Moro “pediu desculpas” ao STF? Que “culpa” admitiu?

Moro “pediu desculpas” ao STF? Que “culpa” admitiu? – Senso Incomum

No Estadão, lemos que “Moro pede desculpas ao Supremo por divulgação de áudios de Lula e nega motivação política.”

Na Veja, a manchete diz “Moro pede desculpas ao STF por ‘polêmica’ de grampo e nega que divulgação teve finalidade política”, com o subtítulo “Juiz afirma que diversas conversas de Lula têm ‘conteúdo jurídico-criminal relevante’, mas admite que pode ter errado ao dar publicidade a diálogo com Dilma”.

No G1, da Globo, é dito que “Moro pede desculpas ao STF por
‘polêmicas’ sobre grampos de Lula”. O subtítulo termina afirmando que “Ele disse compreender que procedimento ‘possa ser considerado incorreto’.”

No portal Terra, lê-se: “Moro admite ao STF equívoco em escutas de Lula e Dilma”. No texto, lê-se que Moro “admitiu (…) que se equivocou ao autorizar a divulgação de escutas telefônicas”.

N’O Antagonista, um post explica que “Moro faz mea-culpa e justifica divulgação de grampos”. Em um parágrafo, o texto revela a técnica: “Para evitar enfrentamento com o Supremo, Moro fez um mea-culpa, admitindo que pode ter ‘se equivocado em seu entendimento jurídico’ ao dar publicidade ao material e ofereceu ‘respeitosas escusas’.”

Na Folha, lê-se a manchete “Sergio Moro pede desculpas ao STF pela polêmica com grampos de Lula”. Após todo o texto, lemos um ERRAMOS em letras garrafais vermelhas: “O título original do texto informava que Sergio Moro pediu desculpas por divulgar os áudios dos grampos do ex-presidente Lula; ele se desculpou pela polêmica que a divulgação causou; o título foi alterado”.

Moro, de fato, pede desculpas ao STF… pela polêmica, e não por ter divulgado os grampos. Algo destacado apenas pelo Sul Connection.

Rolf Kuntz chamava este processo de “autofagia jornalística”: jornais publicam o que outros jornais publicam, aceitando como fontes confiáveis outros jornais e como critério de verdade o que os outros jornais considerarão.

O ofício do juiz Sergio Moro em atenção ao pedido de informações do ministro Teori Zavascki (link divulgado pelo G1) possui 31 páginas. A palavra “escusas” aparece quatro vezes. Numa delas, “pela extensão dessas informações”.

Os causídicos, que podem soprar sua técnica a qualquer ouvido que busque auxílio para interpretar peças jurídicas, sabem extrair deste ofício o seu sentido óbvio – aliás, inescapável.

Documentos jurídicos, mais até do que o decoro exigido em tribunais, vindicam uma terminologia própria para serem aceitos. É o famoso “Vossa Excelência” usado mesmo num bate-boca (como no famoso arranca-rabo entre Joaquim Barbosa e o advogado de José Genoino, expulso aos berros do STF).

O ministro Teori Zavascki (“Ao Exmo. Sr. Ministro”) pede explicações para o ato de Sergio Moro divulgar o conteúdo dos grampos legalmente colhidos – tão legalmente colhidos, a despeito de toda a quizomba armada pela esquerda, que nem entraram em discussão no STF em nenhum momento.

O excelentíssimo sr. Ministro não argumenta nada, apenas solicita informações. Moro, “respeitosamente”, explica sua ação.

Mesmo sem rebater uma tese do ministro Teori, Moro usa uma típica técnica de argumentação de tribunais (estudada, ou que deveria ser estudada, por 11 em cada 10 advogados contenciosos pós-Cícero): supõe uma tese contrária e trata também como respeitosa e possuidora de possível verdade. A seguir, ponto a ponto, sem desmerecer esta tese (não apresentada por Teori Zavascki, mas borbulhando nas coxias de Brasília e escancarada em sites governistas), a desmascara e desnuda ponto a ponto, rebatendo com esmero cada argumento que ela possa vir a ter.

