados de Rousseff denunciaram Cunha como um “gângster” e um “ladrão”.

A mancha de corrupção está espalhada por muitos partidos brasileiros. Dos 21 deputados investigados no esquema da Petrobras, 16 votaram pelo impeachment de Rousseff. Cerca de 60% dos deputados enfrentam acusações de delitos criminais.

Não existem formas rápidas de consertar isso. As raízes da disfunção política do Brasil remontam à economia escravista do século 19, até a ditadura no século 20 e um sistema eleitoral viciado que torna as campanhas ruinosamente caras e que também blinda os políticos da responsabilidade.

No curto prazo, o impeachment não vai corrigir isso. A acusação que é a base para julgar Rousseff (de que ela manipulou contas no ano passado para fazer o déficit fiscal parecer menor do que era há) é tão pequena que apenas um punhado de congressistas se preocupou em mencionar isso em suas tiradas de dez segundos. Se Rousseff for deposta por uma questão técnica, Temer lutará para ser visto como um presidente legítimo pela grande minoria de brasileiros que ainda apoia Rousseff.

Em qualquer outro país esse coquetel de declínio econômico e conflito político poderia ser inflamável. Mas o Brasil tem reservas de tolerância impressionantes. Divididos como estão sobre os certos e errados do impeachment, os brasileiros mantiveram a raiva sob controle. As últimas três décadas sugerem que este é um país que pode suportar uma crise sem recorrer a golpes ou colapsos. E nisso, talvez, exista um pingo de esperança.

O fato de que o escândalo da Petrobras tenha envolvido alguns dos políticos e empresários mais poderosos do país é um sinal de que algumas instituições, especialmente aquelas que cuidam do cumprimento das leis, estão amadurecendo. Uma razão pela qual os políticos estão nessa encrenca é que uma nova classe média, mais educada e assertiva, se recusou a aturar a impunidade deles. Algumas das leis que agora estão sendo usadas para repudiar os meliantes foram promulgadas pelo governo de Rousseff.

Uma maneira de manter esse espírito seria o país ter novas eleições. Um novo presidente poderia ter o mandato para fazer as reformas que têm frustrado governos há décadas. Os eleitores também merecem uma chance de livrar-se de todo um congresso infestado de corrupção. Somente novos líderes e novos legisladores podem enfrentar as reformas fundamentais que o Brasil necessita, em particular uma reforma do sistema político que facilita a corrupção e dos gastos públicos descontrolados que elevam o débito e impedem o crescimento.

É bem verdade que o caminho para a renovação através das urnas está cheio de obstáculos. Considerando seu histórico, é improvável que o congresso aprove a emenda constitucional exigida para dissolver a si mesmo e promover uma eleição geral antecipada. O TSE poderia ordenar uma nova eleição presidencial com base no dinheiro de suborno da Petrobras que ajudou a financiar a reeleição de Rousseff e Temer em 2014. Mas isso está longe de ser uma certeza.

Desta forma há uma boa possibilidade de que o Brasil estará condenado à desordem sob a geração atual de líderes desacreditados. Seus eleitores não devem esquecer esse momento. Porque, ao final, eles terão a chance de ir às urnas e usar essa lembrança para votar em algo melhor.

Original aqui.

Postado por Fabian Oliveira às 09:31:00

1 comentário em “A Traição do Brasil”

  1. As visões de fora, quando não distorcidas por lentes ideológicas, costumam ser mais precisas e abrangentes do que as de quem está dentro do problema.
    É o caso desta matéria do The Economist, publicação que se destaca pela precisão, clareza e lucidez de suas colocações.
    Se tudo acontecer dentro da normalidade, dentro de alguns meses teremos a oportunidade de eleger prefeitos e vereadores, iniciando um processo de depuração de nossa representação política, passo essencial para tirar o país do impasse em que se encontra.

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