Paralisação na Petrobras ressalta as divergências entre sindicalistas

Deflagrada há nove dias, a greve dos petroleiros começou com caráter trabalhista, por reivindicações salariais, mas migrou para um grande embate político e ideológico entre a categoria e o comando da companhia, com possível extensão para o governo Dilma Rousseff. Nesse cenário, a presidente pode se ver obrigada a se pronunciar sobre o plano de venda de ativos da petroleira, de US$ 57,7 bilhões até 2019, principal alvo do movimento hoje.

A paralisação foi iniciada em 29 de outubro por cinco sindicatos, em seis Estados (RJ, SP, AL, SE, PA e AM) ligados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Apesar de questionar o plano de venda de ativos da estatal, o principal motivo para a determinação da greve foi o impasse do acordo coletivo de trabalho, em que os sindicatos pedem reajuste de 10% mais correção pela inflação ­ cerca de 18% ao todo ­, além da manutenção dos benefícios históricos, contra uma proposta de 8,11% de aumento salarial feita pela companhia. Criada em 2006, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a FNP é uma dissidência e, de certa forma, rival da Federação Única dos Petroleiros (FUP). O "racha" nos 17 sindicatos dos petroleiros gerou duas federações divergentes e até mesmo opostas, como define Silvio Sinedino, membro da FNP e ex­representante dos funcionários no conselho de administração da Petrobras, em ação contra a FUP.

Na ocasião de sua criação, a FNP acusou a FUP de não confrontar decisões da Petrobras, em troca de cargos de alto escalão na estatal. A maior divergência, contudo, foi causada pela discordância com relação a fórmulas de reajustes de benefícios do plano de seguridade (Petros).

"Com a eleição, em 2002, do presidente Lula e a ascensão do PT ao poder, boa parte dos sindicalistas da FUP e sua tendência interna chamada Articulação, hoje chamada Construindo um Novo Brasil, assumiu cargos de gerência na Petrobras, inclusive mais tarde a própria gerência executiva de Recursos Humanos", diz Sinedino na ação, sem citar Diego Hernandes, sindicalista e petista histórico que assumiu a diretoria de RH.

Segundo Marcelo Juvenal Vasco, diretor da FNP, a entidade representa 46% da força de trabalho da Petrobras, de 80 mil a 85 mil pessoas. Ele não sabe qual é o percentual de sindicalizados desse total. Mas, no Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (Sindipetro­LP), do qual ele é secretário­-geral, os 2 mil associados representam cerca de 70% dos funcionários da região.

"Na base de apoio aos campos do pré­-sal, que é relativamente nova, o índice de sindicalização é mais baixo. Mas na refinaria de Cubatão, o índice é altíssimo, da ordem de 85%", disse Juvenal.

Segundo ele, na refinaria de Cubatão, onde a greve foi iniciada, na prática, 25 funcionários da Petrobras continuam trabalhando, sem deixar a unidade, desde a semana passada, por ordem da gerência-geral. "Conseguimos liminar, que determina o pagamento de multa, pela Petrobras, de R$ 15 mil, por funcionário trabalhando e por hora, desde as 23 horas da quinta-­feira passada. Mas eles [Petrobras] não estão cumprindo."

Foi no domingo que a greve ganhou contornos maiores, com a adesão dos 14 sindicatos ligados à FUP. Criada em 1993, a entidade é filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Se em 2006 a FUP aparentava estar em paz com o governo dirigido pelo PT, agora o cenário é diferente.

Os números divulgados pela FUP divergem dos informados pela rival. Segundo José Maria Rangel, coordenador­geral da FUP, a federação representa 65% da força de trabalho da estatal, com índice de sindicalização de 70%. Além do número elevado de integrantes, a FUP possui um associado no conselho de administração da Petrobras: Deyvid Bacelar, que ocupa a vaga dos funcionários no conselho, antes ocupada por Sinedino.

Desde a plenária realizada em maio, que contou com a visita do ex-­presidente Lula, a FUP determinou que a pauta de reivindicações incluiria o combate ao plano de venda de ativos e ao projeto de lei do senador José Serra (PSDB­SP) que defende o fim do papel da Petrobras como operador único do pré­sal. "Nossa greve tem um caráter diferente da deles", diz Rangel, em relação ao movimento da FNP.

Em entrevista ao Valor esta semana, Bacelar contou que a greve deflagrada pela FUP não deverá terminar enquanto a Petrobras, ou o governo, não sinalizarem com a possibilidade de rever o plano de venda de ativos.

Apesar de ter um representante no conselho, a federação não tem conseguido espaço para o assunto com o comando da estatal. Bacelar está isolado no conselho e foi o único que votou contra as propostas de venda de participações na BR Distribuidora e na Gaspetro. A entidade busca agora um canal direto com o governo, via o ex­governador da Bahia e ministro­chefe da Casa Civil, Jaques Wagner.

Sinedino afirma que a FUP apresentou apenas reivindicações genéricas reunidas na "Pauta pelo Brasil", um conjunto de medidas contra a venda de ativos da companhia, devido à ligação histórica com o PT, enquanto a FNP tem pauta de reivindicações trabalhistas. "O problema da FUP é que eles não podem falar mal da Dilma porque eles são governo. Por isso só falam do Aldemir Bendine. Mas não foi só o Bendine que decidiu vender a BR", argumenta Sinedino, se referindo ao presidente da Petrobras. Ele admite que a FNP também é contra o que considera projeto de destruição da empresa. "O que está proposto pelo Bendine é um projeto desestruturante da Dilma, de vender a BR e os dutos."

A FUP tem lista de sugestões para novo plano de negócios da Petrobras, alternativo à venda de ativos. Uma delas sugere "alongar e viabilizar operações financeiras que troquem dívidas em dólares por reais". Para elevar o caixa da empresa, ela propõe "acessar 10% das reservas internacionais brasileiras e, via Fundo Soberano, honrar compromissos externos em dólares". As reservas do Brasil estão em US$ 370,3 bilhões pelo conceito de liquidez internacional.

Para "garantir a soberania nacional", a FUP sugere que o governo compre as ações da Petrobras "ordinárias e preferenciais em circulação" e cancele o registro de companhia aberta para "aproveitar" a queda das ações. A repercussão obtida pela FUP depois que aderiu à greve foi tão grande que a FNP se viu obrigada, politicamente, a priorizar o combate ao plano de venda de ativos no seu movimento. A Petrobras se comunica com o mercado apenas uma vez por dia, à noite, para atualização da greve, que já afetou a produção de petróleo entre 6,5% e 13%.

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