É algo muito mais respeitoso e, afinal, muito mais convincente do que simplesmente dizer o que fez. Inclusive mostra ciência da parte de Sergio Moro em saber o que dele dizem nos porões do Planalto. É como admitir uma argumentação contrária, para também expor a própria.

É uma típica prolepse, uma refutação prévia de algo assumido como possível verdade. Quando um advogado escreve “Ainda que por hipótese se admita que…”, não está “admitindo” nenhum erro, apenas está supondo, por educação e decoro, pela técnica de convencimento, uma tese que a seguir desmonta.

Das 31 páginas de argumentação muito bem colocada, em que Moro não admite nenhum erro próprio, usando a Constituição como fonte para ter feito o que fez, os jornalistas apenas citaram as “escusas” que aparecem não na argumentação, mas justamente como sinal de respeito pelo pensamento diverso ou pela polêmica causada. Algo, aliás, comum e obrigatório a um juiz.

Mesmo a frase “Ainda que este julgador tenha se equivocado em seu entendimento jurídico e admito, à luz da controvérsia então instaurada que isso pode ter ocorrido”, tão citada, é um topos de retórica forense básica desde os sofistas gregos como Lísias: admite-se uma acusação de erro, respeitando a seriedade e consciência de seu peso, justamente para torná-la pó a seguir.

Tão somente um lugar-comum de peças de tribunais – como a escusa por tomar tempo do Supremo Tribunal Federal com as picuinhas que o PT encontre para tentar parecer algo como um partido normal.

Os jornalistas que tanto se focaram neste “pedido de desculpas” não perceberam nem que não é um pedido de desculpas. Ou, provavelmente, não foram “jornalistas”, todos eles que leram a peça e acabaram se focando miraculosamente em apenas uma linha (as outras três são repetições e reiterações do mesmo lugar-comum): foi apenas um, e todos copiaram imediatamente para manter as atualizações da primeira página dos sites.

Senão, vejamos uma curiosíssima construção lógica (e não apenas os floreios de decoro) presente na peça, que deveria gerar celeuma brutal se percebida, como afirmamos aqui em primeira mão no fim-de-semana.

O juiz Sergio Moro aponta que o encaminhamento das investigações envolvendo os grampos ao STF pode, justamente, forçar o entendimento de que as ações de Dilma Rousseff possam de fato ter relevância para o processo. E, nesse caso, a própria Corte que julgaria a presidente, afinal. Invertendo um pouco os parágrafos nas páginas 18 e 19 do ofício, lemos:

“De todo modo e, como adiantado, vendo retrospectivamente a questão, especialmente após a controvérsia gerada e inclusive depois da r. decisão de V.Exª, compreendo que o entendimento então adotado por este julgador possa ser considerado incorreto ou mesmo sendo correto possa ter trazido polêmicas. (…) Entretanto, no caso, o foco da investigação era o ex-Presidente da República, então destituído de foro por prerrogativa de função e, embora o referido diálogo no contexto de obstrução fosse juridicamente relevante para ele, não parece que era tão óbvio assim que também poderia ser relevante juridicamente para a Exma. Presidenta da República.”
Não é nem exatamente uma ironia, a não ser no nível machadiano: é uma sutileza extrema, no tom parnasiano das togas, para dizer: “Oh, me desculpe, olhando bem para o que vimos nas últimas semanas, bem que isso deveria mesmo ter ido para o STF… afinal, havia um contexto de obstrução e sabemos bem, hoje, ao invés daquela semana, que isso vai ter conseqüências jurídicas para a Exma. Presidenta da República”.

Recebida?

Infelizmente, com a popularidade do PT e da esquerda caindo mais do que ações da Petrobras ou preço da mortadela pelos próximos anos, é usando essa sutil arte de não enxergar algo que exige entender subníveis da linguagem que ainda se pratica o espalhafato de fácil assimilação de que Moro teria “pedido desculpas”… pelos grampos, e não analisando o que pode “ser relevante juridicamente para a Exma. Presidenta da República”.

Algo que, nitidamente, quem ainda quer acreditar e defender o PT não quer enxergar.

http://sensoincomum.org/2016/03/29/moro-pediu-desculpas-ao-stf-que-culpa-admitiu/


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