Quinta-feira, 07/04/2016, às 21:01, por Beth Cataldo
No início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma das propostas mais ambiciosas No início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma das propostas mais ambiciosas formuladas ainda em sua campanha era o fortalecimento dos fundos de pensão, para que se transformassem em fontes de financiamento de longo prazo de projetos estratégicos para o país.
Seria a maneira de contornar a tradicional barreira do baixo nível de poupança interna, que acaba por condicionar os padrões de crédito ao curto prazo. A pretensão, no início dos anos 2000, era reeditar a experiência bem-sucedida dos Estados Unidos, onde os fundos de pensão ocupam um papel relevante como instrumento de poupança e investimento.Essa perspectiva não apenas se frustrou no Brasil como também os fundos de pensão vinculados ao poder público se transformaram em polos de corrupção e clientelismo.
Os últimos dados disponíveis na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), relativos ao final do ano passado, apontam um déficit técnico acumulado em todas as entidades fechadas de previdência da ordem de R$ 77,8 bilhões. Esse é o patamar em que se encontra o déficit atuarial dessas entidades, que traz para o presente o cálculo de todos os benefícios atuais e futuros devidos aos seus participantes.
A maior parte desse elevado montante diz respeito aos fundos de pensão ligados a empresas estatais, até pelo porte dessas instituições. Nesse segmento, os quatro principais fundos são Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), Postalis (Correios) e Previ (Banco do Brasil). Dessa lista, um dos casos mais graves é o do Postalis, que foi gerido por dirigentes ligados ao PMDB e ao Partido dos Trabalhadores (PT) nos últimos anos.
As investigações policiais identificaram indícios de gestão temerária, crimes contra o sistema financeiro e organização criminosa. A conta terá que ser paga pelos funcionários dos Correios. A possibilidade de virar a página da ingerência política notória nessas entidades, responsável por boa parte de suas mazelas administrativas, começou a ser construída nesta semana. Em meio ao clima de hostilidades entre governo e oposição, é quase um milagre que o Senado tenha conseguido aprovar na quarta-feira um projeto praticamente consensual para promover o desaparelhamento político-partidário dos fundos de pensão vinculados ao poder público.
O foco é a melhoria da governança desses fundos para fortalecer os critérios técnicos da gestão dos recursos dos participantes. A senadora Ana Amélia (PP-RS), que relatou o projeto juntamente com o senador Aécio Neves (PSDB-MG), torce agora para que a proposta seja aprovada pela Câmara dos Deputados e a legislação entre em vigor.
“Esperamos que as corporações não incluam penduricalhos no projeto”, afirmou a senadora, em conversa hoje com o blog, refletindo uma preocupação que se tornou recorrente entre os parlamentares.
A intenção é evitar que os grupos de pressão em defesa de interesses corporativos atuem para desfigurar a proposta – ou retirar a força dos mecanismos previstos para blindar os fundos da interferência de agentes partidários.
No rol de providências consagradas no texto do projeto de lei complementar aprovado pelo Senado, encontram-se períodos bastante restritivos de quarentena para os dirigentes partidários, tanto antes da nomeação para cargos nos fundos de pensão como depois do período em que exercerem essas funções. Há ressalvas severas também para a participação daqueles que tenham sido condenados por crimes de lavagem de dinheiro e gestão temerária.
A obrigação de informar os participantes e os órgãos de controle sobre as decisões que envolvem as aplicações dos recursos geridos foi amplamente reforçada. A tentativa de promover o profissionalismo na gestão dos fundos, como fez questão de destacar a senadora do PP, contou com o apoio dos líderes governistas, que demonstraram “sensibilidade” ao tema. A única ressalva do governo foi à criação da figura do conselheiro independente, que atuará junto aos colegiados fiscal e deliberativo, dentro do objetivo de aprimorar as instâncias de governança dos fundos.
O profissional que exercer essa função será escolhido por empresas especializadas em seleção de recursos humanos, os chamados headhunters, a partir de critérios técnicos, incorporando práticas já tradicionais na área privada. – O projeto significa a primeira lição de casa que fizemos em meio a todo o descalabro que estamos vivendo na área pública – afirmou Ana Amélia, ao comentar a possibilidade de que padrões semelhantes de profissionalismo e transparência possam ser adotados em outras áreas da gestão pública.
A própria senadora forneceu um exemplo positivo no governo, mais especificamente na área do Ministério da Previdência, que adotou um sistema fortemente baseado na meritocracia na administração de pessoal. Os salários dos servidores têm uma parcela variável, que é condicionada aos resultados alcançados. São caminhos que mostram, segundo ela, que há inciativas relevantes no setor público brasileiro, mesmo nesse momento de conflagração política. No caso dos fundos de pensão, a aposta é que uma virada profissional em sua gestão seja capaz de transformá-los em fontes efetivas de investimento para a economia brasileira.
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Beth Cataldo
Jornalista, com foco na área econômica. Tem pós-graduação em Comunicação Internacional pela City University, de Londres, e mestrado pela Universidade de Brasília (UnB), na linha de pesquisa Jornalismo e Sociedade.
http://g1.globo.com/economia/blog/beth-cataldo/post/tentativa-de-resgate-dos-fundos-de-pensao.html