No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o caixa da Petrobras viveu uma situação, no mínimo, inusitada. O resultado operacional piorava à medida em que a estatal aumentava suas vendas de combustíveis. O quadro surreal era explicado por uma decisão populista do governo federal de comercializar gasolina e diesel no mercado interno a um preço muito inferior ao cobrado no exterior. Como a Petrobras importa parte do combustível consumido no Brasil, essa diferença de valores gerou um rombo que, segundo a Tendências Consultoria, foi de R$ 70 bilhões, entre 2011 e 2014.
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!Na maior parte deste período, a empresa teve no seu comando a dupla Graça Foster e Guido Mantega, respectivamente, presidente executiva e presidente do Conselho de Administração (CA). Desde o começo do ano passado, no entanto, o quadro mudou favoravelmente à Petrobras. A queda abrupta da cotação do barril do petróleo transformou prejuízos em lucros. Além disso, a nova composição da diretoria e do conselho de administração, na avaliação do mercado, começou a resgatar a credibilidade perdida nos últimos anos.
Na semana passada, porém, uma pressão intempestiva, a partir de Brasília, para reduzir os preços dos combustíveis derrubou as ações da estatal em quase 10% e provocou uma reação contundente da cúpula da companhia. Na manhã do dia 3, um domingo, o presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Nelson Carvalho, recebeu uma mensagem do conselheiro Guilherme Affonso Ferreira, com uma notícia vazada ao jornal O Globo sobre a iminência da queda no preço da gasolina e do diesel.
A suposta motivação da medida seria gerar notícia positiva em meio ao tiroteio em cima do go-verno Dilma, que enfrenta um processo de impeachment da presidente no Congresso Nacional. “Me diz que isso é brincadeira!”, protestou Ferreira, estarrecido. Tão surpreso quanto ele, Carvalho enviou uma mensagem dura ao presidente executivo da companhia, Aldemir Bendine, alertando que a redução poderia “macular o capital de credibilidade e de foco no interesse da companhia”. Respeitado professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, Carvalho ressaltou que não tem “propensão a ser equiparado a presidentes do CA do passado que compactuaram com essa barbaridade”.
Embora Mantega não tenha sido citado nominalmente, intui-se que a referência era justamente ao ex-ministro da Fazenda, que marcou a sua gestão – a mais longeva da história do País – com medidas de controle de preços e incentivos setoriais para manter a inflação baixa e a demanda, alta. Ao tornar-se pública, a reação enfática de Nelson Carvalho gerou diversos efeitos benéficos. Os conselheiros reforçaram a união em torno da sua posição, a ideia do reajuste foi rapidamente engavetada e o presidente Bendine, cujo cargo é naturalmente mais suscetível a pressões políticas, livrou-se de uma medida populista que já havia sido aventada anteriormente, mas nunca contou com o seu apoio, segundo a DINHEIRO apurou.
Procurados, Guilherme Ferreira, Carvalho e Bendine não concederam entrevista. Desde fevereiro de 2015, quando tomaram posse, Bendine e o seu braço direito das finanças, Ivan Monteiro, têm feito um árduo trabalho de reconstrução da imagem da Petrobras. A empresa, que perdeu o grau de investimento, tem um dos maiores endividamentos corporativos do mundo, de cerca de US$ 100 bilhões, segundo o último balanço. “Não faz nenhum sentido reduzir os preços dos combustíveis com a Petrobras financeiramente quebrada”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
“Além disso, derrubaria a arrecadação dos Estados e sufocaria novamente o setor do etanol.” A situação financeira da estatal é tão complicada que está em curso um ambicioso plano de vendas de ativos no Brasil e no exterior associado a uma redução no volume de investimentos. No ano passado, os investimentos totalizaram R$ 76,3 bilhões, queda de 12% em relação a 2014. Neste ano, o volume deve ser um pouco menor, mas o montante ainda não foi divulgado.
Na segunda-feira 4, diante da enorme repercussão do boato, o presidente Bendine enviou um comunicado aos conselheiros informando que havia um debate interno sobre o assunto, pois é dever da diretoria “monitorar permanentemente a composição de todos os nossos custos e também o comportamento do mercado”. Ressaltou, no entanto, que “não há qualquer tipo de politização deste tema”. A DINHEIRO apurou que a redução nos preços dos combustíveis seria, em média, de 10% nas refinarias.
Esse pleito tem sido frequentemente encaminhado pelo diretor de Abastecimento, Jorge Celestino Ramos, que trabalha há 33 anos na estatal. A ideia seria reduzir o preço da gasolina e do diesel para estimular o consumo, que caiu cerca de 10% no ano passado. Celestino também é visto como porta-voz informal do Banco Central (BC) e do Ministério da Fazenda, que estariam pressionando a estatal a baratear os combustíveis e, consequentemente, derrubar a inflação, que acumula alta de 9,4% nos últimos 12 meses.
Em nota, o BC informa que “a informação não procede e não faz o menor sentido”. Já a Fazenda afirma que “a definição de preços de combustíveis é de competência exclusiva da Petrobras”. Analistas e investidores interpretaram o episódio como uma tentativa do governo de angariar simpatia da população às vésperas da votação da Comissão do Impeachment de Dilma (leia mais aqui). É o temor da volta da interferência política na Petrobras que explica o tombo de quase 10% nas ações da estatal, na se-gunda-feira 4.
Ainda que a ideia tenha partido da Fazenda e do BC, e não diretamente do Palácio do Planalto, o mercado avalia que ninguém ousaria levar esse assunto adiante sem o aval da Presidência da Repú-blica. Na terça-feira 5, a presidente Dilma negou qualquer ingerência, mas reforçou que o preço dos combustíveis no mercado interno está elevado. “Há, desde o ano passado, uma discrepância entre o preço praticado no Brasil e no exterior”, disse. “Se a Petrobras houver por bem fazê-lo, é o caso de fazer.” Ou seja, deu seu recado.
PREJUÍZO ACUMULADO
Desde o estouro da crise internacional, em 2008, a Petrobras alterna ganhos e perdas com as oscilações cambiais e do preço do barril no mercado internacional. A Tendências Consultoria calcula que a estatal lucrou quase R$ 20 bilhões vendendo combustível mais caro entre 2008 e 2010 e perdeu quase R$ 70 bilhões entre 2011 e 2014 ao vendê-lo mais barato. Nos últimos 16 meses, no entanto, o quadro voltou a ser vantajoso para a empresa. Na ponta do lápis, a Petrobras ainda acumula um déficit de R$ 11,8 bilhões nessas operações.
“Se os preços internos forem mantidos, e o barril e o câmbio ficarem estáveis, em seis meses essa conta será zerada”, diz Walter De Vitto, analista da Tendências Consultoria. “Por esse raciocínio, reduzir os preços agora seria injusto com o caixa da empresa.” Os analistas defendem que, após zerar essa conta, o governo adote uma regra clara e transparente para os preços dos combustíveis, blindando a Petrobras de intervenções políticas. “Na minha época, eu falava pouco com o ministro da Fazenda, Pedro Malan”, diz Henri Philippe Reichstul, que presidiu a Petrobras de 1999 a 2001.
“A regra do jogo estava clara.” Uma das soluções possíveis é a adoção de reajustes trimestrais, que levariam em conta a variação do barril no mercado internacional e do câmbio no período. Isso traria previsibilidade para a estatal, o mercado, os motoristas e os governos que dependem da arrecadação de impostos. Já o modelo americano, que atrela instantaneamente o preço internacional do barril de petróleo ao valor cobrado nas bombas, não é recomendada pelos especialistas, pois a cultura inflacionária permanece arraigada no Brasil.
Os graves escândalos de corrupção na Petrobras e as sucessivas administrações incompetentes, que politizaram as definições de investimentos, transformaram uma empresa lucrativa numa máquina de gerar prejuízos. Na semana passada, o jornal Valor Econômico divulgou que a diretoria executiva da estatal, sob o comando de Graça Foster, já sabia, em 2014, que a rentabilidade dos seus 59 maiores projetos em andamento seria reduzida em US$ 45 bilhões frente ao esperado. Os projetos tinham previsão de retorno de US$ 109 bilhões, mas o ganho estimado foi reduzido em mais de 40% por conta de variações negativas em relação às premissas usadas para prazo, produção, custo operacional e investimento.
A perda de rentabilidade não tem relação com a desvalorização do petróleo, mas apenas à ineficiência de planejamento e execução. Além disso, a Petrobras já sabia, desde o período de estudos de viabilidade, que os investimentos de US$ 26 bilhões no complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), na Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e na Petroquímica de Suape dariam um prejuízo de US$ 3,4 bilhões. Mesmo assim, eles foram aprovados. “É inegável como o atendimento a interesses políticos do governo destruiu valor e causou a atual situação dramática da empresa”, afirma o professor Fábio Coimbra, coordenador do MBA de Gestão de Riscos e Compliance da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).
“O conselho de administração, guardião dos interesses da empresa, fracassou no seu dever de evitar o uso político indevido e nocivo.” É justamente contra esse tipo de malfeitoria que a nova gestão tem trabalhado. Além disso, a atual composição do Conselho de Admi-nistração está mais blindada de interferências políticas, sem a presença de ministros nas suas cadeiras. No primeiro mandato de Dilma, o CA teve a participação dos ministros Miriam Belchior (Pla-nejamento), Márcio Zimmermann (Energia) e Guido Mantega (Fazenda). Agora, os heróis da resistência venceram a primeira batalha política, mas têm consciência de que a guerra contra o populismo pode ser longa.
“Estamos todos aqui, diretores e conselheiros, com o objetivo de atender única e exclusivamente os interesses da Petrobras”, afirmou Bendine, na mensagem aos conselheiros. Ex-presidente do Banco do Brasil, de onde trouxe Ivan Monteiro, ele reage às pressões de todos os lados para defender a autonomia da sua gestão, pois sabe que a sobrevivência da Petrobras depende não apenas de uma boa gestão financeira, mas de uma estratégia voltada para a sustentabilidade da companhia – o que é incompatível com a ingerência política indevida.
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